Miguel Relvas obriga a razia nas licenciaturas da Lusófona

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Sandra Salvado - RTP

Dois comandantes da Polícia Municipal de Lisboa, um alegado mercenário que fez parte da segurança de Patrice Trovoada e foi expulso de São Tomé, autarcas, maçons e até uma assistente convidada pela própria universidade – são casos de alunos que este ano perderam a licenciatura ou outros graus académicos que tinham concluído na Lusófona. A causa: as suspeitas levantadas pela forma como o então ministro Miguel Relvas conseguiu a sua licenciatura naquele estabelecimento. A razão: um sistema de atribuição de créditos abusivo ou falhas processuais da própria Lusófona.

São várias as áreas de onde saíram os alunos que viram anulado (cassado) o seu grau de licenciatura pela Universidade, após o despacho do Ministério da Educação que deu seguimento a uma “ação inspectiva” da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC): da Ciência política às Engenharias, do Direito à Arquitetura ou aos Estudos de Segurança. Ao todo, 152 graus mereceram dúvidas suficientes para serem anulados.

E foi na área dos Estudos de Segurança que o sistema de creditação terá originado mais dúvidas aos inspetores: 47 em 152. A licenciatura “Estudos de Segurança” é a campeã dos cursos com licenciaturas anuladas: 47 num total de 152.

Apanhados nesta teia de cassação de títulos estão dois comandantes da Polícia Municipal de Lisboa, André de Jesus Gomes e Manuel Lopes Rodrigues, o primeiro já aposentado, o segundo ainda no ativo.

De acordo com André Gomes, [no seu caso] não terá havido sequer a solicitação de equivalências ou de unidades de créditos “para concluir o curso”. Explica que inicialmente frequentou a Universidade Lusíada, onde os elementos do corpo da polícia beneficiavam de um desconto nas propinas de 25 por cento. Miguel Relvas fez em um ano uma licenciatura que tem um plano de estudos de 36 cadeiras, distribuídas por três anos. Requereu admissão à Lusófona em 2006 e concluiu a licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais em outubro de 2007.

Em abril passado o site da RTP apurou que o processo da licenciatura do antigo ministro está pronto há mais de um ano para uma sentença em tribunal. Mas arrasta-se por falta de juízes. O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) confirmou à RTP que a ação especial em que o ex-ministro figura foi dada para elaboração de sentença a 27 de fevereiro de 2014.


No entanto, perante a oferta de uma redução de custos na ordem dos 30 por cento por parte da Lusófona, o comandante da Polícia Municipal (empossado pelo então presidente da Câmara Carmona Rodrigues) decidiu mudar de instituição. Neste trajeto entre as duas escolas tê-lo-ão seguido os créditos da Lusíada.

Mais, “já na Lusíada tive créditos profissionais, mas sempre no propósito de que estava de acordo com a lei”. André Gomes explicou que este foi um procedimento pelo qual optaram muitos dos agentes da PSP ou da Judiciária que entretanto regressavam à escola.

E, acrescentou, “não precisei do curso para ser comandante - era mais uma carolice”, para lamentar: “As universidades não estão muito preparadas para saber o que são estas coisas dos créditos”.
O que é a lista
No início de abril, o site da RTP requereu ao Ministério da Educação “uma cópia do despacho enviado à Universidade Lusófona onde é ordenada a anulação das licenciaturas, bem como a identificação das referidas licenciaturas e respetivos titulares”.

Os documentos em causa continham as primeiras conclusões de “uma ação de acompanhamento” da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGECI) “à Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia CULHTI (…) para verificação de creditações concedidas a alunos, quer pela experiência profissional, quer de formação académica, sobre as quais já havia atos anteriores deste estabelecimento que não permitiram uma posição consolidada desta Inspeção-Geral”. A propósito da necessidade de averiguar a situação de quatro centenas de licenciaturas daquela universidade, numa entrevista de abril de 2013 ao Diário Económico, Manuel Damásio, administrador do Grupo Lusófona, afirmava que “entre 398 alunos num estabelecimento de ensino superior com cursos como Ciência Política e Direito de certeza absoluta que há[maispolíticos]”. Questionado sobre “quem são”, garantiu: “A lista deve ter menos de uma centena”.


Decorrente dessa “ação inspectiva” saiu um relatório “que mereceu despacho do Secretário de Estado do Ensino”. Isto é, o documento contendo os nomes dos alunos visados pela anulação da licenciatura, lista que foi solicitada por vários jornalistas.

Mas o processo completo contém a documentação para uma resolução relativa a 75 processos académicos já anulados ou em vias de anulação, incluindo o binómio curso/titular. Outros 77 ex-alunos constam da averiguação levada a cabo na Universidade, para um total de 152. É uma questão que ganha dimensão face ao gatilho que espoletou a investigação: dúvidas sobre a validade (legalidade) suscitadas em 2012 acerca da licenciatura de Miguel Relvas, então ministro e número dois do Executivo de Pedro Passos Coelho.
Cassados 152 diplomas

Numa análise da lista dos 152 alunos da Lusófona que nos primeiros meses do ano foram notificados da cassação dos seus graus académicos, percebe-se que pode haver matéria legal para anular vários concursos municipais ou até ao nível de ministérios durante esta legislatura.

Esta tese ganha força quando alguns dos visados pela cassação de diploma não responderam afirmativamente à proposta da universidade para que “regularizassem a sua situação académica”. Apenas 104 dos 152 visados manifestaram essa intenção.

Quer dizer que entre os 48 “licenciados” da Lusófona que não procuraram recuperar a licenciatura alguns se manterão em funções resultantes de concursos nos quais foram escolhidos também eventualmente pelas suas novas habilitações académicas: são estes os casos de lugares de docência em colégios de prestígio como o Valsassina ou da nomeação em comissão de serviço para um cargo de Chefe de Divisão no Município de Moura.
Ex-aluna foi assistente na Lusófona
Um caso que se destaca na lista constante do processo agora disponibilizado pelo Ministério da Educação - e que ilustra a aparente desorientação da universidade em todo este caso - é o de Cláudia Antunes Diniz Mendes Calado, uma antiga aluna a quem foi anulada a licenciatura, mas que em 2011, ano em que concluiu o curso de Ciências Aeronáuticas, consta da “Lista Definitiva de Pessoal Docente” da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias como assistente convidada em regime de “tempo parcial” (50 por cento).

Questionada pelo site da RTP acerca da atual situação desta professora, a Universidade Lusófona esclareceu que se tratou de uma colaboração pontual.

“A referida ex-aluna é oficial de operações de voo e efectivamente após a conclusão do seu curso colaborou como monitora em aulas práticas por um curto período. Essa colaboração foi pontual e só decorreu por um curto período e não voltou a ocorrer a posteriori. Os indivíduos que colaboram no ensino superior com estas funções têm a configuração para efeitos de enquadramento pontual de assistentes ou monitores convidados, ou seja, não são docentes da instituição, mas sim colaboradores especialistas em formações práticas”, respondeu a universidade através de email.
Um caso curioso

Logo nas primeiras entradas da listagem colocada à disposição dos jornalistas, um dos nomes que surge é o de Alexandre Branco Weffort, que concluiu na Lusófona um Mestrado em Ciência das Religiões.

É um nome que tem tudo para acender os holofotes. Trata-se do filho de Francisco Weffort, antigo ministro da Cultura do Governo de Fernando Henrique Cardoso. À primeira vista parece uma rasteira dos motores de busca. Engano, é de facto o filho de um proeminente ministro brasileiro, não menos proeminente cientista político.

Contactado pela RTP, Alexandre Weffort, músico, flautista, professor de flauta e maestro da Escola de Música do Conservatório Nacional, a viver há 40 anos em Portugal, começou por lamentar essa instrumentalização política que pode ser feita a partir do seu nome e das suas origens.

Depois de explicar que a sua situação – é um dos 104 – já “está resolvida” e que não passou de “um erro processual da creditação [da própria universidade], que estava mal regulamentada em termos administrativos”, Weffort lamentou o caminho que este processo está a tomar.

“A lista é uma total falta de ética do Ministério da Educação”, acusou o músico em direção à 5 de Outubro e ao ministro Nuno Crato, para lamentar que tenham sido criadas as circunstâncias para “criar um facto político à volta do meu nome”.

Mas não é pela eventual fulanização que Alexandre Weffort manifesta a sua indignação. Trata-se antes da incapacidade, quer do Ministério quer dos jornalistas, de distinguirem desde logo os casos em que se verifica de facto uma procura fora dos trâmites legais para concluir as licenciaturas, daqueles que foram afetados por irregularidades administrativas muitas das vezes da responsabilidade da instituição.
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