Morte de doente por falta de assistência médica especializada leva a várias demissões na saúde

por Andreia Martins - RTP
Pedro A. Pina - RTP

Três responsáveis pela administração regional de saúde de Lisboa apresentaram pedidos de demissão na terça-feira, na sequência da morte de um homem de 29 anos por falta de um neurocirurgião no hospital de São José, em Lisboa. O Ministério da Saúde anunciou entretanto a abertura de um inquérito para o apuramento de responsabilidades neste caso.

A morte de um jovem de 29 anos por ausência de assistência médica especializada já levou a três demissões em bloco por três responsáveis de saúde de Lisboa. Na terça-feira, a presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central, Teresa Sustelo, comunicou as demissões numa curta declaração aos jornalistas, sem direito a perguntas.  O jovem sofreu o aneurisma numa sexta-feira, dia 11 de dezembro. Ficou a aguardar cirurgia até dia 14, segunda-feira, mas acabou por não resistir à hemorragia cerebral, morrendo na madrugada de domingo para segunda-feira. 

Para além da responsável, demitiram-se também o presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Luís Cunha Ribeiro, e do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, Carlos Martins. 

A edição de terça-feira do jornal Correio da Manhã dava pormenores sobre o caso de David Duarte, um jovem de 29 anos que morreu devido a uma hemorragia cerebral que resultou em aneurisma. O doente foi atendido num primeiro momento no Hospital de Santarém, tendo sido transferido para Lisboa com a indicação para ser operado “de imediato”. Mas segundo a mesma notícia, a intervenção cirúrgica não aconteceu por ausência de um neurocirurgião aos fins de semana.
Cortes na saúde causaram morte
Luís Cunha Ribeiro, o presidente demissionário da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, assume que a situação foi incitada pelos sucessivos cortes no setor da Saúde ao longo dos "últimos anos".

O responsável de saúde anunciou ainda que já estão a ser tomadas medidas para evitar que casos semelhantes se repitam: "A partir de agora, foi autorizado que passe a haver resposta para situações deste género. Hoje, doentes em situações semelhantes não terão o mesmo destino do que ocorreu há uma semana". Na mesma comunicação, Cunha Ribeiro pediu à Inspeção-Geral da Saúde a instauração de um inquérito sobre este caso.


Segundo a edição do Público desta quarta-feira, o Centro Hospitalar de Lisboa Central confirma que "a prevenção aos fins-de-semana da Neurocirurgia Vascular está suspensa desde abril de 2014 e da Naurorradiologia de Intervenção desde 2013". No esclarecimento acrescenta-se ainda que "a cirurgia de urgência dos aneurismas, que é altamente especializada, carece de bloco operatório e de uma equipa de cirurgiões, anestesista, enfermeiros/as e assistentes operacionais especificamente habilitados para a realizar, não sendo possível efectuá-la com resultados satisfatórios sem as referidas condições técnicas, logísticas e de recursos humanos".

Para a Federação Nacional de Médicos (FNAM), esta trata-se de uma situação "lamentável" no Sistema Nacional de Saúde português. Merlinde Madureira destaca os cortes no setor, que são responsáveis "pelas más condições de trabalho, equipas diminuidas no serviço de urgência, pelo excesso de trabalho para cada um de nós".

Mas a presidente da FNAM considera que "tudo isso não pode justificar que um grande hospital, como o de São José e o Santa Maria, em Lisboa, não garantam neurocirurgias ao fim de semana. Tem de ser encontrada uma solução".
Ministério da Saúde vai investigar
Numa curta nota enviada ontem à noite à Agência Lusa, o ministério da Saúde anunciou a abertura de um inquérito e pede à administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central e à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde para apurarem eventuais responsabilidades sobre a morte do doente. Este anúncio aconteceu poucas horas depois da apresentação do pedido de demissão pelos três responsáveis de saúde de Lisboa Norte, Lisboa Centro e Vale do Tejo.

Sandra Claudino, Luís Filipe Fonseca, Rui Rodrigues, Miguel Teixeira - RTP
 Carta da namorada"Anunciaram-me que a sorte dele era ser novo, mas que o grande problema era o sangue espalhado pelo cérebro, que poderia provocar sequelas e outras complicações."
Numa missiva enviada ao jornal Expresso, a namorada da vítima deu na terça-feira o testemunho pessoal sobre as circunstâncias em que o jovem de 29 anos sofreu o aneurisma e acabou por morrer. Elodie Almeida acompanhou David Nunes desde que este chegou ao Hospital de Santarém numa sexta-feira. Os médicos comunicaram-lhe desde logo que o doente tinha sofrido "uma hemorragia cerebral e um grande hematoma e teria de ser transferido de urgência para o Hospital de S. José". Já em Lisboa, a família recebeu a notícia de que se tratava de um caso de um aneurisma.

"(...) Anunciaram-nos, descontraidamente, que se tratava da rutura de um aneurisma, que o sangue se espalhou pelo cérebro e que, geralmente, estes casos de urgência teriam de ser tratados de imediato, ou seja, o doente teria de ser logo operado. Mas como os médicos referiram, infelizmente calhou ser uma sexta-feira, logo não iria haver equipa de neurocirurgiões durante o fim de semana. O David teria de aguardar até segunda para ser operado. Deram-me a entender que o sangue espalhado pelo cérebro poderia, muito provavelmente, causar sequelas e posteriormente múltiplos AVC", prossegue a jovem na carta enviada ao semanário.

Enquanto isso, o hospital se demorava nas respostas à família e indicava estar a preparar o jovem para a cirurgia na segunda-feira de manhã, A condição clínica do doente acabaria por piorar ao longo do fim-de-semana, conta a companheira. Com vómitos e dificuldades na respiração, o jovem ficou em coma induzido no domingo e acabaria por morrer dia 14, durante a madrugada.
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