Idosos sobem hoje ao palco, em Coimbra, com histórias "na ponta da língua"

por Lusa

Coimbra, 25 jun (Lusa) - No primeiro dia do evento Sons da Cidade, utentes do Ateneu de Coimbra sobem hoje à tarde ao palco do Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra para contarem histórias que têm "na ponta da língua".

A peça, intitulada "Na Ponta da Língua", resulta de um trabalho de três meses em que se procurou trabalhar a memória das "coisas que se sabem de cor", disse à agência Lusa um dos três artistas que trabalharam com o grupo, Ricardo Vaz Trindade.

No palco, vão-se ouvir histórias, poemas, "canções, ditados e rifões", que ficaram no "corpo" dos idosos, apesar "de os anos terem passado" e da memória se poder ter deteriorado, explana.

"Há coisas que contam sem qualquer nó na língua e com imenso pormenor", afirma Ricardo Vaz Trindade, constatando que, ao mesmo tempo, têm dificuldade, por vezes, em "repetirem coisas feitas há cinco minutos".

Na peça, uma das mulheres fala de um trambolhão enquanto tentava dançar na ponta dos pés na casa de uma bailarina clássica, outra das diferentes camas onde dormiu (ao pé de um curral, num palheiro ou num hospital), há quem se recorde de calçar as alpargatas para entrar na vila que os descalços pagavam multa, outra participante lembra-se da avó contar a história do seu nascimento.

As histórias foram trabalhadas pelos três artistas incorporando "movimento ou som", num espetáculo em que também eles estarão em palco para ajudar e, se for preciso, para repetir alguma cena.

"Não há complexos. Uma falha de memória é perfeitamente natural e faz parte do espetáculo", salienta Ricardo Vaz Trindade.

A maioria dos utentes tem entre 80 e 90 anos, e, apesar da "falta de jeito", o gosto pelo teatro não falta, sublinha Amália Graça, octogenária, realçando que as histórias que vão ser contadas hoje às 16:30, no TEUC -- Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra, são "verdadeiras".

"Às vezes, é mais fácil recordarmo-nos das memórias antigas", conta outra das participantes, que em Lisboa tinha por hábito ver teatro e revistas e que agora é a sua vez de subir ao palco.

Piedade Oliveira, de 82 anos, diz que "gostava de acertar mais" as falas. Noutro dia até foi para casa "mal disposta, porque o ensaio correu mal", conta.

No entanto, apesar de algumas frustrações, também se divertem. "Há diversão a mais", acrescenta a atriz Marta Félix.

"Há que martelar até sabermos, porque queremos fazer boa figura", explica Piedade, referindo que quando está no palco sente-se valorizada.

"Há uma coisa que nos puxa de cá de dentro. É uma vaidade porque sabemos que no fim recebemos palmas. Sinto-me vaidosa quando oiço as palmas e sinto vontade de fazer novamente", realça.

O evento é uma cocriação de Ricardo Vaz Trindade, Márcia Lança e Marta Félix, estando previsto ser reposto em 2017, aquando da semana cultural da Universidade de Coimbra.

O espetáculo é de entrada gratuita.

A iniciativa Sons da Cidade assinala o terceiro ano da classificação da Universidade de Coimbra, Alta e Sofia como Património Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), com concertos de Samuel Úria e Lavoisier, teatro, visitas guiadas, performance e um museu de memórias num antigo armazém de fazendas, entre hoje e 04 de julho.

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