Ficheiros secretos de 22 mil membros do Estado Islâmico entregues à Sky News

por Graça Andrade Ramos - RTP
A revelação dos ficheiros secretos do grupo Estado Islâmico poder desfazer a teia de contactos e de combatentes, num golpe fatal para a organização <i>jihadista</i> Ali Hashisho - Reuters

A televisão britânica Sky News afirma ter recebido, das mãos de um jihadista arrependido, ficheiros secretos do Estado Islâmico com os nomes de milhares de combatentes, incluindo contactos telefónicos ativos e moradas. Muitos dos jihadistas encontram-se na Europa ocidental, nos Estados Unidos, no Canadá, no Magreb e no Médio Oriente, afirma a Sky. A lista já foi entregue aos serviços de informação e poderá ser um golpe devastador para a organização islamita.

A informação foi entregue numa pen USB, por um homem que se identificou como Abu Hamed, um antigo combatente do Exército Síria Livre convertido ao Estado Islâmico.

"Espero que sirva para o derrubar," disse ao jornalista Stuart Ramsay que a recebeu, na Turquia. "Assim queira Deus," acrescentou, numa reportagem publicada pela Sky. A pen USB foi roubada ao responsável pela polícia de segurança interna do grupo jihadista, descrita pelos membros islamitas como as SS do Estado Islâmico. Os maiores segredos da organização tinham-lhe sido confiados, afirma a televisão britânica, "e ele raramente se separava da drive," acrescenta.

Muitos dos nomes incluídos nos ficheiros já eram conhecidos das autoridades, garante a Sky News. Por exemplo, Abdel Bary, de 26 anos, um londrino que se juntou ao grupo em 2013 e que visitou a Líbia, o Egipto e a Turquia. Apareceu num vídeo brandindo uma cabeça decepada. É classificado como combatente mas é conhecido no Reino Unido como artista de rap. Não se sabe onde pára.

Mas muito mais vasta e importante neste verdadeiro jihadileaks é a informação sobre os membros até agora desconhecidos do grupo. Aparentemente, muitos dos jihadistas residem atualmente no Ocidente. Um dos ficheiros, sob o nome "mártires", identifica mesmo uma brigada de combatentes dispostos a cometer atentados suicidas.

Crucial é também a informação sobre a rede de recrutamento do grupo terrorista, revelada em toda a sua extensão nestes ficheiros secretos, sobre os próprios recrutadores e movimentações dos membros da organização em todo o mundo.

Por exemplo, é possivel desde já identificar com precisão os vários locais de passagem da fronteira da Turquia usadas pelos jihadistas refere a reportagem da Sky News

Os ficheiros poderão igualmente ser utilizados em futuros processos judiciais.

Também o jornal alemão Süddeutsche Zeitung refere ter na sua posse as listas de combatentes germânicos do Estado Islâmico e a polícia federal da Alemanha já veio dizer ques estas são "provavelmente autênticas."

Várias vozes apelam contudo à prudência quanto a estes documentos que deverão ser ainda estudados e analisados. A página de informação Zaman al-Wasl, próxima da oposição síria e que também terá tido acesso aos ficheiros, diz por seu lado que muitos dos ficheiros estão repetidos, acresecentado que, no final, são abrangidos apenas 1.700 nomes.

Muitos dos ficheiros datam além disso do final de 2013 e há diversas incoerências que terão de ser estudadas.
23 entradas... em inglês
O detalhe de cada formulário dos membros da organização permite ainda fazer um retrato preciso dos elementos do Estado Islâmico e suas origens.

As 23 entradas de cada ficha - muitas escritas em inglês, mesmo nos formulários com informações em árabe, um pormenor que pode revelar muito sobre quem realmente lidera a organização ou sobre a autenticidade dos documentos - incluem não só o nome original e o novo nome do jihadista no Estado Islâmico, mas também quem o recomendou e o país de origem, além de uma série de outros pormenores, como o grupo sanguíneo, o "nível de compreensão da Sharia" (a lei islâmica), ou o nome de solteira da mãe.

A informação revela ainda a história de cada um até chegar ao Estado Islâmico, o seu paradeiro e contactos.

Detalhe dos ficheiros secretos dos membros do grupo Estado Islâmico

Os jihadistas vêm de, pelo menos, 51 países e passaram todos por campos de treino em vários países. Reino Unido, toda a Europa do norte e a maioria dos países do Médio Oriente e do Norte de África, assim como Estados Unidos e Canadá, são as regiões de origem.

Os ficheiros secretos voltam a comprovar igualmente a pesada burocracia que sustenta o grupo.
 
O filão de informações é enorme e um recurso "inestimável" para os serviços de contraterrorismo, como considerou Richard Barret, antigo responsável dos serviços externos de informação britânicos.
Compreender falhas
As fichas revelam, por exemplo, que a maioria dos combatentes frequentou hotspots jihadistas, como o Iémen, o Sudão, a Tunísia, a Líbia, o Paquistão e o Afeganistão.

Aparentemente, contudo, conseguiram passar as malhas de deteção dos serviços de informação, sem as acionar, sem serem observados nem seguidos. Foram capazes de entrar na Síria para combater e depois regressar a casa.

Feitos importantes para os serviços de informação perceberem onde "falharam", como refere um analista. "compreender de que forma estas pessoas viajaram e quem as recrutou é essencial para reduzir (o número) de futuras partidas", considerou Chris Phillips, diretor-geral de uma agência de serviços de proteção, à France Presse.

A lista inclui ainda os nomes de alguns jihadistas com funções de liderança, que terão sido já abatidos. É o caso de Junaid Hussain, antigo responsável pelos media do grupo, juntamente com a sua mulher, a ex-punk Sally Jones. O paradeiro dela é desconhecido. Reyaad Khan, de Cardiff, conhecido após ter participado num dos vídeos divulgados pelo Estado Islâmico, é outro desses casos.

O grupo Estado Islâmico estará a abandonar a Síria, deslocando-se para as áreas desérticas a caminho do Iraque Foto: Reuters
Fraude
A pen USB foi entregue por Abdel Hamed a um jornalista na Turquia. O ex-jihadista afirma ter ficado desiludido com o rumo adotado pelo grupo que, segundo ele, estará agora a ser comandado por antigos soldados do Partido Baath, do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein.

Hamed abandonou o grupo devido ao "colapso dos princípios islâmicos" em que crê. "Esta organização é uma fraude, não é o Islão," declara, num vídeo difundido pela Sky News onde aparece de cara camuflada.

"Esta informação deveria estar com aqueles que lutam contra o Estado Islâmico", refere no vídeo.

De acordo com Abdel Hamed, o grupo está a preparar-se para a abandonar Raqqa, a sua capital síria dos últimos anos, transferindo-se para as áreas desérticas da Síria e depois para o Iraque.

A serem verdadeiros estes ficheiros secretos, a sua divulgação junto dos serviços anti-terrorismo poderá ser um golpe fatal para a organização.

Alguns analistas sublinham que a traição de Hamed implica ainda que o grupo está a braços com uma severa dissensão interna e que poderá implodir.
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