Resgates salvaram os bancos europeus, não a Grécia

por Andreia Martins - RTP
Só o resgate de bancos levou uma fatia superior a 37,3 mil milhões de euros do empréstimo total. Cathal McNaughton - Reuters

Apenas cinco por cento da quantia total dos dois primeiros programas de assistência a Atenas tiveram como destino os cofres do Estado. O diário alemão Handelsbatt refere que a restante quantia foi parar às mãos dos credores para o pagamento de antigas dívidas e a recapitalização da banca.

Em 215,9 mil milhões de euros dos dois programas de resgate, apenas 9,7 mil milhões foram parar ao orçamento do Executivo de Atenas.

Um novo estudo publicado pela European School of Management and Technology, escola de Gestão em Berlim, revela em exclusivo ao Handelsbatt, um dos principais jornais de negócios na Alemanha, que o grosso dos empréstimos voltou para as mãos de bancos e credores e não se destinou à ajuda direta do povo grego.

Da quantia total, 86,9 mil milhões destinaram-se ao pagamento de dívidas antigas e mais de 52 mil milhões serviram para o pagamento de juros. O resgate de bancos, sobretudo franceses e alemães, levou uma fatia superior a 37,3 mil milhões de euros do empréstimo total. 

Em 24 páginas, o estudo comprova pela primeira vez uma acusação que tem sido constante desde o início da crise grega. Os economistas da universidade berlinense analisaram individualmente cada parcela dos dois primeiros empréstimos e descobriram que apenas cinco por cento dos 215,9 mil milhões de euros foi parar diretamente ao orçamento grego.  A Grécia recebeu, no ano passado, o terceiro programa de resgate em seis anos. União Europeia e FMI emprestaram a Atenas perto de 90 mil milhões de euros. 

“Os pacotes de ajuda foram usados sobretudo para o resgate de bancos europeus. Os contribuintes europeus resgataram bancos e investidores privados”, refere Jörg Rocholl, presidente da universidade alemã, em declarações ao Handelsbatt.

O mesmo responsável explica, desta feita ao Deutsche Welle, que "grande parte do dinheiro foi usado para transferir riscos, de credores privados para credores públicos, o que significa que grande parte da quantia foi usada para reembolsar os credores privados, ao aceitar mais dívidas por eles contraídas".
“Bodes expiatórios”
“Isto é algo de que todos suspeitavam, mas poucos realmente sabiam. É uma realidade agora comprovada pelo estudo: durante seis anos, a Europa tentou em vão colocar um ponto final na crise grega através de empréstimos. Continua a exigir medidas e reformas cada vez mais pesadas. Obviamente, a razão para o falhanço reside menos do lado do Governo grego e muito mais sobre quem projetou os programas de resgate”, conclui o artigo do Handelsbatt. 

Romaric Godin, jornalista francês que acompanhou de perto a crise na Zona Euro, em particular a maratona de negociações entre as instituições europeias e o Governo de Alexis Tsipras que deixou no ar o possível Grexit e protagonizou o debate europeu nos primeiros meses de 2015, refere que este estudo corrobora a tese que há muito defende: o povo grego como "bode expiatório" de uma crise que não foi capaz de resolver. 

“Foi construído um mito: o falhanço dos resgates ficou a dever-se à má vontade do povo grego. (…) Os líderes europeus têm sido capazes de transmitir aos gregos a responsabilidade pelo seu crime. A vítima tornou-se a culpada”, aponta o repórter num artigo publicado no jornal gaulês La Tribune. Acrescenta ainda que o Eurogrupo “continua a tentar ajoelhar a economia grega” e França e Alemanha “recusam-se a assumir a responsabilidades e a aliviar a dívida grega”. 

Para a próxima segunda-feira está marcada uma reunião extraordinária dos ministros das Finanças da Zona Euro, com o intuito de discutir e negociar a redução e alívio da dívida grega, com a extensão do período de reembolso de créditos e o congelamento das taxas de juro.
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