30 mil euros por mês, menos transparência e muitas propostas: o que se passa na Caixa?

por Christopher Marques - RTP
Os avultados salários fizeram Portugal acordar novamente para a Caixa Geral de Depósitos. No entanto, as críticas e preocupações extravasam a questão salarial. Rafael Marchante - Reuters

Os avultados salários fizeram Portugal acordar novamente para a Caixa Geral de Depósitos. No entanto, as críticas e preocupações extravasam a questão salarial, agora que se sabe que os administradores do banco estão isentos de algumas regras de transparência a que estavam sujeitos os seus antecessores. O PS está isolado nos assuntos da Caixa mas apresenta-se difícil uma união de PSD, CDS-PP, BE e PCP para fazer vergar a visão socialista.

São 432 mil euros brutos por ano, mais de 30 mil euros por mês. Os valores pagos ao novo presidente da Caixa Geral de Depósitos parecem chocar todos os partidos políticos que não se encontram no Governo.

O salário de António Domingues divide a maioria parlamentar de esquerda e, em termos teóricos, une o PSD, o Bloco de Esquerda e o PCP. O PS aparece isolado nesta questão, o que não significa que os restantes partidos consigam entender-se para limitar os salários.

Afinal, se todos consideram que 432 mil euros anuais para o gestor da Caixa Geral de Depósitos é um montante elevado, têm visões diferentes do que será um valor justo.
Quanto deve ganhar Domingues?
PSD, PCP e BE apresentam-se a favor da limitação dos salários dos gestores da Caixa Geral de Depósitos, o que totaliza, pelo menos, uma maioria de 123 deputados contra a posição do Governo. Mesmo assim, torna-se difícil que os três partidos consigam unir-se em torno de uma proposta e de um valor.

Afinal, o PCP até já apresentou uma proposta nesse sentido. O projeto comunista passava por limitar os salários na Caixa a 90 por cento do auferido pelo Presidente da República - o que daria um salário próximo dos seis mil euros.

A proposta foi chumbada na passada quarta-feira por PSD e PS na Comissão de Orçamento e Finanças, tendo merecido o voto favorável de PCP, BE e CDS-PP. O projeto comunista passava por limitar os salários na Caixa a 90 por cento do auferido pelo Presidente da República - o que daria um salário próximo dos seis mil euros.

O Bloco de Esquerda deverá apresentar uma proposta para que o salário dos administradores da Caixa Geral de Depósitos esteja alinhado com o do Presidente da República, refere o Jornal de Negócios.

A proposta assemelha-se à que foi apresentada pelo PCP e que foi chumbada por PSD e PS. Para os social-democratas, não faz sentido indexar o salário dos gestores ao salário dos políticos.

"Não entramos em demagogias e achamos que o limite não pode ser para estes casos aquilo que é para os titulares dos cargos políticos, porque quem concorre está a disponibilizar-se e sabe quais são as regras, é diferente do recrutamento", defendeu Duarte Pacheco na quarta-feira.O anterior regime não escapa a críticas: dá lugar a uma grande diferença salarial entre pessoas que podem ter funções equivalentes.

O PSD deverá apresentar um projeto de lei para limitar os salários na Caixa Geral de Depósitos. O regime anteriormente em vigor punha como teto máximo o salário médio auferido por esse mesmo administrador nos últimos três anos.

Este enquadramento permitia ultrapassar a fasquia do salário do primeiro-ministro e contratar administradores, que assim ficavam com um salário igual ou próximo daquele que ganhavam nas funções que exerciam anteriormente.

Mas o anterior regime não escapa a críticas: dá lugar a uma grande diferença salarial entre pessoas que podem ter funções equivalentes.
Costa não arrisca má gestão

O PS apresenta-se como único defensor do atual regime e do fim da limitação dos salários dos gestores da Caixa Geral de Depósitos. O primeiro-ministro diz não querer arriscar a “má gestão”. O deputado socialista João Paulo Correia garante que os valores estão na média dos praticados pelos grandes bancos portugueses e concorrentes da Caixa.

Apesar de ter promulgado o diploma, o Presidente da República apresenta críticas aos salários da Caixa Geral de Depósitos. Marcelo Rebelo de Sousa afirma que “não é possível nem desejável” pagar o mesmo valor que aos administradores de um banco privado e defende que a remuneração deve “atender ao resultado da gestão”.

O Chefe de Estado não deixou de recordar que, quando os bancos privados receberam dinheiros públicos, os vencimentos da administração foram cortados.
Que declarações devem entregar?
O mesmo protagonista, o mesmo negócio, outra polémica. O alerta foi deixado por Marques Mendes no comentário dominical na SIC e pegou na atualidade nacional. O ex-líder social-democrata referiu que o Governo excecionou os dirigentes da Caixa Geral de Depósitos do Estatuto do Gestor Público.
“Das duas uma: ou isto é um lapso e tem de ser corrigido, ou isto é intencional e é gravíssimo”.

Uma exceção que poderá ser explicada pelo objetivo de isentar os gestores do banco público dos limites de remuneração previstos, mas que abre alas a outra polémica: os dirigentes ficam também isentos de um conjunto de obrigações de transparência.

“Das duas uma: ou isto é um lapso e tem de ser corrigido, ou isto é intencional e é gravíssimo”, afirmou Marques Mendes. A alteração iliba os gestores da Caixa de entregarem uma declaração de património e rendimentos na Procuradoria-Geral da República e na Inspeção-Geral de Finanças.

Marques Mendes mencionou também que, com esta legislação, os gestores não precisam de entregar declarações no Tribunal Constitucional, mas o Público recorda que uma lei obriga todos os gestores públicos em empresas do Estado a entregarem a declaração de rendimentos no Palácio Ratton.
BE e PSD querem mais transparência
O Bloco de Esquerda, pela voz da coordenadora Catarina Martins, já disse que está contra esta alteração, uma posição também partilhada com o PSD. Na segunda-feira, o Expresso avançou que os social-democratas já preparam uma iniciativa legislativa para que esta situação seja corrigida.

A edição de terça-feira do Público dá mais alguns pormenores, com os social-democratas a quererem avançar com alterações a grande parte da legislação. A proposta do PSD deverá avançar com uma nova limitação dos salários, avançar com um período de nojo para ex-administradores e reforçar as obrigações de transparência.

Reportagem de João Vasco - Antena 1

O diário avança que o partido quer que os gestores tenham de especificar que participações têm em empresas concorrentes. Em aberto, a possibilidade de António Domingues ter participações no BPI, banco no qual esteve 27 anos e do qual saiu para assumir a liderança da Caixa Geral de Depósitos.
Capitalização e informação privilegiada
A trilogia da Caixa Geral de Depósitos conta ainda com a troca de declarações entre Pedro Passos Coelho e António Domingues. Em causa a preparação do processo de capitalização da Caixa Geral de Depósitos quando o atual líder da Caixa ainda estava no BPI e o eventual acesso a informação privilegiada.

A novela começa com a entrevista de Pedro Passos Coelho ao jornal Público. O ex-primeiro-ministro critica a forma como o processo da Caixa Geral de Depósitos foi gerido e reprova que o Governo siga "um processo de reestruturação preparado por quem nem era ainda administrador do banco”.

O líder social-democrata acusa ainda António Domingues de ter tido acesso a “toda a informação privilegiada” do banco público, antes de ter qualquer vínculo com a instituição.
“Ou o plano de recapitalização não teve informação adequada e é uma mistificação política” ou António Domingues “teve acesso a informação e não está a desmentir o que eu disse”.

A entrevista de Pedro Passos Coelho merece resposta escrita do presidente da Caixa, revelada na sexta-feira.

Na missiva, António Domingues acusa o líder do PSD de faltar à verdade, afirmando que nunca teve acesso a informação privilegiada antes de assumir a liderança do banco.

O administrador garante que a “informação pública disponível era suficiente para a elaboração do plano”. A resposta de Domingues não convence Passos.

No sábado o ex-primeiro-ministro insiste que o plano de recapitalização não pode ser desenhado apenas com informação pública e apresenta duas possibilidades.

“Ou o plano de recapitalização não teve informação adequada e é uma mistificação política” ou António Domingues “teve acesso a informação e não está a desmentir o que eu disse”, explicou.

O presidente do PSD pede ao Executivo que dê “explicações cabais” sobre o plano de recapitalização e mantém a crítica. “Se é para andar a atirar areia para a cara das pessoas, não valia a pena estar a pagar aos novos administradores o dobro do que pagavam aos outros administradores”, frisa.

António Domingues vai ao Parlamento na quarta-feira para um encontro com o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues. De momento, a Comissão Parlamentar de Inquérito à Caixa Geral de Depósitos segue suspensa devido à discussão do Orçamento do Estado.
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