Timor "conseguiu fazer qualquer coisa" com independência

por Lusa

Lisboa, 24 nov (Lusa) -- O jornalista inglês Max Stahl considera que, apesar dos "graves" problemas que persistem, Timor-Leste "conseguiu fazer qualquer coisa" nos poucos anos que leva de independência e, sobretudo, alcançou a paz, algo difícil noutros jovens países.

Em entrevista à Lusa, Max Stahl, o jornalista que filmou e divulgou o massacre de Santa Cruz -- em 1991, quando o exército indonésio abriu fogo sobre a população, matando 271 pessoas no local e outras 127 que viriam a morrer nos dias seguintes --, diz que se mantém umbilicalmente ligado a Timor-Leste, onde fundou um centro audiovisual para documentar o nascimento da nação timorense.

Max Stahl está agora a preparar um documentário sobre os 500 anos da convivência entre Portugal e Timor-Leste, que se assinalam este ano.

"São cinco séculos de desafios e problemas, às vezes de guerras, mas também de uma convivência cultural e de valores", refere o jornalista, recordando que, no final de contas, a resistência timorense escolheu usar a língua portuguesa contra a ocupação indonésia.

Sobre a atual situação em Timor-Leste, o jornalista diz que "o povo agora está a resolver problemas como qualquer outro país jovem", enumerando problemas económicos, de educação e de língua e assinalando que as instituições "ainda não funcionam" como deviam.

"Apesar disso tudo, e são problemas muito graves e muito grandes para resolver, acho que Timor conseguiu fazer qualquer coisa" desde a independência da Indonésia, que ocupou o território em 1975, depois da saída dos portugueses.

"Agora há paz", evidencia Max Stahl, sublinhando que não se pode dizer o mesmo "na maioria" dos países com tão poucos anos de independência.

Reconhecendo que, há uns anos, "quase houve guerra civil", o jornalista não vê agora razões para preocupação. Claro que "sempre existe algum risco", mas "o risco que se via há sete anos" está "distante", pois "o povo conseguiu resolver a crise social e política", procurando "um acordo real, que agora está a dar frutos", observa.

Ao mesmo tempo, "a política está a mudar", fazendo a transição de poder dos que lutaram pela independência "para os filhos ou mesmo netos". O país está "a mudar da lógica pós-guerra para a lógica da democracia", por sua "própria iniciativa" e não por uma ideia imposta de fora, sublinha.

Neste cenário, considera, Xanana Gusmão continua a ser "a figura consensual" em Timor. Max Stahl assume o fascínio pela figura do histórico líder da resistência, que se tornou no primeiro chefe de Estado da nação independente e depois governou o país, como primeiro-ministro, entre 2007 e fevereiro deste ano.

O jornalista atribui-lhe a responsabilidade pelo atual governo de unidade nacional, dirigido por Rui de Araújo, iniciativa com que pretendeu "evitar o vácuo político" com a sua saída de cena.

"Não há outra pessoa que podia ter feito isso", considera.

"Xanana é uma figura histórica em Timor-Leste e mostrou-se (...) um visionário, estrategicamente", considera Max Stahl, recordando ter ficado impressionado, nas cartas que aquele lhe escreveu enquanto líder da resistência, com a sua maneira de pensar.

"[Xanana procurou] ouvir, encorajar, convencer, incluir os inimigos, os amigos, os colegas, todos. E continua assim, não mudou. Agora, nem sempre consegue. Não é, provavelmente, a pessoa mais indicada como gestor. Não tem experiência desse tipo de gestão institucional de que qualquer país precisa. Não é burocrata, nunca foi", descreve.

Realçando que "os líderes da resistência [timorense] estudaram muito bem o que aconteceu nos outros países de língua portuguesa", para não cometerem os mesmos erros, o jornalista diz que "a vitória" de um povo "isolado e abandonado" sobre uma força de ocupação "esmagadora" marcou o século XX e continua a ser "uma inspiração".

Max Stahl reconhece que, no início, lhe pareceu "muito difícil" que Timor conquistasse efetivamente a independência. Mas encontrou "o poder da convicção simples de um povo que rejeitou a hipocrisia internacional", que lhe dava um direito, na teoria, mas afastava essa hipótese, na prática. "Eles recusaram-se a aceitar isso", lembra.

Depois de, durante muitos anos, ter andado "à procura de ambulâncias, de guerras, de mortos, de tragédias", Max Stahl quis "ver o que acontecia depois" -- foi assim que foi ficando em Timor-Leste.

"Sempre pensei que o dever de um jornalista, como qualquer outro ser humano, é tratar de dizer a verdade. Se as pessoas oprimidas não têm meios e não têm voz, é dever de um jornalista tratar de dar essa voz", sustenta.

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