Rajoy cumpre calendário em discurso que abre investidura ameaçada de fracasso

por Christopher Marques - RTP

É uma Espanha ainda sem Governo - e sem expetativa de o ter em breve - aquela que assistiu esta terça-feira ao discurso de Mariano Rajoy. No início de um debate de investidura condenado ao fracasso, Mariano Rajoy defendeu ser a única alternativa para que o país vizinho, ao fim de oito meses, volte a ter Governo.

A convicção é apresentada depois de ter sido assinado o pacto com o Ciudadanos e a Coligação Canárias, o que lhe garante o apoio de 170 deputados. Um número ainda insuficiente: precisaria de 176 votos favoráveis para receber luz verde do Parlamento na votação de quarta-feira.

Perante os deputados, Mariano Rajoy discursou durante uma hora e 27 minutos, apelando à unidade e pedindo à oposição para que viabilize um Executivo. “Sozinho não posso dar aquilo que acredito que os espanhóis precisam”, afirmou.
"Um governo com urgência"

O Presidente do Governo em funções afirmou que aceitou submeter-se à sessão de investidura porque acredita não existir uma alternativa melhor para Espanha. O líder dos conservadores apresentou três motivos.


“Espanha precisa de um governo com urgência, os espanhóis afirmaram com clareza a sua preferência pelo Partido Popular e, em terceiro lugar, não existe uma alternativa razoável”, sublinha.“Dificilmente me ocorre um dano maior para a democracia espanhola do que dizer aos cidadãos que o seu voto foi inútil em duas ocasiões e que terão de ser repetidas as eleições gerais pela terceira vez”

Para o líder do Partido Popular, a sua proposta é a única que dá a Espanha “um governo moderado que não seja uma aventura de radicalismos, ineficácia e incerteza”.

A luz verde ao Executivo de Rajoy permitiria evitar uma terceira ida às urnas, um fantasma que persiste no país.

“Dificilmente me ocorre um dano maior para a democracia espanhola do que dizer aos cidadãos que o seu voto foi inútil em duas ocasiões e que terão de ser repetidas as eleições gerais pela terceira vez”, afirma.

Na busca pela confiança do Parlamento, Rajoy apontou que Espanha vive uma “situação excecional”, pedindo que não haja um “bloqueio”

Perante os deputados, Mariano Rajoy recordou os sacrifícios pelos quais passaram os espanhóis em tempo de crise e afirma que a ausência de estabilidade pode colocar em causa os acordos estabelecidos com a União Europeia.

O líder espanhol recordou que Madrid viu alargado o prazo para cumprimento das metas do défice, tendo agora até 2018 para cumprir a fasquia dos três por cento.

No discurso, o governante defendeu ainda que a superação da crise em Espanha é uma “história de sucesso reconhecida e admirada” internacionalmente.
Mensagens para Barcelona

O líder conservador abordou ainda temas como a corrupção e o independentismo catalão. Rajoy garantiu que a luta contra a corrupção é uma prioridade, tendo garantido que a o país está “mais transparente do que nunca”.

Pretendendo manter-se como presidente do Governo espanhol, Mariano Rajoy dedicou parte considerável do discurso às pretensões independentistas catalães. O líder dos populares sublinhou a necessidade de se “preservar a soberania nacional e com ela a unidade de Espanha”.

Afirmando que a Catalunha é “muito mais que os políticos independentistas”, Rajoy justificou a sua oposição à “ânsia insatisfeita e desatendida” de Barcelona por esta “carecer de fundamento”.

“O que alguns semeiam é a liquidação da soberania nacional e do respeito pela lei. Falamos de direitos dos espanhóis e ninguém pode impedir o conjunto do povo espanhol de decidir sobre o seu futuro. O Governo não tem de interpretar a unidade, tem de defendê-la”, frisou.
Investidura fracassada

O discurso foi longo mas apresenta-se insuficiente e incapaz de mudar a realidade atual espanhola: não é credível que Mariano Rajoy receba luz verde do Parlamento, nem na primeira nem na segunda votação.

As reações às palavras do líder conservadora foram tudo menos simpáticas. Fala-se de um “discurso de funeral”, “aborrecido”, prova de “impotência e incapacidade”. Mesmo do Ciudadanos surgiram críticas. "Se não pões a energia necessária para que te invistam, ninguém a vai por por ti. Se não se acredita, quem vai acreditar?”

O líder parlamentar do agora aliado apontou que se tratou de “uma intervenção correta”, mas lamentou que não tenha sido feita qualquer referência ao PSOE.

“Para lá das questões de estilo, isto pode mostrar uma certa falta de fé que não percebemos. Se não pões a energia necessária para que te invistam, ninguém a vai por por ti. Se não se acredita, quem vai acreditar?”, afirma Juan Carlos Girauta, citado por El País.

Os socialistas mantêm que não irão viabilizar a investidura de Mariano Rajoy. “Foi o discurso de um burocrata que vem ler um papel, um burocrata que sabe que não tem qualquer papel a desempenhar na Espanha do século XXI”, frisou o líder parlamentar socialista.

O Podemos participa também nas críticas: fala num discurso “medíocre” e “de chantagem”.
Terceiras eleições?
Para voltar a ser Presidente do Governo em plenitude de funções, Mariano Rajoy precisa do voto favorável de mais de metade dos deputados.

Pelo menos 176 parlamentares teriam de votar favoravelmente, sendo que, mesmo com o acordo assinado com o Ciudadanos e a Coligação Canárias, conta apenas com 170 parlamentares.

Na segunda votação, prevista para sexta-feira, as metas alteram-se mas deverá manter-se o resultado final. Bastaria uma maioria relativa, ou seja, que o número de votos favoráveis fosse superior ao de votos desfavoráveis.

Mas a oposição fecha as portas a abstenção e Mariano Rajoy deverá mesmo falhar a investidura, tornando uma nova repetição das eleições gerais mais provável mas não certa. "Foi o discurso de um burocrata que vem ler um papel, um burocrata que sabe que não tem qualquer papel a desempenhar na Espanha do século XXI".

Caso o candidato a Presidente do governo não mereça a confiança do Parlamento, a Constituição prevê um período de dois meses para que esse ou outro candidato se volte a apresentar.

O diário El Mundo dá conta de que os populares acreditam que, depois das eleições regionais no País Basco e na Galiza, o tabuleiro político poderá mudar e ser-lhe mais favorável.

Em causa, uma eventual mudança de posição por parte do Partido Nacionalista Basco, que atualmente se opõe à investidura. O resultado nas eleições regionais poderia também motivar o PSOE a repensar a estratégia e viabilizar uma nova investidura de Mariano Rajoy.
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