Ondas de choque do "Brexit" na Europa - a síntese do dia

por Christopher Marques - RTP
Toby Melville - Reuters

O Reino Unido decidiu sair da União Europeia. A decisão está tomada, atingiu os mercados e os pilares da construção europeia. As réplicas do sismo chegam às comunidades migratórias, à economia e ameaça a configuração do Reino Unido. Pedem-se mais referendos, pede-se independência e teme-se o futuro depois de um dia que ameaça fixar-se nos compêndios da história contemporânea.

“Está tudo num grande impasse. Não se sabe bem o caminho que o Reino Unido vai seguir”. A frase é de António Ramos, gerente de um café português em Londres. Poderia ser de muitos outros para quem o sentimento é semelhante. Entre eles há portugueses a viver no Reino Unido, britânicos a viver em Portugal, defensores da permanência britânica na construção europeia e dirigentes europeus.

Tal como muitos, António Ramos deitou-se convicto que o “Stay” ganharia o referendo. Acordou em choque com a vitória do “Leave”. Um resultado que provoca um verdadeiro terramoto na União Europeia, que agora se prepara para ficar sem um dos seus principais membros. Um Estado que entrou em 1973 mas que sempre beneficiou de um estatuto especial.

Reportagem de Ana Romeu, Paula Meira - RTP

Ficou de fora do euro, de fora do espaço Schengen. Em fevereiro, o Reino Unido tinha obtido novas cláusulas de exceção. Para o eleitorado britânico não terá sido suficiente: 17.410.742 pessoas votaram a favor da saída da União Europeia, contra 16.141.241 votos pela permanência. Ou seja, 48,1 por cento do eleitorado votou pela permanência, 51,9 por cento pela saída.

A decisão não agrada a muitos britânicos, nem agrada à Europa. No entanto, reina nas declarações o espírito democrático e de respeito pela vontade popular. Está decidido, está decidido. Prepara-se agora a saída do Reino Unido da União Europeia.

O Governo britânico tem agora de invocar o artigo 50º do Tratado de Lisboa, que prevê a possibilidade de qualquer Estado sair de forma voluntária e unilateral da União. Os termos da saída terão de ser negociados com o Conselho Europeu e posteriormente aprovados pelo Parlamento. O processo não deverá demorar mais de dois anos.
Sequelas do terramoto
Antes mesmo de Londres oficializar o pedido de saída da União Europeia, o resultado do referendo começou logo a fazer estragos. O primeiro-ministro David Cameron anunciou logo de manhã a sua demissão, que será efetiva a partir de outubro.

Se se teme que o processo marque o princípio da desintegração europeia, o Brexit apresenta-se também como um potencial princípio da desintegração britânica. O Reino Unido poderá perder a Irlanda do Norte e a Escócia.

Reportagem de João Botas e Paulo Nunes - RTP

Nestas duas nações, o “Remain” venceu o referendo, não havendo vontade de abandonar o projeto comunitário. Na Escócia, 62 por cento dos votos foram a favor da permanência na União Europeia e um novo referendo à independência ganha forma.

Os escoceses tinham já ido a referendo há dois anos mas, na altura, optaram pela permanência no Reino Unido, muito por causa da vontade de continuarem na União Europeia. Com a mudança no tabuleiro de jogo, a primeira-ministra escocesa admite uma nova consulta popular.

O cenário é semelhante na Irlanda do Norte. A maioria votou a favor da permanência na União Europeia e abre-se agora a porta a uma unificação com a República da Irlanda, por forma a manter-se dentro do espaço europeu. Também em Londres ganhou o "Remain". Nas redes sociais, um movimento pede mesmo a independência da capital britânica em relação ao Reino Unido.

Se há quem procure formas de ficar, há também quem procure desencadear um efeito dominó. Em França, Holanda, Suécia, Itália e Dinamarca surgem vozes a pedir a convocação de referendos à permanência na União Europeia. Na Turquia, país que não faz parte da União mas que tenta aderir há décadas, pede-se também uma consulta popular para decidir se as negociações devem ou não continuar.
Sexta-feira negra
A incerteza pairava e confirmou-se o pior cenário. Na noite de quinta-feira, os mercados pareciam acreditar que o Reino Unido tinha votado pela manutenção. Contados os resultados, a queda nos mercados propagou-se naquela que foi uma verdadeira sexta-feira negra.

A praça portuguesa fechou a cair quase sete por cento. As empresas cotadas na bolsa desvalorizaram mais de três mil milhões de euros, com o BCP a liderar as perdas. No resto da Europa, a maré vermelha foi especialmente forte em Milão e Madrid, que caíram mais de 12%.

Reportagem de Marina Conceição, Fernanda Fernandes, Luís Côrte-Real e Pedro Pessoa - RTP

A bolsa francesa perdeu mais de oito por cento, enquanto Frankfurt desvalorizou 6,82 por cento. A bolsa que menos perdeu até foi a inglesa, com a praça londrina a desvalorizar 2,76 por cento.

Para a queda menos expressiva do índice britânico contribuiu a rápida ação do Banco de Inglaterra. A instituição apressou-se a anunciar uma injeção de liquidez extraordinária de 250 mil milhões de libras, cerca de 326 mil milhões de euros nos bancos ingleses.

O Banco Central Europeu e a reserva federal norte-americana também já se mostraram disponíveis para tomar mais medidas e aumentar a liquidez, se for necessário.

O resultado do referendo motivou ainda uma forte desvalorização da libra em relação ao dólar e ao euro, tendo a moeda britânica atingido mínimos de 31 anos. O Brexit afeta ainda as taxas de juro da dívida portuguesa a dez anos que chegaram a ultrapassar os 3,5 por cento – um máximo desde julho de 2013.
O mundo reage
Contados os votos, multiplicaram-se as reações à decisão do povo britânico. Os presidentes das instituições europeias quiseram transmitir uma mensagem de serenidade depois da decisão do Reino Unido.

Apesar de não esconderem que este é um momento difícil para a União, expressam confiança no futuro. Jean-Claude Juncker disse já que as negociações devem começar imediatamente, não encontrando motivos para esperar por outubro.

Na próxima semana, Bruxelas é o palco do mundo com a reunião dos chefes de Estado e de Governo dos países da União Europeia. Uma reunião da qual o Reino Unido ficará de fora.

David Cameron deverá apenas apresentar-se no princípio dos trabalhos, para comunicar a decisão do povo britânico aos seus ainda parceiros.

Ainda antes das reuniões a 27, o eixo franco-alemão alinha-se na busca por soluções. Angela Merkel admite que este é um duro golpe para a União Europeia e convocou uma reunião de emergência entre países fundadores.

Reportagem de António Nabo e Sara Cravina - RTP

Pelo continente multiplicam-se os lamentos pela saída do reino, com os líderes europeus a defender que é preciso um novo olhar para com o projeto comunitário.
Reações lusas
Em Portugal, os protagonistas políticos também já reagiram. Marcelo Rebelo de Sousa lamenta a saída do Reino Unido, mas sublinha que é preciso respeitar a decisão.

O Presidente da República entende que a Europa tem de dar "uma resposta rápida, coesa e unida". Já António Costa defende que Bruxelas deve repensar as prioridades europeias e não falar em desintegração.

Reportagem de Sérgio Vicente e Sara Cravina - RTP

Por sua vez, todos os partidos portugueses concordam que este é um dia histórico para a Europa, mas olham para a saída do Reino Unido de maneira diferente. PS, Bloco de Esquerda e PCP criticam a postura de Bruxelas dos últimos anos.

O CDS-PP acredita que Portugal pode dar um exemplo de tranquilidade. Já Passos Coelho considera que o Governo tem a responsabilidade de proteger Portugal das consequências da saída britânica.
Nós lá e eles cá
Os portugueses que residem no Reino Unido mostram-se preocupados com o resultado do referendo. Muitos deitaram-se a acreditar que o voto ia no sentido de manter o pais na União Europeia mas acordaram com a notícia de que, afinal, o Reino estava de saída.

Ouvidos pela equipa da RTP em Londres, os emigrantes temem ter de regressar a Portugal. Há choque e apreensão, não sendo claro o caminho a seguir. O Governo aconselha os emigrantes lusos a solicitarem a residência permanente e, caso preencham os requisitos, a dupla nacionalidade.

Reportagem de José Rodrigues dos Santos e Paulo Lourenço - RTP

A preocupação é dos portugueses no Reino Unido mas também dos britânicos em Portugal. Muitos estão em choque e quase todos com dúvidas quanto ao futuro. Em Santa Bárbara de Nexe, no Algarve, Julie abriu esta sexta-feira o seu café como faz todos os dias. Mas nem tudo estava igual.

“Eu sou residente em Portugal, tenho um negócio, casa, não sei o que vai acontecer, vamos perder a residência?”, questiona. As suas dúvidas são semelhantes aos de mais de 40 mil britânicos que vivem e trabalham em Portugal, a grande maioria no Algarve. Mas há também quem concorde com a saída do Reino Unido.

Reportagem de Filipa Simas, Nuno Sabino, Sara Cravina - RTP

O impasse e as dúvidas partem das duas comunidades, não sendo certo como será a vida a partir de agora, nem as relações entre o Reino Unido e os 27. Os discursos são de serenidade e calma, mas a incerteza paira e só as negociações poderão desenhar o futuro enquadramento das relações britânicas com a comunidade europeia.

Em relação a Portugal, a embaixadora do Reino Unido em Lisboa recorre à história para acalmar os ânimos: “Nós temos a aliança mais antiga do mundo e seja o que for vai continuar". O futuro o dirá.
Tópicos
pub