Um mês de Donald Trump na Casa Branca

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Kevin Lamarque, Reuters

É difícil eleger a ordem de importância dos assuntos que fizeram a agenda deste mês de Administração Trump, porque o novo Presidente americano tem esse condão de transformar qualquer questão menor numa autêntica bomba atómica: desde a relação com o Kremlin de Putin aos planos do muro para separar os Estados Unidos do México, passando pelas ideias para a NATO ou as diatribes com a loja de roupa que recusou a marca da sua filha Ivanka, era já ele Presidente.

Se começássemos pelo fim teríamos apenas de recuar até sábado, quando Trump inventou um atentado na Suécia. Durante um comício na Florida, o presidente começou a desfiar razões para o seu programa anti-imigração e, a meio, falou do ataque que tinha acontecido na noite anterior na Suécia.

“A Suécia. Quem é que havia de acreditar numa coisa destas? A Suécia”, declarou Trump, naquela que vem sendo uma retórica não apenas enganadora nas suas intenções, mas absoluta. O presidente limita-se a seguir a cartilha que vem sendo estabelecida pela sua equipa já desde a campanha eleitoral: primeiro dizer o que mais lhe convém, segundo atacar a imprensa que inevitavelmente acaba por desmentir esses factos como “imprensa falsa” ou “notícias falsas”.

A equipa de Donald Trump rapidamente percebeu que o seu eleitorado não lê jornais ou vê televisões fora do seu quadro ideológico, pelo que poderia dizer fosse o que fosse, porque essa rede de informação de ultra-direita não o desmentiria. Não terá sido por acaso que durante uma entrevista para a cadeia NBC Kellyane Conway, a conselheira da Casa Branca, inaugurou a expressão “factos alternativos”.

Conway estava a defender o diretor de comunicação e porta-voz da Casa Branca Sean Spicer, que na véspera começara a ser atacado pela imprensa face a uma série de dados que não colavam com a realidade. As conferências de Sean Spicer são tudo menos pacíficas. Mais do que uma comunicação aos media ou um tempo dedicado a dissipar dúvidas dos jornalistas, essas sessões parecem uma extensão dos comícios eleitorais de Trump, que, aliás, já deviam ter acabado. Não parecem terem fim à vista durante os próximos anos.

Kellyanne Conway, Sean Spicer – a estes dois nomes falta juntar Steve Bannon, principal estratega e assessor de Donald Trump. Bannon merecia um artigo único só para si. Digamos apenas que é talvez o cérebro por tudo o que vier a ser produzido por esse organismo chamado Administração Trump. Bannon não surgiu do nada, antes preparou a sua vinda durante pelo menos a última década e meia, no meio cultural e da Hollywood conservadora e da elite da costa Oeste dos Estados Unidos. A passagem pelo Breitbart News – o site de informação que é antes de tudo uma plataforma para a extrema-direita – é apenas mais uma etapa nessa caminhada que chegou em 2017 à Casa Branca.
Flynn e as promessas ao Kremlin
Depois dos oito anos de Barack Obama na Casa Branca, 30 dias chegaram para mostrar que os dias de sossego não terão lugar na agenda de Donald Trump. Um dos últimos escândalos tem a ver com a relação entre Michael Flynn, conselheiro para a Segurança Nacional, e os diplomatas do Kremlin.

Há meses que a equipa de Trump vem sendo acusada – e parece agora que com razão – de se ter aproximado em demasia da estrutura de Vladimir Putin, que não age apenas como presidente russo mas como um moderno czar de toda a Rússia, com todos os estratagemas de que pode deitar mão no xadrez, tanto no tabuleiro doméstico como no internacional.

Há menos de uma semana o céu caiu em cima da cabeça do general Flynn. Depois de ter pedido a prisão para Hillary Clinton pela utilização que a democrata fez de um servidor pessoal enquanto era secretária de Estado, Michael Flynn viu-se obrigado a apresentar a demissão, prontamente aceite por Trump. O conselheiro para a Segurança Nacional foi acusado não apenas de ocultar as conversas tidas com diplomatas russos ainda antes da tomada de posse do 45.º Presidente, mas de mentir ao vice-presidente Mike Pence acerca dessas conversas com a nomenclatura russa. Um caso revelado pelo Washington Post, mais um desses braços da "imprensa falsa" de que tão pouco gosta Donald Trump.

Estamos em dezembro e o então Presidente Obama acaba de anunciar sanções a Moscovo pela alegada interferência russa na campanha eleitoral. Nessa altura, Flynn entra em contacto com o embaixador do Kremlin. A reacção russa às sanções não obedece aos padrões habituais. Sabe-se agora que Flynn terá sugerido ao representante russo nos Estados Unidos que nada fosse feito a partir de Moscovo, porque o processo das sanções poderia ser revisto quando Trump entrasse em funções.

“Se tivesse feito um décimo do que fez Hillary Clinton eu estaria na prisão”. Bom, o FBI parece disposto a deixar passar o episódio, mas são vários os senadores que o querem ouvir sobre o assunto, alguns deles republicanos, o partido que embarcou no apoio à candidatura de Donald Trump à Casa Branca.
Uma vaga de ordens executivas
Nunca chegaremos a saber por que o fez, mas logo nos dias a seguir à tomada de posse, Donald Trump chamou à Sala Oval toda a imprensa para ser fotografado, filmado e entrevistado enquanto assinava ordens executivas umas atrás das outras. O objectivo directo? Reverter as políticas de Obama.

A mais conhecida dessas directivas presidenciais foi a ordem para travar a entrada no país de imigrantes oriundos de sete países de maioria muçulmana. Trump justifica a medida como uma forma de travar a entrada de terroristas estrangeiros nos Estados Unidos e evitar o que poderia ser – na sua visão – uma onda de ataques caseiros. Curiosamente, nenhum desses países diz respeito às nacionalidades dos autores dos ataques de 11 de Setembro.
A ordem para impedir a entrada de cidadãos oriundos do Irão, Iraque, Iémen, Líbia, Síria, Somália e Sudão foi assinada a 27 de Janeiro e espoletou manifestações quase espontâneas em vários aeroportos que duraram dias a fio.

Um juiz federal acabaria por pôr termo à directiva de Trump, que recorreu para várias instâncias judiciais, desembocando no Tribunal de Recurso de São Francisco. Sempre com o mesmo resultado: manter a suspensão do decreto que proíbe a entrada de imigrantes no país.

A reacção de Donald Trump, sendo a esperada, foi pouco presidencial: “VEMO-NOS EM TRIBUNAL, A SEGURANÇA DA NOSSA NAÇÃO ESTÁ EM JOGO", escreveu na sua conta da rede Twitter.
Fim da NATO, uma agência chata

Para a figura que é, com o seu aspecto extravagante, Trump é na realidade uma cassandra trágica que anuncia os últimos dias do mundo como o conhecemos: o fim da NATO, o fim da União Europeia, o fim das parcerias de Washington no continente americano e pelo mundo.

Sobre a Aliança Atlântica, Trump foi muito claro numa entrevista a 16 de janeiro ao Bild e ao The Times: a NATO é uma organização actualmente obsoleta e em breve serão muitos os países a quererem sair. Como homem de finanças, Trump não pôde evitar queixar-se de alguns dos membros da Aliança Atlântica não estarem a pagar a sua parte na defesa comum, “encostando-se” aos Estados Unidos: “É suposto protegermos estes países, mas muitos deles não pagam o que deveriam”.

O secretário-geral da NATO reafirmou na altura a confiança absoluta na manutenção do empenho dos norte-americanos em relação à Aliança Atlântica. Nesse sentido, Jens Stoltenberg preferiu desvalorizar as declarações de Donald Trump mas o mal estava feito.

A posição de Stoltenberg não sossegou os parceiros, como foi o caso de Berlim, que reagiu pela voz do seu ministro dos Negócios Estrangeiros. Frank-Walter Steinmeier admitiu que as declarações de Trump “foram recebidas com preocupação (…) são declarações que contradizem as afirmações do responsável da Defesa dos EUA” durante uma visita a Washington.

Uma posição mais musculada fora assumida em Berlim pelo vice-ministro dos Negócios Estrangeiros. Sigmar Gabriel defendeu que a Europa tem de enfrentar as ideias de Trump: “Acredito que nós europeus não temos de cair em profunda depressão. Não subestimo o que Trump disse sobre a NATO e a UE, mas seria bom para nós ter um pouco de confiança”.

Nunca desatenta, chamada a comentar esta posição de Trump, a Rússia limitou-se a afirmar, de forma quase lacónica, que essa ideia de que a NATO é “obsoleta” corresponde aos argumentos que vêm sendo reiterados pelo Kremlin.
É a economia, estúpido

TPP, NAFTA, TTIP são siglas e acrónimos que não parece terem a simpatia de Trump. Ainda durante a campanha eleitoral usou uma retórica hostil aos tratados que envolvem os Estados Unidos em várias parcerias por todo o globo. Quarenta e oito horas depois da tomada de posse começou a cumprir a promessa de colocar um ponto final no que diz serem acordos prejudiciais aos interesses do cidadão norte-americano. Com uma assinatura deitou por terra o TPP – Tratado Trans-Pacífico, negociado com 11 países da orla do Pacífico. “Foi uma decisão excelente para o trabalhador americano o que acabámos de fazer”, afirmou Trump após assinar a ordem na Sala Oval.

Os republicanos estão, no entanto, a ver a decisão de Trump como uma espécie de traição, já que Barack Obama havia negociado o TPP com pinças, garantindo de antemão o apoio dos seus adversários, incluindo o speaker Paul Ryan, que – tirando Donald Trump, que é uma espécie de outsider – é o mais próximo de um líder do GOP.

“A decisão do presidente Trump de se retirar formalmente da Parceria Trans-Pacífico é um erro grave que terá consequências por muitos anos para a economia americana e para a nossa posição estratégica na região Ásia-Pacífico”, acrescentaria o senador John McCain (R), entre um coro de vozes a lembrarem a Trump que a China respirará de alívio e ganhará novo fôlego para estender a sua influência na região.

Uma das coroas de glória de Barack Obama estava para ser o TTIP – Tratado Parceria Transatlântica para o Comércio e Investimento. Os embaixadores que espalhou pelo mundo, justamente apelidados de “embaixadores TTIP”, fizeram um sprint final para tentar selar o acordo entre os Estados Unidos e a União Europeia antes do final do mandato mas não chegou. De qualquer forma, sabemos agora que talvez de nada tivesse servido, já que o TPP – assinado em Fevereiro de 2016 por Estados Unidos, Austrália, Brunei, Canada, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura e Vietname após sete anos de negociações – acaba de ser deitado para o cesto dos papéis pelo novo líder americano.

O tratado deveria ainda fazer um longo caminho nos corredores do Congresso e do Senado até ser ratificado, mas os subscritores tinham este passo como uma mera formalidade, já que o pacote apresentava os Estados Unidos como grande beneficiário do acordo: 8 mil milhões de dólares anuais para a agricultura e mineração, 200 mil milhões para a indústria e 148 mil milhões para o setor de serviços, segundo um estudo publicado pelo Peterson Institute for International Economics.
Mattis não se compromete com retórica de Trump
Entretanto, este fim-de-semana, durante uma viagem aos Emirados, o secretário da Defesa foi questionado sobre uma mensagem no Twitter em que o presidente chamava aos media “o inimigo da América”. Jim Mattis podia simplesmente ter dito que não tinha nada a ver com isso, mas respondeu antes não ter qualquer problema com os meios de comunicação, distanciando-se assim da avaliação feita pelo presidente. Sinais de nova brecha na Administração?

“Já tive períodos bastante controversos com a imprensa. Mas não, a imprensa, na minha opinião, representa um eleitorado com que temos de lidar. E não tenho nenhuma questão com a imprensa, pessoalmente”, sublinhou Mattis.

A declaração contraria toda a gramática que vem sendo desenvolvida pela equipa de Trump na Casa Branca para lidar com uma imprensa incómoda que o questionou enquanto candidato e continua a procurar esclarecer posições menos ortodoxas sustentadas por aquele que será nos próximos quatro anos o líder dos americanos.

“Notícias falsas”, “mentirosos”, “corruptos” e “imprensa falsa” – epítetos a que o staff de Trump opôs os seus “factos alternativos” – são apenas algumas das pedras angulares da retórica trumpiana transposta das sedes de campanha para a Sala Oval da Presidência neste primeiro mês de Donald Trump em Washington.

Parecia ser uma linguagem transversal à Administração, que comprometia todas as figuras da equipa do presidente, mas há agora uma nota fora de tom na sinfonia rudimentar que é a presidência Trump: Jim Mattis, o secretário da Defesa, não tem em si essa animosidade que move as outras peças que rodeiam Trump, desde Bannon a Kellyanne Conway, passando por Sean Spicer.
Preenchida vaga de Scalia no Supremo

Neil Gorsuch é a escolha do presidente Trump para ocupar a liderança do Supremo Tribunal, um lugar que está vago desde a morte do juiz Antonin Scalia, de quem Gorsuch é visto como sucessor natural. Era um problema que chegou a ameaçar fugir-lhe do controlo, com Obama a hesitar em dar ele o passo e nomear o novo juiz.

A escolha acabou por ficar assim para o novo inquilino da Casa Branca, Donald Trump. Semana e meia após a tomada de posse, aí estava Neil Gorsuch, aos 49 anos o juiz mais jovem a chegar ao Supremo. É um juiz anti-aborto e anti-eutanásia, qualidades suficientes para satisfazer a clientela branca e supremacista de Donald Trump.

“Cumpro outra promessa ao povo norte-americano, ao nomear Neil Gorsuch para o Supremo Tribunal. Ele será um incrível juiz, assim que o Senado o confirmar”, declarou Trump, sabendo que depende ainda da vontade dos democratas. A nomeação não garante de forma directa o lugar a Gorsuch, que precisa dos democratas no Senado.

Para acabar este primeiro mês da administração em beleza, o Presidente fez uma breve mas marcante passagem pela Suécia. Para justificar a política anti-terrorista e o fecho das fronteiras, citou no Estado da Florida, perante nove mil pessoas, vários atentados e situações delicadas por que passam os europeus no Velho Continente.

Entre estes episódios citou um atentado na Suécia, na passada sexta-feira. Há apenas um problema: o atentado nunca ocorreu. O antigo primeiro-ministro sueco, Carl Bildt, arrasou Donald Trump no Twitter ao perguntar o que andava a fumar o presidente norte-americano.

Passado este primeiro mês, trinta dias, seja o que for que reserva o futuro, Donald Trump inaugurou uma nova era na Casa Branca – o tempo em que abriu a porta a todas as anedotas que ameaçam minar não a segurança do país mas a seriedade de uma Administração norte-americana.
pub