Mundo divide-se no adeus a Fidel Castro

por Graça Andrade Ramos - RTP
Fidel Castro a 09 de junho de 2006 em Havana, Cuba Alejandro Ernesto - EPA

"El Comandante" era o símbolo de uma era. Esta é a praticamente a única reação que recolhe unanimidade nas reações à morte de Fidel Castro. Há quem o chore "como a um irmão". Há quem reaja com pouco mais do que um encolher de ombros. E há quem considere ser chegado o momento de levantar o embargo imposto a Cuba. A morte de Fidel Castro obriga o mundo inteiro a uma reflexão.

A morte de Fidel Castro foi anunciada pelo seu irmão, Raúl Castro. O líder cubano faleceu com 90 anos, a 25 de novembro às 22h29 locais (03h29 de sábado em Portugal).

Nos Estados Unidos, a comunidade cubana na Florida festejou com foguetes e batuques de tachos e tambores, gritando "Cuba livre!" e "liberdade, liberdade" .

Em Havana, os cubanos ficaram em choque.

Já os principais jornais norte-americanos espelharam a ambiguidade das reações. Fidel tanto "atormentou" 11 Presidentes e colocou o mundo à beira da guerra nuclear (New York Times) como foi um "ícone revolucionário" (Los Angeles Times) e um "líder repressivo" (Washington Post).

O Washington Post foi ouvir três senadores dos Estados Unidos descendentes de cubanos, para quem Cuba irá ter muita dificuldade em livrar-se do legado de Fidel.

O El País publicou a vida de Fidel em imagens. O Político publicou apenas 11, mas escolheu-as a dedo. A agência Associated Press lembrou citações de Fidel.


A Antena 1 pôs o dedo na ferida: Fidel Castro, amado por uns e odiado por outros.

E a britânica Sky faz a pergunta central: Fidel Castro: Libertador ou Ditador cruel?

Presidentes opostos
Barack Obama, o Presidente americano que mais lutou para normalizar as relações do seu país com a Cuba de Fidel, emitiu um comunicado no qual enviou condolências à família.

"Neste momento do falecimento de Fidel Castro, estendemos a mão da amizade ao povo cubano", afirmou Obama. "A História registará e julgará o enorme impacto desta figura singular no povo e no mundo à sua volta".

O Presidente americano ao lado do Presidente cubano Raúl Castro em Havan a assistir a um jogo de baseball em março de 2016 Foto: Reuters

Obama lembrou que "trabalhou duramente" para "por o passado para trás de nós" e trabalhar num futuro baseado no que existia em comum, virando a página de meio século de "discórdia e de profundos desacordos políticos".

Já o Presidente eleito dos EUA, Donal Trump reagiu a princípio com uma simples frase na rede social Twitter: "Fidel Castro está morto".


Horas depois, em comunicado, referiu-se a Fidel Castro como "um ditador brutal que oprimiu o seu povo". Prometeu ainda fazer "tudo" para contribuir para a "liberdade" do povo cubano, sem referir os esforços do seu antecessor na Casa Branca.

"Apesar das tragédias, mortes e dor causadas por Fidel Castro não possam ser apagadas, a nossa Administração fará tudo o que poder para garantir que o povo cubano possa finalmente iniciar a sua jornadas em direção a prosperidade e liberdade", prometeu o comunicado de Trump.

"Enquanto Cuba permanece uma ilha totalitária, é minha esperança que hoje marque um afastamento dos horrores suportados por demasiado tempo ao encontro de um futuro no qual as maravilhosas pessoas cubanas possam finalmente viver na liberdade que tão plenamente merecem" acrescentou o Presidente eleito dos EUA.
Na Europa, as mesmas divisões
Em Madrid, a polícia teve de separar manifestantes que celebravam uns e repudiavam outros, a morte do líder cubano.

Um manifestante anti-Castro é esmurrado em Madrid por um apoiante do líder cubano horas depois do anúncio da morte deste últimos foto: Reuters

Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, emitiu um comunicado referindo que com a morte de Fidel o mundo perdia "um homem que foi um herói para muitos". Horas depois, a comissária de Comércio da União Europeia (UE), Cecília Malmström, afirmou-se surpreendida pelas homenagens que lhe têm sido prestadas.

"Fidel Castro foi um ditador que oprimiu o seu povo durante 50 anos. Estranho ouvir todas as homenagens nas notícias de hoje", disse a comissária sueca na sua conta na rede social Twitter.

Já o primeiro ministro da Eslováquia, Robert Fico, cujo país detém a presidência da União Europeia, lembrou que "Cuba nunca ameaçou ninguém e quer apenas viver a sua própria vida. São muitos os que de qualquer forma odiaram e que continuam a odiar Cuba pela sua coragem".

O Presidente francês François Hollande apelou ao fim ao embargo a Cuba, para que o país possa ser acolhido "plenamente" na comunidade internacional. Sobre Fidel, "ator da Guerra Fria", Hollande disse que "encarnava a revolução cubana, nas esperanças que ela suscitou e depois nas desilusões que provocou".

Mariano Rajoy, líder do Governo de Espanha, disse num tweet que Fidel tinha "uma estatura histórica" e mencionou depois em comunicado o seu impacto para Cuba e a sua "grande influência" para a região.

O primeiro ministro belga, Charles Michel, disse que se "virou uma página importante da historia política mundial" considerando a morte de Fidel como "um fim definitivo da Guerra Fria que tanto dividiu os povos no século passado".

Alexis Tsipras, o primeiro ministro grego da esquerda radical, retweetou uma mensagem do seu partido, Syriza, para quem "a historia deu razão a Fidel Castro". "Adeus comandante - até à vitória para sempre dos povos", despediu-se Tsipras.
Amigo e resistente
Nos países onde a influência comunista se mantém ou onde se manifestou durante décadas, a reação foi mais unânime.

"Este homem de Estado merece justamente ser considerado um símbolo de uma época da História moderna do mundo", declarou o presidente russo, Vladimir Putin, para quem Fidel era "um amigo sincero e fiável da Rússia".

Em 19 de fevereiro de 2008, o Presidente russo Mikhail Gorbatchov e o Presidente cubano Fidel Castro, assinaram tratados em Havana Foto: Reuters

Mikahïl Gorbatchev, o ultimo líder da URSS, sublinhou a resistência do "Comandante". "Fidel resistiu e fortaleceu o seu país durante o bloqueio americano mais duro, quando havia uma pressão monumental sobre ele e pode levar o seu país pela via do desenvolvimento independente"

"O camarada Castro viverá eternamente", garantiu por seu lado o Presidente chinês Xi Jinping e secretário-geral do Partido Comunista chinês, numa mensagem lida na televisão. Já a gência de notícias chinesa destaca a tristeza do argentino jogador de futebol Maradona que perdeu o seu "segundo pai".

O Presidente do Nepal, Bidya Devi Bhandari, e o seu primeiro-ministro Pushpa Kamal Dahal 'prachanda', sublinharam por seu lado a "integridade" de Fidel Castro, "campeão da causa do povo".

Para a imprensa oficial do Vietaname comunista, Fidel Castro foi "um grande dirigente" que foi o "espelho brilhante dos movimentos de independência e revolucionários das nações da América latina e do mundo".


Tristeza e apelo
Nalguns países da América a morte de Fidel foi especialmente lamentada.

No Brasil, o ex-Presidente Lula da Silva, chorou a morte como "a perda de um irmão mais velho". "Para os povos do nosso continente e os trabalhadores dos países mais pobres, especialmente para os homens e mulheres da minha geração, Fidel Castro foi sempre uma voz de luta e esperança", escreveu Lula na sua conta da rede social Twitter.

Lula da Silva com Fidel Castro em Havana a 22 de setembro de 2003 Foto: EPA

A sua sucessora, Dilma Rousseff referiu por seu lado Fidel Castro como "um visionário que acreditava na construção de uma sociedade fraterna e justa, sem fome, nem exploração, numa América Latina unida e forte".

Evo Morales, o Presidente da Bolícia, inflamou-se, considerando Fidel Castro um "gigante da História" que defendeu a "dignidade dos povos do mundo", exprimindo a sua "admiração" pelo ex-chefe de Estado cubano.

"Todos os revolucionários do mundo, devemos prosseguir a sua herança e retomar o facho da independência, do socialismo, da pátria humana", apelou por seu lado na rede social Twitter o presidente da Venezuela, Nicolas Maduro.

Também o primeiro ministro canadiano Justin Trudeau partilhou a sua "tristeza" depois da morte de Castro, "um amigo de longa data" do seu país e da sua família.
Icónico
Em África, o Presidente angolano José Eduardo dos Santos, ficou "profundamente consternado" com a notícia e considerou depois Fidel como "figura ímpar de transcendente importância histórica", destacando o seu papel "em prol da liberdade, justiça social e desenvolvimento dos povos".

A notícia da morte de Fidel Castro nos escaparates mexicanos a 26 de novembro de 2016 Foto: Reuters

Santos sublinhou a ainda "inesquecível contribuição" de Cuba e da liderança de Fidel Castro, "na defesa e manutenção da soberania e integridade territorial de Angola, na resistência à agressão do então regime racista sul-africano".

Jacob Zuma refletiu que Fidel Castro se "identificou com a nossa luta contra o apartheid".

O Irão reagiu através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, referindo Fidel como "uma personalidade única que combateu contra o colonialismo e a exploração". Foi "um modelo das lutas pela independência das nações oprimidas", afirmou Mohammad Javad Zarif, citado pela agência de notícias Fars.

Rodrigo Duterte, Presidente filipino que se tem vindo a afastar da influência norte-americana, Fidel Castro foi ilustre ao "levantar-se contra o Ocidente e o imperialismo".

Fidel foi "uma das personalidades mais icónicas do século XX", comentou por seu lado do primeiro ministro da Índia, Narendra Modi.

O Papa-emérito Bento XVI num encontro com Fidel Castro em março de 2012. A diplomacia da Igreja Católica foi instrumental na aproximação entre Cuba e os EUA após décadas de crispação, abrindo caminho ao fim do isolamente da ilha Foto: Reuters
O Papa Francisco manifestou pesar pela morte do líder cubano e prometeu rezar por ele, enviando condolências ao irmão, Raúl Castro.

"Ao mesmo tempo, ofereço preces ao Senhor pelo seu descanso e confio a todo o povo cubano a materna intervenção de Nuestra Señora de la Caridad del Cobre, padroeira desse país", acrescentou o papa Francisco num telegrama enviado a Havana.

O funeral de Fidel Castro está marcado para dia 04 de dezembro, após nove dias de luto.

Com agências
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