Informático que denunciou HSBC acusa banca de manipulação da crise

por RTP com Lusa
Arnd Wiegmann, Reuters

Hervé Falciani, o informático que revelou o esquema de evasão fiscal através das contas do HSBC, em Genebra, acusa as instituições financeiras internacionais de montagem de um modelo económico com "base" na crise e na dívida pública.

Hervé Falciani, 43 anos, ítalo-francês, colabora com polícias de vários países, tendo permitido o acesso ao sistema informático do HSBC de Genebra.

A lista Falciani, onde constam cerca de 130 mil nomes de banqueiros, traficantes de droga, diamantes e armas, políticos, empresários, desportistas, entre outros, (incluindo portugueses) tornou possível a recuperação de milhões de euros resultantes da evasão fiscal.
Segundo Falciani, autor do livro "O Cofre-Forte da Evasão Fiscal", o modelo económico do "banco privado" baseia-se sobretudo na dívida pública, atualmente o meio mais importante de financiamento.

"Por um lado, os bancos podem obter dinheiro do Banco Central Europeu (BCE) pagando 0,5 por cento de juros, e por outo -- utilizando o chamado "efeito de alavanca" -, podem comprar dívida pública num montante igual a 50 vezes aquele que obtiveram", explica o engenheiro informático que revelou a lista com milhares de nomes de titulares de contas do Hong Kong and Sanghai Bank Corporation (HSBC) em Genebra, em situação de evasão fiscal, incluindo portugueses.

De acordo com o engenheiro informático, "em média", os títulos do Estado proporcionam um juro de 2,5 por cento, ou seja, o quíntuplo da taxa que os bancos têm de pagar ao BCE.

"Se uma instituição obtém um milhão de euros do BCE, terá de pagar cinco mil euros de juros. Mas com aquele milhão, poderá adquirir títulos públicos no valor de 50 milhões, que lhe darão 1.250 mil euros de juros. Multiplicando este valor por centenas de milhares de milhões de euros apercebemo-nos das dimensões do fenómeno" (pag.197), escreve o autor do livro "O Cofre-Forte da Evasão Fiscal".

Sendo assim, explica, com a ajuda do "efeito de alavanca e sem menor esforço", os bancos podem ganhar muito dinheiro para investir nas especulações financeiras e na compra de nova dívida e não injetam recursos na economia real, não relançam o consumo, não investem na indústria nem na criação de emprego.Portugueses na lista

O livro "O Cofre-Forte da Evasão Fiscal", que escreveu com o jornalista italiano Angelo Mincuzzi, foi lançado este mês em Portugal e inclui documentação e reprodução de transmissões entre gestores e clientes do HSBC- Privat Bank.

Falciani denuncia o funcionamento do banco e o esquema de ocultação das contas bancárias de políticos, traficantes de droga, diamantes e armas, desportistas, empresários e banqueiros, entre outros. Inclui uma transação na Região Autónoma da Madeira.

Hervé Falciani: "Não fui eu que retirei os dados do arquivo do banco e os inseri numa 'nuvem', onde eram memorizados, mas sim outros empregados do HSBC".


"Os especuladores aproveitam-se da desigualdade, precisam dela: este é o modelo económico atual. Temos de o inverter, e isto pode ser feito", defende o informático atualmente envolvido no banco ético francês, La Nef (Nouvelle Économie Fraternelle).

Para o especialista, "é necessário começar a usar a arma do inimigo" e criar empresas de fachada para resolver o problema da origem e denúncia dos dados utilizando "lugares" onde os dados não são de ninguém, como a Costa Rica ou o Equador, tal como fazem os bancos, "inimigos da igualdade pública", refere o informático que no livro relata o processo como acedeu aos dados e todo o processo judicial de que foi alvo depois da divulgação da lista.

Hervé Falciani, 43 anos, ítalo-francês, colabora com polícias de vários países, tendo permitido o acesso ao sistema informático do HSBC de Genebra.

A lista Falciani, onde constam cerca de 130 mil nomes de banqueiros, traficantes de droga, diamantes e armas, políticos, empresários, desportistas, entre outros, (incluindo portugueses) tornou possível a recuperação de milhões de euros resultantes da evasão fiscal.

Finalmente, Falciani lamenta não existir coerência entre as "afirmações dos políticos" contra a evasão fiscal e as normas que são promulgadas em proveito dos bancos. Mesmo assim, revela-se otimista porque o "sistema é frágil", sublinhando que dentro de uma empresa ou de um banco basta uma única pessoa contrária à manutenção do sigilo para "fazer saltar tudo".
Rede de interesses político-económicos
Por ter revelado as informações sobre 130 mil nomes em situação de evasão fiscal, incluindo portugueses, Falciani foi perseguido, preso, ameaçado de morte e julgado na Suíça por espionagem financeira, furto de informações, violação do sigilo comercial e do sigilo bancário."Quando consideramos estes casos, compreendemos o porquê de os políticos não fazerem nada para combater a evasão fiscal, o poder excessivo dos bancos e a corrupção. Protegendo os bancos, protegem-se a si próprios", lamenta Falciani, que critica abertamente o sistema e as organizações suíças, especialistas na "ocultação" do dinheiro que deveria ser tributado.

No livro, Falciani refere que apesar de ter milhares de depósitos, os verdadeiros ganhos do HSBC (Private Bank de Genebra) provinham de 60 clientes - empresas, empresários, fundos de investimento - que tinham um poder enorme e que em troca do dinheiro que deixavam em gestão "podiam obter tudo o que queriam".

Segundo Falciani, o poder do HSBC está ligado "aos clientes mais importantes" e ao controlo que pode exercer graças a "essas enormes fortunas e ao emaranhamento dos interesses do cliente", do gestor e dos políticos.

"O homem mais rico de Espanha, Emilio Botín, do Banco Santander (de que foi proprietário até à morte, em setembro de 2014), era um dos clientes do HSBC de Genebra. A mãe do antigo primeiro-ministro grego Georges Papandreu tinha uma conta de 500 milhões de euros. O antigo presidente executivo do HSBC Stephen Green foi ministro do Comércio de David Cameron até 2013. O irmão de Jérôme Cahuzac, socialista francês que foi ministro do Orçamento, obrigado a demitir-se por envolvimento num escândalo de evasão fiscal, era responsável do HSBC em Paris. O presidente do grupo que controla a Bolsa suíça era administrador-delegado do HSBC (Private Bank de Genebra) e o antigo chefe dos advogados do HSBC é hoje o número um do Internal Revenue Service, o fisco norte-americano", exemplifica o informático.
Perseguido e preso
O livro inclui um prefácio do jornalista italiano Angelo Mincuzzi, que relata a perseguição de que Falciani foi alvo após a divulgação da lista, além da presença de vários serviços secretos em todo o processo relacionado com as contas do HSBC.

"É possível, portanto, que os ficheiros informáticos do HSBC tenham sido um instrumento de negociações subterrâneas em benefício dos Estados Unidos", especula Mincuzzi na introdução do livro, acrescentando que, pelo menos, os serviços secretos italianos já conheciam as irregularidades que o HSBC encerrava na ocultação de contas bancárias.
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