Timor-Leste força Austrália a ir a Haia para discutir fronteiras marítimas

por Christopher Marques - RTP
Em março, uma manifestação a favor da delimitação das fronteiras marítimas entre Timor-Leste e a Austrália realizou-se junto à embaixada australiana em Dili. Lirio da Fonseca - Reuters

Catorze anos depois da independência, mantém-se o conflito quanto à delimitação do território de Timor-Leste. Em causa estão as fronteiras marítimas numa zona abundante em petróleo. O conflito é com a Austrália e foi levado às Nações Unidas pelo executivo timorense. O Governo de Camberra recusa negociar e acusa Dili de má vizinhança.

A luta pela definição das fronteiras de Timor-Leste continua e chegou agora a Haia. Abriu esta segunda-feira a Comissão de Conciliação solicitada pelo Governo de Dili para tentar forçar a Austrália a negociar a delimitação das fronteiras marítimas entre os dois países.

O Governo de Camberra tem recusado negociar fronteiras com Timor-Leste, insistindo que os acordos previamente assinados continuam em vigor. Dili não concorda. O ex-presidente Xanana Gusmão, atual ministro do Planeamento e Desenvolvimento Estratégico, garante que o acordo assinado em 2002 era temporário e que foi realizado numa altura conturbada para Timor-Leste.

“Timor não tinha nada, as nossas pessoas tinham sido massacradas, mais de 90 por cento da nossa infraestrutura foi queimada. Não tínhamos dinheiro e éramos obrigados a cada seis meses a pedir esmola à comunidade internacional para os serviços mais básicos”, afirmou na sessão de abertura da Comissão de Conciliação.
Austrália espiou durante negociações

Em 2002, Timor Leste assinou com a Austrália o Tratado do Mar de Timor, que previa que 90 por cento das receitas provenientes da exploração conjunta fossem entregues a Dili. Em 2006 foi assinado um novo tratado: o Tratado sobre Certos Ajustes no Mar de Timor (Certain Maritime Arrangements in the Timor Sea – CMATS).

Este prevê que seja adiada por 50 anos a definição das fronteiras marítimas entre Timor Leste e a Austrália, com Timor Leste a ficar com 90 por cento das receitas provenientes da exploração de petróleo na região. Dili contesta agora este acordo, depois de se ter descoberto que Camberra estava a espiar os gabinetes do Governo timorense enquanto decorriam as negociações.

“Não sabíamos na altura que, sob cobertura de ajuda humanitária, Camberra instalou equipamento de escuta nos gabinetes do Governo para o espiar durante as negociações desse acordo”, recordou Xanana em Haia.
Austrália contesta processo

A Austrália alega que o acordo está em vigor e critica o facto de Dili ter iniciado um procedimento de conciliação obrigatória para que Camberra seja forçada a negociar fronteiras marítimas permanentes.

“Estamos aqui porque Timor-Leste quer agora um acordo diferente. A comissão não deve ignorar o tratado só porque uma das partes agora quer outra coisa”, afirmou Gary Quinlan, representante da Austrália, na sessão de abertura da comissão.

Camberra alega mesmo que Haia não tem competência para o assunto, uma vez que o procedimento “viola o tratado CMATS de 2006 com base nos quais dois países se comprometeram a não apresentar processos sobre fronteiras”.

A Austrália não aceita os argumentos apresentados por Timor-Leste para questionar a validade do CMATS, afirmando mesmo que foi Timor-Leste quem não quis delimitar fronteiras e priorizar uma “solução criativa”.

Camberra mantém que a comissão não tem jurisdição para tratar este assunto, e garante que qualquer decisão que venha a ser tomada não vinculará o Estado australiano.
Timor admite suspender tratado

Timor-Leste admitiu já que pode avançar com a suspensão unilateral do CMATS. O jurista Vaughan Lowe, um dos elementos que acompanha Dili nesta questão, afirma que este foi “preparado como um acordo temporário, pendente de acordos permanentes”.

Em Haia, Lowe referiu que o principal objetivo deste acordo, assinado em 2006, era o desenvolvimento do poço petrolífero de Sunrise, que nunca se concretizou.

“O CMTS falhou como tratado”, frisou. O jurista insistiu que o tratado iria deixar de ser aplicado em breve, apontando que Dili prefere que o processo seja feito em diálogo com a Austrália.

Na sessão de abertura da comissão, Xanana Gusmão lamentou que a Austrália continue “a virar as costas ao direito internacional”, garantindo que não está em Haia para “pedir favores ou tratamento especial”.

“Viemos para pedir os nossos direitos na lei internacional. Até eu, educado na floresta e na prisão, entendo a justiça básica de sentido comum: a lei dita que a fronteira entre dois países deve ficar a meio caminho entre eles”.
Um mar de riqueza
Também esta segunda-feira, o Governo de Timor apresentou um documento político em que defende a delimitação das fronteiras marítimas.

O executivo de Rui Maria de Araújo considera que este é um passo final para a soberania do país, argumentando que a indefinição "cria incerteza", com impactos em setores como a segurança, a pesca e exploração dos demais recursos marítimos.

"Não interessa se existem apenas crocodilos e caranguejos no Mar de Timor-Leste. Para nós, trata-se de uma questão de princípio e de soberania", defende Dili."Não interessa se existem apenas crocodilos e caranguejos no Mar de Timor-Leste. Para nós, trata-se de uma questão de princípio e de soberania"

No entanto, não são apenas "crocodilos" e "caranguejos" que se encontram neste mar que merece, há longos anos, tanto interesse por parte da Austrália. Esta é uma região rica em recursos: petróleo e gás natural.

Timor-Leste argumenta que a fronteira entre os dois países deveria ser uma linha equidistante entre os dois territórios. Uma proposta que colocaria a larga maioria dos recursos naturais sob sua alçada.

Em causa está o controlo de uma área onde se estima estarem mais de 35 mil milhões de euros em petróleo e gás natural.

c/ Lusa
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