Trump sobre a Presidência: "é um cargo esmagador mas não me sinto esmagado"

por Graça Andrade Ramos - RTP
O Presidente-eleito Donald J. Trump cumprimenta a multidão reunida na entrada do <i>New York Times</i> Lucas Jackson - Reuters

Na primeira entrevista à imprensa desde que foi eleito, realizada pelo New York Times, Donald Trump mostrou-se liberal sobre umas questões e intransigente noutras. Hillary Clinton, o aquecimento global e a questão da tortura foram alguns assuntos em que se apresentou mais moderado do que nos últimos meses. Já o apoio de grupos racistas brancos que têm tentado apoderar-se da sua eleição foi rejeitado com firmeza.

O Presidente eleito dos Estados Unidos manteve todas as características pouco convencionais que o tornaram o centro das atenções durante a campanha. Volatilidade foi a característica geral das repostas, refere o New York Times sobre a entrevista ao "homem do momento", de quem todos falam. A entrevista esteve quase para não acontecer. Donald Trump e a direção de informação do New York Times concordaram os termos depois acusaram-se mutuamente de os querer alterar. Finalmente, pelas 16h00 de terça-feira, na sala da administração no 16.º andar do editor Arthur Sulzberger Jr, o Presidente eleito sentou-se e dispôs-se a responder as perguntas dos editores, repórteres e comentadores do jornal.

Sobre o cargo que irá ocupar, Donald Trump mostrou-se confiante mesmo ao admitir sentir-se cheio de assombro. "É um trabalho esmagador mas não me sinto esmagado por ele", garantiu.

Mas muitas das suas respostas revelam uma imensa superficialidade política, refere o corpo editorial do New York Times.

Para a CNN, o Presidente eleito mostrou-se "absolutamente magnânimo" para com os seus inimigos democratas, ao mesmo tempo que se ufanava da vitória.
 
Trump anunciou que desistia de enviar Hillary Clinton, a sua adversária democrata, para a prisão, devido ao caso do uso de uma caixa de correio privada para tratar assuntos de Estado ou pelas formas de financiamento da Fundação Clinton. "Não quero fazer mal aos Clinton, a sério que não quero", afirmou.

Já sobre Barack Obama caiu uma chuva de elogios sobre a forma como ele está a lidar com a transição e sobre a sua personalidade. "Eu não sabia se iria gostar dele. Provavelmente pensei que talvez não fosse mas gostei. Gostei realmente muito de estar com ele", afirmou Trump.
Aquecimento global e waterboarding
O Presidente eleito reconhece agora que algumas das suas promessas de campanha poderão não se realizar já que está a ampliar os seus conhecimentos sobre os dossiers.

Como no caso do aquecimento global: Trump admite recuar na promessa de abandonar o acordo de Paris sobre o clima.

"Estou a acompanhá-lo de muito perto", ar puro e "água cristalina" são vitais, considera. E garantiu ter uma mente aberta quanto ao assunto. Afirmou, ao contrário do que disse na campanha, que agora admite que os seres humanos estarão a contribuir para o aquecimento global. "Penso que há alguma conexão", reconheceu, sem elaborar.

Também sobre a questão da tortura, especificamente sobre a prática de waterboarding, que prometeu recuperar, Trump citou uma conversa com James N. Mattis, um general do corpo de Marines, reformado, que liderou o Comando Central dos Estados Unidos e que o terá feito mudar de ideias.

"Ele disse nunca vi que fosse útil", disse Trump, acrescentando que Mattis preferia sistemas de criação de confiança e de cooperação compensatória com suspeitos de terrorismo: dê-me um pacote de cigarros e umas cervejas e consigo fazer melhor, terão sido as palavras do general.

"Fiquei muito impressionado com a resposta", reconheceu Trump. A tortura, afirmou, "não vai fazer o tipo de diferença que muitas pessoas pensam." O general Mattis está agora a ser "seriamente, seriamente considerado" para o cargo se secretário da Defesa. "Penso que é tempo para um general", disse Trump.



Negócios e Casa Branca
Caracteristicamente, Trump mostrou-se avesso a qualquer embaraço por não separar claramente as águas entre a sua presidência e o seu império empresarial, lembrando que não é legalmente obrigado a fazê-lo. A marca Trump "é certamente mais excitante do que antes" reconheceu, ao mesmo tempo que prometia tentar isolar-se dos negócios e admitia receber os seus sócios empresariais na Casa Branca para fotografias.

O Presidente eleito vai entregar a gestão das empresas aos filhos colocando os interesses dos Estados Unidos acima de tudo, mas recusa vender os ativos, já que na sua maioria são propriedades. Promete ainda resistir à pressão de advogados e críticos que, afirma, pretendem afastá-lo dos filhos enquanto estes gerirem o império. "Por algumas pessoas eu nunca mais via a minha filha Ivanka", disse.

Trump reconhece que os seus negócios foram valorizados pelo facto dele ser Presidente mas afastou sem pestanejar a possibilidade de conflitos de interesses. “A lei está completamente do meu lado”, afirmou.

“O Presidente não pode ter conflitos de interesses”, referiu.

Uma frase que lembrou aos editores da CNN, ferozmente apoiantes de Clinton e opositores de Trump durante a campanha, declarações do Presidente Richard Nixon ao jornalista David Frost de que, por definição, as ações de um Presidente são sempre legais.
A Paz com Kushner
Quanto à polémica levantada pela hipótese de nomear o genro, Jared Kushner, para um cargo na Casa Branca, Trump rejeitou a ideia de se sentir obrigado por leis contra o nepotismo mas disse querer evitar conflitos aparentes. "Ao Presidente dos Estados Unidos é-lhe permitido ter os conflitos que ele ou ela queira, mas não quero fazer isso", disse Trump.

O Presidente eleito avançou a possibilidade de nomear Kushner, um judeu ortodoxo, como enviado especial para a Paz no Médio Oriente. "Poderá ser muito útil" na reconciliação entre israelitas e palestinianos, considerou, referindo que Kushner "seria muito bom nisso" e que "conhece a região".

"Adoraria ser aquele que conseguir a paz entre Israel e os palestinianos", sorriu o magnata. "Muitas pessoas dizem-me, pessoas realmente importantes, que é impossível - não pode ser feito", acrescentou. "Eu discordo. Acho que se pode fazer a Paz". "Tenho razões para acreditar que o posso fazer", rematou.
Síria e Putin, vamos ver
Sobre política externa, Trump foi evasivo. Repetiu que a invasão do Iraque foi "um dos maiores erros da história da nossa nação" e recusou a ideia dos Estados Unidos como ‘obreiro de nações'. Admitiu, sem as revelar, ter ideias "muito firmes", "muito definidas" sobre a forma como resolver o conflito na Síria. "Temos de acabar com aquela loucura", afirmou.

Quanto às relações com o Presidente russo, Vladimir Putin, Trump reconheceu que falou com ele depois de ser eleito, sem dar pormenores, e disse que seria "simpático" se ambos se dessem bem mas recusou falar em reset das relações entre Rússia e Estados Unidos, como fez Hillary Clinton quando era secretária de Estado e antes do esfriamento entre Washington e o Moscovo atingir o ponto mais baixo desde o fim da Guerra Fria.

"Não usaria esse termo depois do que sucedeu".    
"Apaixonados por mim"
Quanto a nova legislações sobre calúnias na - e da - imprensa, o Presidente eleito escusou-se a dar uma resposta específica. "Penso que ficarão felizes", respondeu aos entrevistadores num jornal que ele próprio considerou há meses estar "em declínio".

Desta vez, Trump desfez-se em elogios, chamando ao New York Times "uma grande, grande joia americana, joia mundial", embora dissesse que o jornal foi muito duro com ele durante a campanha.

Além de se demarcar do apoio dos alt-right - grupo que defende a supremacia branca e que tem procurado apoderar-se da vitória eleitoral, algo que o Presidente eleito rejeitou e prometeu até investigar - Trump defendeu Stephen Bannon, o seu estratega da campanha acusado de racismo, dizendo que é "um tipo decente" e que se imaginasse que ele era racista ou alt right, "nem sequer pensaria em contratá-lo". Para Trump, Bannon está a ser mal retratado e "muito injustiçado".

Exultando por ter desafiado as sondagens e as expectativas do próprio partido, Trump gozou com as figuras dos republicanos que recusaram apoiá-lo, gabando-se de ter ajudado muitos a ser eleitos e de se ter vingado de alguns.

Como a senadora Kelly Ayotte de New Hampshire que perdeu o seu lugar a governadora Maggie Hassan e que, alega, "adoraria ter um lugar na administração". "Disse não, obrigado. Ela recusou votar em mim".

Trump mencionou ainda o caso de Joe Heck, representante do Nevada, que vacilou no seu apoio depois da gravação de há 11 anos em que Trump se gabou em linguagem ordinária sobre agarrar mulheres sem o seu consentimento. Na eleição "ele foi ao fundo como um peso", afirmou Trump. "E eu disse-lhe, Off the record, espero que percas'".

Já os líderes dos republicanos no Congresso - o líder da maioria do Senado, Mitch McConnel e House Speaker Paul Ryan, Trump mostrou-se cauteloso.

"Agora, estão apaixonados por mim", diz Trump. "Há quatro semanas não estavam".
A entrevista
Donald Trump demorou 14 dias a falar com a imprensa - o período mais longe para um Presidente eleito em décadas, afirma a CNN.

A entrevista ao New York Times não foi transmitida por nenhum canal, sem áudio ou vídeo do Presidente eleito. Em vez disso, as palavras proferidas por Trump foram publicadas em fgrupos de 140 caracteres, em tweets publicados nas suas contas pelos repórteres do New York Times Maggie Haberman, Mike Grynbaum e Julie Davis.

Uma forma de entrevista apropriada a um Presidente que durante a campanha usou quase continuamente a sua conta Twitter para comunicar tudo o que pensava e o que fazia.

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