Papa Francisco declara-se favorável à laicidade do Estado

por RTP
Stefano Rellandini, reuters

O papa argentino surpreendeu no Rio de Janeiro ao admitir que um modelo de Estado laico é benéfico para a "convivência pacífica entre as diferentes religiões". Várias outras afirmações do papa também se destacaram pelo tom de reprimenda a uma hierarquia eclesiástica acomodada, que em especial no Brasil tem assistido ao constante êxodo dos fiéis para outras igrejas.

A reivindicação da laicidade do Estado foi durante muitos anos considerada como marca de água de uma cultura jacobina e anticlerical. Em Portugal, a título de exemplo, a Primeira República foi sempre acusada de ter separado a Igreja e o Estado, ao arrepio de sentimentos populares supostamente arreigados no país mais profundo. O papa, qualquer papa, seria portanto a última figura de quem pudesse esperar-se um aplauso para a ideia do Estado laico.
O seu a seu dono entre Deus e CésarE, no entanto, foi mesmo isso que ontem afirmou Jorge Mario Bergoglio numa das suas intervenções públicas no Rio de Janeiro: "A convivência pacífica entre as diferentes religiões vê-se beneficiada pela laicidade do Estado, que, sem assumir como sua nenhuma posição confessional, respeita e valoriza a presença do factor religioso na sociedade".

Esta visão não implica, contudo, que a Igreja deixe de pronunciar-se sobre a política, como ficou claro no remoque lançado pelo papa aos ventos dominantes na política actual: "O futuro exige-nos uma visão humanista da economia e uma política que consiga cada vez mais e melhor participação das pessoas, que evite o elitismo e erradique a pobreza. Que a ninguém falte o necessário e que a todos se assegure a dignidade, fraternidade e solidariedade".
Admoestação aos bisposEm sentido inverso, também a Igreja terá de contar com os olhares críticos da política sobre si própria, como instituição e cultura. Mas o papa não parece disposto a esperar passivamente que essa crítica chegue de fora e lançou igualmente um remoque aos seus bispos: "Por vezes perdemos os que não nos entendem porque olvidámos a simplicidade (...) Talvez a Igreja se tenha mostrado demasiado distante das suas necessidades, demasiado fria para com eles, demasiado centrada em si própria, prisioneira da sua própria linguagem rígida; talvez o mundo pareça ter convertido a Igreja numa relíquia do passado".

Para não deixar dúvidas sobre os destinatários desta parte da mensagem, Bergoglio lançou: "Que me perdoem os bispos e padres, mas a Igreja tem de mudar"
Declarações de intenção ou programa concreto?Sobre o sentido concreto dessa mudança ficam contudo questões essenciais por esclarecer. Uma, é a da atitude a adoptar pela Igreja relativamente às investigações sobre o abuso sexual de menores por parte de membros do clero. O papa Francisco, que deu sinal de um desejo de maior transparência nesse dossier, viu-se por outro lado desafiado a suspender a canonização de João Paulo II, até se apurar exactamente quanto este ajudou ou obstruiu essas mesmas investigações. E a sua resposta sobre esse pedido de suspensão, proveniente sobretudo de católicos mexicanos, continua a aguardar-se.

Por outro lado, Francisco lançou no Rio de Janeiro um outro apelo inesperado: "Não reduzamos o compromisso das mulheres na Igreja, promovamos sim a sua participação activa na comunidade eclesiástica. Se perder as mulheres, a Igreja expõe-se à esterilidade". Mas este apelo é ainda uma declaração de intenções, vaga para o gosto de quem dentro da Igreja católica reclama a possibilidade de as mulheres poderem ser ordenadas vigárias de Cristo.
Tópicos
pub