Lágrimas e nostalgia no último discurso de Obama: "Sim, nós conseguimos"

por Andreia Martins - RTP
O discurso emocionado marcou a despedida de Obama enquanto Presidente. Jonathan Ernst - Reuters

De regresso a Chicago, cidade onde declarou vitória há oito anos, o Presidente norte-americano pediu ao país para se unir em defesa da democracia e deixou uma visão otimista dos dois mandatos. "Em quase todos os aspetos, a América é um país melhor e mais forte”, declarou.

Perante mais de 18 mil pessoas, Barack Obama despediu-se do país em McCormick, Chicago, onde esteve na noite da vitória há oito anos, envolto numa mensagem de mudança e de esperança que mobilizou multidões. Na terça-feira, em Chicago, Obama olhou para os últimos oito anos e, em retrospetiva, concluiu: “Sim, nós conseguimos”.

Fez, em suma, uma referência ao slogan repetido em 2008, Yes We Can

Eleito pela primeira vez em 2008, o primeiro Presidente negro da história dos Estados Unidos deixou uma leitura otimista da sua passagem pela Casa Branca, não sem deixar alguns avisos e conselhos aos norte-americanos. 

Márcia Rodrigues, Ricardo Guerreiro - RTP

“Se vos tivesse dito há oito anos que a América iria reverter uma grande recessão, reforçar a nossa indústria automóvel e criar emprego como nunca na nossa história…Se vos tivesse dito que iriamos abrir um novo capítulo no diálogo com os cubanos, encerrar o programa de armas nucleares do Irão sem que um tiro fosse disparado e anular o cérebro do 11 de Setembro…Se vos tivesse dito que venceríamos na igualdade no casamento, garantir o direito no acesso à saúde a mais de 20 milhões de cidadãos – podiam ter pensado que estávamos a olhar demasiado alto”, enumerou o Presidente, numa referência a conquistas no plano doméstico e internacional. 

A multidão, que sempre soube conquistar com discursos carismáticos, pediu-lhe efusivamente: “Mais quatro anos”. Mas os presidentes estão impedidos constitucionalmente de seguir para um terceiro mandato na Casa Branca e Obama respondeu-lhes com um sorriso: “Não posso fazer isso”. 

A menos de dez dias da tomada de posse de Donald Trump, que acontece a 20 de janeiro, Barack Obama prometeu “uma transição pacífica” entre presidentes, tal como George W. Bush lhe proporcionou no passado, e que essa é mesmo uma característica “marcante” da democracia nos Estados Unidos.


“A democracia precisa de vocês”
Apesar de todos os esforços, 2989 dias com um Presidente negro não foram suficientes para sarar as feridas da divisão e tensões raciais nos Estados Unidos. Obama reconheceu mesmo que essa seria “uma missão impossível”.

“Depois de ter sido eleito, falou-se numa América pós-racial. Mas essa visão, por muito bem-intencionada que fosse, nunca foi realista. As questões raciais continuam a ser uma força potente e de divisão na nossa sociedade”, declarou o Presidente que durante os dois mandatos assistiu e teve de lidar com centenas de episódios de violência: tiroteios como o de Charleston, a ascensão do movimento “Black Lives Matter” após os sucessivos casos de violência policial. 

Por isso mesmo, Obama apela aos norte-americanos que acreditem neles próprios. “Peço-vos que acreditem na vossa capacidade de mudança. A democracia precisa de vocês. Não apenas quando há uma eleição, não apenas quando os vossos interesses estão em risco, mas durante toda a vida”, avisou. 

“Se alguma coisa precisa de um conserto, amarrem os vossos sapatos e organizem-se. Se estão desiludidos com os superiores que elegeram, agarrem numa prancheta, arranjem assinaturas e concorram vocês próprios. Apareçam. Envolvam-se. Perseverem”, pediu o Presidente.
 
A mensagem teve como destinatário não só as raças minoritárias que se sentem discriminadas, mas também “os homens brancos de meia-idade” que viram o mundo virado do avesso “com as mudanças económicas, culturais e tecnológicas”, no fundo, a base eleitoral que ajudou a designar o próximo Presidente. 
“Bolhas” de polarização
Um discurso de esperança que não deixou de ser um alerta, ou um elegante aviso, como lhe chama a BBC. Apesar da nota positiva, vários conselhos e mensagens remetidas ao próximo Presidente, como quando rejeitou “qualquer discriminação contra muçulmanos nos Estados Unidos” ou quando preveniu que “a democracia pode curvar quando cedemos ao medo”. 

Apesar do balanço positivo dos dois mandatos em Washington, Obama reconhece que são muitos os problemas que assolam a sociedade norte-americana, potencialmente corrosivos para a democracia. São elas as divisões e tensões raciais, as desigualdades económicas e a divisão da sociedade em “bolhas de opinião”, fatores que ajudam a promover a “polarização” na política, como foi notório durante a campanha eleitoral do último ano.   

“Para muitos de nós, tornou-se mais seguro restringirmo-nos às nossas próprias bolhas, seja nos nossos bairros, universidades, locais de culto, os nossos feeds nas redes sociais, cercadas por pessoas parecidas connosco, que partilham as nossas visões políticas e nunca desafiam as nossas suposições”, avisou. 

O Presidente que chegou à Casa Branca com o objetivo de construir pontes e unir os Estados Unidos em termos políticos e sociais vê hoje profundas divisões: “Ficamos tão seguros nas nossas próprias bolhas que aceitamos as informações, verdadeiras ou não, que correspondem às nossas opiniões, em vez de basearmos as nossas opiniões nas evidências”. 

Obama citou, a título de exemplo, o caso do aquecimento global, que tantos – o próprio Presidente eleito incluído – chegaram a refutar. Aos negacionistas do ambiente, o Presidente pede-lhes o reconhecimento “que os seus oponentes têm alguma razão, e que a ciência e a razão importam”. 
Agradecimento à primeira-dama
De volta ao sítio onde tudo começou, oito anos depois, Obama largou a pose política para falar da família e chorou ao falar da mulher. 

“Michelle LeVaughn Robinson (…), foste nos últimos 25 anos não apenas a minha mulher e mãe dos meus filhos, mas também a minha melhor amiga.
Tomaste um papel que não pediste para ti, mas que assumiste com graça, coragem, estilo e bom humor".



"Fizeste da Casa Branca uma casa que pertence a toda a gente. Uma nova geração tem expetativas mais elevadas porque te tem como modelo. Deixas-me orgulhoso. O país inteiro fica orgulhoso. Ensinaste-me alguma coisa todos os dias. Fizeste de mim um melhor Presidente e um homem melhor”, declarou. 

A este ponto do discurso, Obama já chorava. Numa palavra também dedicada às filhas, a mais nova ausente devido a um teste, o Presidente disse-lhes: “De tudo o que fiz na minha vida, do que mais me orgulho é em ser vosso pai”. 

A apenas alguns dias de deixar a Sala Oval da Casa Branca, o Presidente despede-se como um dos mais populares em fim de mandato. Segundo uma sondagem da Associated Press/NORC, Barack Obama é visto de forma favorável por 57 por cento dos norte-americanos, uma percentagem semelhante à de Bill Clinton, quando deixou o poder.
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