Português Mário Cruz distinguido no World Press Photo

por Andreia Martins - RTP
Acorrentadas, agredidas, em espaços escuros e insalubres ou a mendigarem nas ruas, estas crianças são "escravos modernos" em pretexto da religião. Foto: Mário Cruz - World Press Photo

Mário Cruz foi distinguido pelo trabalho Talibes, Modern Day Slaves, sobre a escravatura de crianças no Senegal e Guiné-Bissau. O ensaio ficou em primeiro lugar na categoria "Assuntos Contemporâneos". A fotografia vencedora é de Warren Richardson e retrata a crise de refugiados, com um bebé a ser passado entre o arame farpado, na fronteira entre a Sérvia e a Hungria.

O fotojornalista português tem 28 anos, é repórter na Agência Lusa desde 2008 e foi distinguido com um dos prémios mais significativos da fotografia a nível mundial.

Em declarações à Agência Lusa, Mário Cruz conta que o trabalho agora distinguido foi o fruto de uma investigação de seis meses, antes de partir para o terreno. Fotografou nos dois países durante mês e meio, depois de pedir uma licença sem vencimento.

A reportagem na íntegra foi publicada esta quarta-feira pela revista Newsweek. No extenso ensaio fotográfico, as fotografias a preto e branco mostram crianças, conhecidas por talibés, que são usadas como escravas por líderes religiosos nas comunidades muçulmanas daqueles países.

Acorrentadas, agredidas, em espaços escuros e insalubres ou a mendigarem nas ruas, as crianças são escravizadas sob pretexto da religião. Mário Cruz espera agora que este trabalho chame à atenção para a situação vivida no Senegal e cuja realidade é dificilmente transposta pelos números das organizações internacionais, refere o repórter português.
Uma fotografia "assombrosa"
A crise de refugiados não poderia deixar de estar em grande plano naqueles que são considerados os mais prestigiados prémios de fotografia. No anúncio dos vencedores, esta quinta-feira, foi o freelancer Warren Richardson a arrecadar o prémio principal de melhor fotografia, intitulada "Hope for a New Life" (ou Esperança numa nova vida).

O australiano trabalhou durante seis meses no Leste europeu, e dedicou-se durante esse tempo a retratar as histórias dos migrantes que tentam ultrapassar as fronteiras rumo ao Velho Continente.


Warren Richardson - World Press Photo


Na fotografia, um homem tenta passar o filho, um recém-nascido, debaixo do arame farpado da fronteira da Sérvia com a Hungria. Uma imagem desfocada, a preto e branco, e que induz ao movimento da ação, datada de 28 de agosto de 2015, no auge da crise migratória que assolou a Europa durante o último ano.

O júri que fez a escolha dos grandes vencedores distingue esta fotografia como "assombrosa" e o próprio fotógrafo confessou ter ficado surpreendido quando a viu com atenção, pela primeira vez.

Ao jornal britânico The Guardian, Warren Richardson conta que a fotografia foi tirada numa noite tensa de agosto, em que cerca de 200 refugiados sírios tentavam passar a fronteira para a localidade de Röszke, na Hungria, enquanto tentavam escapar à polícia e ao gás pimenta.

Durante quatro horas, conta o repórter, vestiu a pele de refugiado e fugiu com eles às investidas da polícia, tentando passar a fronteira: "Quando tinham de estar calados, eu também tinha de estar calado. Tinha de seguir o código porque não queria desrespeitar as regras e prejudicá-los", conta.

A fotografia é tirada num momento de grande agitação, em que o grupo com que estava consegue passara a fronteira. Com a emoção do momento, só se apercebeu da qualidade da fotografia que tinha tirado quando reviu o trabalho, em casa.
Outros trabalhos
Além de Mário Cruz e Warren Richardson, destaca-se ainda o trabalho fotográfico de outros repórteres que focaram as lentes na maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial.

Francesco Zizola, com uma série de fotografias impressionantes, todas a preto e branco, nos frágeis barcos que fazem as travessias, Sergey Ponomarev, que regista a chegada dos refugiados à Grécia e algumas das dificuldades que enfrentam já em terreno europeu.

No mesmo tema, destaque também para Paul Hansen, com uma fotografia praticamente sem luz e que retrata um grupo de refugiados perto da ilha de Lesbos, na Grécia, que viaja na escuridão da noite para evitar detenções.

Como é de resto habitual, o conjunto de fotografias vencedoras conta com instantes impressionantes de cenários de guerra e dos locais mais perigosos do mundo, nomeadamente a imagem sangrenta tirada nas Honduras por Niclas Hammarstrom, em terceiro lugar na categoria de "Notícia", ou a imagem de um jovem combatente do Estado Islâmico a ser assistido, capturada pelo brasileiro Maurício Lima, e que venceu na categoria "General News".

As histórias pessoais de combate ao cancro, uma equipa de futebol de sobreviventes do Ébola ou as particularidades da vida comum na Coreia do Norte são alguns dos trabalhos premiados.

Veja aqui a lista completa de vencedores.
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