Grandes cidades com lotação máxima até 2035

por RTP
Anindito Mukherjee - Reuters

Estima-se que, até 2035, dois mil milhões de pessoas se mudem para as grandes cidades. Este é um grave problema para os especialistas em urbanização, que alertam para uma escassez de recursos que não permitiu às cidades acompanhar devidamente o crescimento populacional.

Mais de 45 mil pessoas assistiram ao Habitat III, a cimeira mundial da ONU que, a cada 20 anos, redefine a agenda urbana do mundo.

Os especialistas desta área afirmam que a situação dos grandes centros urbanos pode vir a ficar preocupante.

Estima-se que durante os próximos 20 anos venhamos a assistir a uma migração de dois mil milhões de pessoas para os grandes centros urbanos. Isto pode ser positivo ou, pelo contrário, muito negativo.

Por um lado são boas notícias, uma vez que, como já vários estudos o demonstraram, as pessoas têm melhores condições de vida nas grandes cidades do que fora delas.

As maiores cidades têm um grande potencial para satisfazer desde as principais necessidades às ambições mais inatingíveis. 
Para as classes mais baixas, as cidades são os melhores veículos para satisfazer todas as necessidades.

Ter muita gente concentrada na mesma área faz com que as políticas públicas sejam muito mais eficientes. Os principais exemplos disso são o acesso ao saneamento básico, que por sua vez se traduz na redução da mortalidade infantil e das doenças epidémicas.

Para as classes médias, os grandes centros urbanos representam uma maior concentração de oportunidades de trabalho, acesso à educação, à saúde e até ao lazer.

Para as classes altas, as grandes cidades são um poderoso veículo para criar riqueza, sendo que a sua massa crítica gera o ambiente adequado para a criação do conhecimento e da prosperidade.

No entanto, a rapidez com que a urbanização global está a atingir grandes proporções é acompanhada por uma elevada escassez de meios, que deixa muitas populações sem resposta.
Abaixo da linha da pobreza
Dos atuais três mil milhões de moradores urbanos, mil milhões vivem abaixo da linha da pobreza. Dentro de duas décadas, cerca de cinco mil milhões de pessoas estarão nas cidades, aumentando para dois mil milhões de pessoas a viver abaixo da linha de pobreza.

Para acompanhar esse crescimento proporcionando as mínimas condições de vida à população, seria necessário construir uma cidade para um milhão de pessoas a cada semana, o que envolveria um investimento de mais de dez mil euros por família. Se esse investimento não for feito nessa proporção, as pessoas não vão parar de migrar para as grandes cidades.

A tendência é para que as pessoas continuem a migrar em massa, mesmo que para isso vivam em condições miseráveis. O que está aqui em causa não são só os índices de pobreza, mas também a grande desigualdade que se faz sentir cada vez mais.

Os grandes centros urbanos representam cada vez mais um grande fosso entre os que "têm" e os que "não têm".

As desigualdades da vida urbana têm tendência a revelar-se de forma extrema: desde a distância que as pessoas têm que fazer diariamente para se deslocar para o trabalho, à falta de espaços públicos de qualidade, de equipamentos urbanos e serviços cívicos. Crise ambiental, o maior problema

Para tornar o fenómeno da urbanização ainda mais complexo, mesmo que fosse encontrada uma forma sustentável de reconstruir a cidade e torná-la com capacidade de albergar esse "milhão extra", iremos sempre debater-nos com uma crise ambiental, tal é a quantidade de carbono utilizada no processo de construção hoje em dia.

Este não se trata apenas de um problema "verde", mas também de uma grande ameaça à segurança.

Segundo um relatório de 2015 Departamento de Defesa dos Estados Unidos, os próximos conflitos, guerras e ameaças terroristas vão ser desencadeados por alterações climáticas. Existe mesmo uma correlação direta entre as zonas do conflito militar e o mapa global da seca da água.

Isto não só cria problemas nos países afetados, como nas migrações para as áreas menos afetadas, verificando-se um aumento da pressão social também para os países de destino.
Quais são as melhores soluções?
Apontados os principais problemas, é necessário encontrar as soluções. Resumindo: é necessário inverter a forma como é vista a relação entre o desenvolvimento económico e as boas cidades.

Para que tal se verifique, a abordagem correta passará, em primeiro lugar, pela criação de riqueza por parte dos países. Assim que este objetivo for conseguido, a cidade vai manter-se automaticamente, uma vez que este vai passar a ser um resultado passivo do desenvolvimento económico.

Este é o tipo de desafio que a Habitat III pretende encarar. Joan Clos, diretor executivo da conferência, nomeado pelo secretário-geral cessante da ONU, Ban Ki-moon, para orientar o evento, desenvolveu uma abordagem promissora. 

Em primeiro lugar, Clos afirma que uma cidade pode ser a origem, em vez do resultado passivo do desenvolvimento económico. Para que este paradigma se verifique, é necessário mais do que um local ou povoação. É essencial que haja a legislação certa, que haja um plano financeiro bem definido e um projeto bem desenvolvido.

Clos afirma que os maiores fluxos de migração para os grandes centros urbanos se vão verificar maioritariamente nos países mais pobres, onde a escassez de recursos é bem maior.

No que toca ao Estado de Direito, é necessário que as questões quanto ao direito de propriedade sejam clarificadas, principalmente nos centros mais pobres, onde a tendência a surgir zonas de favelas, sem saneamento e sem condições é muito maior.



Em segundo lugar, Clos afirma que um dos recursos mais escassos nas cidades não é o dinheiro, mas sim a coordenação.

Só há um ponto positivo no ambiente informal em que uma cidade pode crescer. Uma vez sendo espontânea, não existe regulamentação nem planeamento das zonas. Em vez disso, vamos encontrar uma cidade mista onde as empresas, os serviços, as atividades produtivas coexistem juntas.

Isto faz com que quase não haja espaço público (menos de 20 por cento), para que se possa maximizar a área de terrenos vendidos.

O diretor do Habitat, defende ainda que para criar uma "boa" cidade, é mais importante o que não se constrói do que o que efetivamente é construído. Este afirma que o processo de se chegar a um padrão de classe média será através da autoconstrução, que deverá partir das próprias famílias, sendo que aponta esta uma solução para resolver parte do problema da falta de recursos.

O Habitat III termina esta semana e a questão que paira é se em 2036, quando se realizar a próxima conferência, se terão verificado mudanças de paradigmas visíveis no mundo imobiliário e na vida sustentável das grandes cidades.
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