Um historiador alemão diz ter encontrado indícios de que um panegírico dedicado ao chefe do partido nacional-socialista foi escrito pelo próprio Hitler sob o nome de outra pessoa. A confirmar-se, será um livro anterior ao famigerado Mein Kampf.
Tratava-se de um estudo biográfico sobre um homem de 34 anos, que ainda tinha pouca vida para contar. O mais notável que tinha Hitler era encontrar-se à frente do jovem movimento nacional-socialista, com ambições de poder, mas ainda sem uma estratégia afinada para lá chegar. Isso não impedia o livro de lhe dedicar os ditirambos mais descabelados, classificando-o como salvador da Alemanha e comparando-o nomeadamente com Jesus Cristo.
Pouco tempos depois de publicada a obra laudatória com a assinatura de von Koerber, Hitler iria estar envolvido no chamado "putsch da cervejaria", em Munique, 9 de Novembro de 1923. O fracasso iria atirá-lo para a prisão, deprimido com a derrota, com a perspectiva de ser condenado a uma pena longa e com a incerteza sobre o futuro, seu e do movimento nazi, que os contemporâneos admitiam pudesse esmorecer depois dessa bravata - primeira e talvez última.
Condenado numa pena surpreendentemente benigna, Hitler encontrou ânimo para escrever na cadeia o seu Mein Kampf [A minha luta], livro que fez correr rios de tinta - os que foram gastos a imprimir as suas várias reedições, com milhões de exemplares, e os que foram gastos numa extensa literatura dedicada a analisar o seu texto e subtexto.
Agora, ao debruçar-se sobre o espólio do barão von Koerber, encontrado na África do Sul, o historiador Thomas Weber concluiu que este apenas terá, provavelmente, servido de camuflagem a Hitler, verdadeiro autor do livro.
Weber explicou a Der Spiegel que a motivação principal de Hitler para esconder a sua identidade terá sido a de fazer surgir sob outra autoria o conteúdo encomiástico do livro: "Ninguém pode recomendar-se a si próprio como líder". E acrescenta: "Este livro mostra que Hitler já desde muito cedo era um hábil manipulador e alguém que puxava os cordelinhos da política e já não apenas um propagandista, telecomandado por outros atrás dos bastidores".
Em entrevista àquela publicação alemã, o historiador explica algumas das conclusões contidas no seu livro recente Wie Adolf Hitler zum Nazi wurde [Como Adolf Hitler se tornou nazi]: "Até aqui, víamos o Hitler desse tempo como uma espécie de tambor, uma espécie de homem de palha de mentores antidemocráticos como o antigo primeiro quartel-mestre general Ludendorff, da Primeira Guerra Mundial". Se, pelo contrário, Hitler for o verdadeiro autor do livro atribuído da von Koerber, deverá ser visto como alguém com uma clara aspiração à liderança, e já não como um simples mandarete.
Segundo Weber, o segredo da verdadeira autoria do verdadeiro primeiro livro de Hitler explica-se por von Koerber, inicialmente admirador de Hitler, se ter tornado depois um seu inimigo figadal. Tendo sido aviador na Primeira Guerra Mundial, von Koerber apoiou o movimento nacional-socialista nos seus passos iniciais mas entrou em rota de colisão com Hitler, e acabou a Segundo Guerra Mundial num campo de concentração.
Von Koerber viria a morrer em 1969 na África do Sul. até ao fim das suas vidas respectivas, nem Hilter nem ele próprio tiveram interesse em romper o pacto de silêncio que os tinha unido em 1923.
A hipótese apresentada por Weber tem sido recebida como plausível na comunidade científica, todavia com a prudência que é de rigor nestes casos e com aquela que é recomendada, adicionalmente, pelo monumental embuste que, há alguns anos, fez manchetes sobre o alegado "diário de Hitler". Vendido à revista Stern por um vigarista, esse diário enganou mesmo num primeiro momento um iminente biógrafo de Hitler como era o historiador Joachim Fest.