Falha de motor em avião da TAP causada por corrosão e 370 voos acima do recomendado

por Ana Sofia Rodrigues - RTP
Kacper Pempel - Reuters

O incidente remonta a 12 de julho de 2014, num voo que acabara de levantar do aeroporto de Lisboa rumo a São Paulo, Brasil. A separação da pá no interior do motor fez com que se desprendessem detritos que caíram em cima de carros e casas em Camarate, causando danos materiais, mas nenhuma vítima. A bordo, 232 passageiros e 11 tripulantes, que tiveram de voltar de emergência para o aeroporto da Portela. A investigação do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (GPIIA) agora concluída aponta o dedo a corrosão e fissuras, elegendo como fator contributivo atrasos na substituição do motor.

Um minuto e 12 segundos de voo após a descolagem. A 1.300 pés, falha o motor n.º 2 do Airbus 330-202 da TAP, em início do que estava previsto ser uma longa viagem para o Brasil. A aeronave esteve ainda 41 minutos no ar a libertar 40 toneladas de combustível para poder aterrar de emergência no aeroporto de Lisboa.

No momento da “explosão” do motor, a libertação de detritos deixou um rasto de vidros partidos e danos em casas e vidros do bairro de Santiago, em Camarate, na vizinhança do aeroporto. Não houve registo de qualquer vítima.

A causa do incidente foi "fissuras desencadeadas por corrosão” que causaram a separação das pás. Ou seja, a palheta partiu e provocou a destruição do primeiro andar da turbina. Algo que foi provocado pelo desgaste e corrosão do material. E houve fatores a acelerar esse desgaste.

Analisado o incidente pelo GPIIA, verifica-se que o motor em causa tinha ultrapassado o nível recomendado de 3.700 ciclos ou voos. O Airbus tinha 4.070 ciclos. Ou seja, mais 370 voos acima do recomendado.


Cortesia GE Caledonian/ GPIIA

O primeiro fator contributivo para o incidente é, para o GPIIA, “a dificuldade para o fabricante do motor, por questões relacionadas com os contratos com os diversos operadores e/ou disponibilidade, em agendar mais cedo a Quick Turn [substituição], o que levou a que o motor atingisse com CSN [ciclo desde novo] acima do desejado (tendo em conta o histórico de eventos anteriores) para a remoção do mesmo”. Ao abrigo do contrato entre a TAP e o fabricante GE, o Quick Turn estava previsto para 16 de julho, ou seja, 4 dias depois do acidente.

Este deveria ser o último voo, antes de o motor ser intervencionado pelo fabricante General Electric, com quem a TAP tem um contrato de aluguer e manutenção de motores.

Na sequência do acidente, a GE (General Eletric) solicitou a remoção de dois outros motores assim que possível em função dos ciclos registados. Na inspeção às pás destes dois motores, o nível de corrosão registado era médio num deles e médio a elevado no outro caso.
 
Em entrevista à jornalista da RTP Isabel Marques da Costa, o diretor do GPIIA, Álvaro Neves, esclareceu que os 3.700 voos até à remoção do motor são um limite definido pelo fabricante para que os operadores possam também fazer as contas às operações.

“Se for ultrapassado [esse limite], não vem perigar a operação porque o próprio fabricante garante que a operação desse motor vai muito acima deste 3.700 ciclos. Portanto, aqui o caso, apenas se põe porque este incidente teve vários fatores contributivos que aceleraram o desgaste do próprio material e na descolagem houve a ruptura daquela palheta, que provocou tudo o resto”, realça Álvaro Neves.

A General Electric manteve a recomendação respeitante ao limiar de 3.700 ciclos para a TAP. A companhia aérea adotou em vez disso, como medida mais conservadora, um limiar de 3.400 ciclos para a remoção das pás do primeiro andar da Turbina de Alta Pressão, aquela que era a recomendação feita à General Electric no relatório do incidente - a de definir Limiares de Remoção mais conservadores e adequados.

De acordo com o GPIIA, limiares mais conservadores permitem uma maior almofada de segurança para que os operadores possam programar e prever a sua atividade com maior antecedência.
Iniciação de fissuras
O relatório é claro quando atribui o inicidente a "fissuras desencadeadas por corrosão a quente a baixa temperatura (Corrosão a Quente do Tipo II) sob a plataforma de fixação das pás do primeiro andar da Turbina de Alta Pressão causando a separação de pás durante a fase inicial da subida".

O motor em causa foi levado para a Unidade de reparação da GE na Escócia e totalmente desmontado.

A análise da pá de motor fraturado encontrou “múltiplos locais de iniciação de fissuras causados por Corrosão a Quente do Tipo II”. A separação da pá na Turbina de Alta Pressão, que “colapsou como resultado de progressiva corrosão na ou abaixo da plataforma de fixação das pás”, pode ler-se no relatório final do GPIIA ao acidente.

O motor registou por isso danos severos, numa falha que acabou por ficar contida, sem provocar danos na fuselagem da aeronave.


Cortesia da TAP/ GPIIA

O relatório apresenta outros fatores que contribuíram para o acidente. Entre eles a exposição dos motores a elementos corrosivos tais como pó, areia, poluição, sal (operação perto de ambiente marítimo), a exposição a ambientes quentes e secos e o elevado teor de enxofre nos combustíveis de aviação a nível internacional.
Procedimentos cumpridos
Nas conclusões do relatório ressalva-se que a aeronave estava certificada, equipada e mantida em conformidade com regulamentos vigentes. E os registos de manutenção indicavam que os motores foram mantidos de acordo com os regulamentos.

Refere ainda que não foram evidências de qualquer defeito ou avaria na aeronave que possam ter contribuído para o incidente, nem encontradas evidências de falha de motor ou avaria anteriores.
 
Em reação a este relatório, a TAP vem dizer que o documento vem comprovar o que a companhia aérea já tinha advogado na altura. “Todos os procedimentos foram cumpridos, a TAP esteve sempre a cumprir todos os preceitos respeitantes à manutenção do motor, em articulação com o fabricante, que era o responsável pela manutenção do motor”, refere André Soares, do gabinete de comunicação da TAP.

“Aconteceu aquilo que era imponderável. O motor do avião é verificado e pensou-se que poderia cumprir mais ciclos de voo. Infelizmente, aconteceu o imponderável e deu-se esta situação”, refere o responsável da comunicação da companhia aérea, realçando que a TAP adoptou um novo valor de referência para a manutenção dos motores.

O relatório sobre este incidente de julho de 2014 revela ainda que tripulação agiu de forma adequada neste caso.

Um incidente como o que aconteceu com a aeronave da TAP é relativamente frequente, de acordo com o diretor do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves, que realça que não põe em risco o voo.

“É uma questão técnica”, assegura Álvaro Neves, que põe a tónica numa aposta de capacidade de análise antecipada com redução do número de voos a efetuar, que permita “acompanhar mais de perto uma possível degradação dos materiais”.
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