Costa e Adrião entregam moções e candidaturas à liderança do PS

por Cristina Sambado - RTP
Rafael Marchante - Reuters

António Costa, secretário-geral do PS, e Daniel Adrião, ex-dirigente do partido, entregaram esta semana as moções de estratégia globais e as respetivas candidaturas à liderança do partido. O congresso realiza-se de 3 a 5 de junho na Feira Internacional de Lisboa e as eleições diretas para a escolha do secretário-geral acontecem nos dias 20 e 21 de maio, altura em que também serão eleitos os 1.450 delegados à reunião magna.

Daniel Adrião, de 48 anos, natural de Alcobaça, que disputou a liderança da Juventude Socialista a António José Seguro e Sérgio Sousa Pinto entre os finais da década de 80 e o início dos anos 90, apresentou a moção intitulada “Resgatar a democracia”.

O ex-dirigente socialista, que recentemente apoiou António Costa à liderança do PS, afirma que o objetivo não é disputar o cargo de secretário-geral, mas sobretudo propor mudanças profundas no sistema político, quer nas regras de funcionamento interno do partido, quer no sistema eleitoral para a Assembleia da República.

A moção de António Costa, intitulada “Cumprir a Alternativa, consolidar a esperança”, foi coordenada pela secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Mendes, que teve como redator principal Pedro Silva Pereira, ex-ministro da Presidência e atual eurodeputado.

Estiveram ainda envolvidos Paulo Pedroso, antigo ministro e porta-voz do PS, e os atuais dirigentes Eduardo Cabrita, João Galamba, João Tiago Silveira. Porfírio Silva, Pedro Nuno Santos e o presidente da Câmara de Vila Real, Rui Santos.
“Cumprir a alternativa, consolidar a esperança”
A moção que António Costa vai levar ao congresso quer “honrar no Governo os compromissos de mudança política que o PS assumiu com os portugueses, travar o ciclo de empobrecimento do País e devolver a Portugal, finalmente, uma visão de futuro e um horizonte de esperança”.

“É isso que os portugueses esperam de nós. É esse o nosso projeto. É esse o nosso combate”, lê-se no documento.

António Costa promete um “PS fiel aos seus princípios, ao serviço de Portugal”.

O secretário-geral socialista assume na sua moção de 34 páginas um “confronto com o neoliberalismo”, defende a componente parlamentar do regime político e considera que a atual maioria de esquerda já deu provas de solidez.

“As medidas adotadas nos primeiros meses de Governo do PS, com apoio e o contributo da maioria de esquerda, começaram a cumprir a alternativa com que nos comprometemos junto dos portugueses e trouxeram já uma melhoria muito significativa no rendimento e na vida de muitos trabalhadores e de muitas famílias”, frisa a moção.

O documento refere ainda que “hoje a diferenciação entre o PS e a direita não passa apenas pelas políticas sociais, seja ao nível das prestações seja ao nível dos serviços públicos. Passa também, de forma clara e determinante, pela política económica e pela conceção de reformas que Portugal precisa”.

Na moção, António Costa deixa ainda uma crítica direta a Cavaco Silva: “o confronto ensaiado pelo anterior Presidente da República com o Parlamento acabado de eleger e o falhanço da sua tentativa de impor uma solução governativa de direita, reconhecidamente contrária à vontade da maioria dos portugueses e destituída de apoio parlamentar, evidenciou a força da componente parlamentar do nosso sistema político, desde logo no próprio processo de formação do Governo”.

É ainda feita uma análise aos “escassos meses de mandato” em que o Governo com o apoio da esquerda parlamentar já superou vários desafios, entre os quais o chumbo da moção de rejeição apresentada pelo PSD e CDS-PP, a aprovação do Orçamento Retificativo de 2015, a negociação bem-sucedida do esboço orçamental, o Programa Nacional de Reformas e a confirmação da notação de investimento, com indicação de outlook estável, para o rating da República por parte da agência canadiana DBRS.

“Estas provas superadas pelo Governo do Partido Socialista revelam bem a consistência dos compromissos que unem os partidos da maioria parlamentar e desmentem, de forma categórica, a visão catastrofista dos que punham em causa a solidez da atual solução governativa”, frisa o documento.

Em matéria de conceção europeia, documento assume de forma implícita as divergências com o PCP e o Bloco de Esquerda, referindo que “o PS nunca teve dúvidas sobre o projeto europeu, nem as tem agora”.

“Se o PS se bate pelo reencontro do projeto europeu com os seus valores originais e por uma revisão dos termos de governação política e económica da União Europeia e do euro é ainda porque deseja, como sempre, o sucesso do projeto europeu e sabe que a União Europeia precisa de evoluir para superar estruturalmente as fragilidades reveladas na grande recessão de 2008-2009 e na crise das dívidas soberanas de 2010-2011, bem como na abordagem da atual crise humanitária face ao drama dos refugiados, por forma a responder às múltiplas crises e desafios que tem pela frente e corresponder aqueles que são os anseios e as legítimas expetativas dos cidadãos”, sublinha.
A dívida

A moção “Cumprir a alternativa, consolidar a esperança” admite uma progressiva mutualização das dívidas e defende uma evolução para a criação de um Fundo Monetário Europeu. António Costa tem sempre recusado assumir um confronto com as instituições europeias para uma renegociação da dívida.
 
“Manter os valores, mudar as políticas, lançar um programa de reformas estruturais para a União Europeia” é uma das propostas que consta no documento.

A moção admite: “O Mecanismo Europeu de Estabilidade, uma solução improvisada no pico da crise, deve evoluir para um autêntico Fundo Monetário Europeu, com o músculo financeiro necessário para auxiliar os Estados-Membros em períodos de instabilidade financeira e dificuldades no acesso ao crédito internacional. Muitos outros instrumentos têm sido propostos, como uma parcial e progressiva mutualização europeia das dívidas, outras formas de instituir um prestamista de último recurso, a criação de um estabilizador automático através de um mecanismo europeu de proteção no desemprego e a incontornável atribuição à Zona Euro de recursos próprios que lhe confiram uma efetiva capacidade orçamental, não dependente das contribuições nacionais”.
Autárquicas e regionais
A moção que António Costa vai levar ao congresso prevê “plataformas de diálogo com outras forças políticas, cidadãos independentes e movimentos de cidadãos visando a procura das soluções de governação local que melhor sirvam as populações”.

A moção coloca como princípio a recandidatura dos atuais presidentes de câmara e de junta socialistas. O PS assume como objetivo nas próximas eleições autárquicas, agendadas para outubro de 2017, voltar a deter as presidências da Associação Nacional de Municípios Portugueses e da Associação Nacional de Freguesias, ganhando mais câmaras e freguesias do que qualquer outra força política.

Outra meta eleitoral é uma nova vitória do PS nas eleições regionais dos Açores, que vão decorrer em outubro.

No entanto, António Costa abre a possibilidade de os socialistas se entenderam com outros partidos (implicitamente o PCP e o Bloco de Esquerda), bem como a cidadãos independentes.

A moção “Cumprir a alternativa, consolidar a esperança” defende “que o próximo ciclo autárquico 2017-2021 seja marcado por uma profunda transformação no modelo de funcionamento da administração pública”.

“A nossa ambição é fazer no ano de 2017 o ano da descentralização e da reforma democrática do Estado”.
“Resgatar a Democracia”
A reforma do sistema político, tendo em vista “estancar a atual crise da democracia representativa” é um dos principais temas da moção apresentada por Daniel Adrião.

A moção, de 75 páginas, tem como palavra chave “resgatar” desde a Democracia, à Europa, à Economia, ao Sistema Eleitoral, a Justiça, a Educação, a Cultura, a Política Externa e a Diplomacia Económica, a Saúde, a Segurança, a Soberania, a Defesa e a Política Agrícola Comum.

Em relação ao resgate da Democracia, Daniel Adrião, começa por recordar o aumento da abstenção nas eleições legislativas. E recorda: “Nas primeiras eleições livres realizadas em Portugal em 1975 votaram 91% dos eleitores, nas últimas eleições de 2015, votaram 56%. Nas últimas duas eleições legislativas, em 2011 e 2015 verificou-se um fenómeno extremamente preocupante que nunca tinha ocorrido antes, os deputados eleitos passaram a representar menos de 50% do eleitorado”.

Defende que “só com uma revolução democrática será possível recuperar a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas. Por isso defendemos uma mudança de “alto a baixo” no sistema político, de modo a devolver o poder às pessoas. Para isso temos de fazer duas coisas: mudar o funcionamento dos partidos e mudar o sistema de representação política”.

“Logo, é preciso assumir que as democracias representativas estão em profunda crise. As chamadas formas de intervenção política formal continuam em acelerado processo de deslegitimação democrática e não mais conseguem esconder a erosão de representatividade que o sistema político tem vindo a sofrer. Quer por via dos crescentes níveis de abstenção, dos votos brancos e nulos, quer pelo aumento da base eleitoral dos partidos não comprometidos com o status quo”.
Resgatar a economia
A moção de Daniel Adrião recorda que “o fosso entre ricos e pobres em Portugal aumenta há cinco anos consecutivos. Portugal é hoje um dos países mais desiguais da Europa e do mundo desenvolvido. A distribuição de rendimento é muito desigual em Portugal e agravou-se com o programa de ajustamento. Hoje é claro que o ajustamento foi feito principalmente à custa dos mais pobres e não dos mais ricos”.

“Estudos demonstram que durante os últimos cinco anos os portugueses com remunerações mais altas tiveram um corte de rendimento na ordem dos 8%, enquanto que aqueles com remuneração mais baixas tiveram um corte na ordem dos 25%. No último ano, 68,5% dos portugueses declararam um rendimento inferior a 7.000€ anuais, isto é cerca de 585€ mensais. Não é por isso de estranhar que a taxa de risco de pobreza em Portugal, antes de apoios sociais, atinja hoje, 48%, isto é, quase metade da população”.

Para o ex-dirigente socialista, “é urgente quebrar o ciclo vicioso de empobrecimento, que afeta principalmente os portugueses mais vulneráveis e mudar o nosso paradigma económico que continua a assentar em trabalho indiferenciado e em mão de obra barata”.

“Um dos grandes desafios é a mudança do paradigma de desenvolvimento, quer em termos económicos, quer em termos sociais. Passados 30 anos de integração europeia, depois de termos recebido mais de 100 mil milhões de euros de fundos comunitários, não conseguimos mudar o nosso paradigma económico. A economia portuguesa continua a ser baseada em mão de obra indiferenciada e em baixos salários, ao invés de termos uma economia baseada em trabalho qualificado e bem remunerado”, sublinha.

A moção acrescenta que “a economia de um país é algo demasiado importante para estar exclusivamente dependente da iniciativa privada. Por isso defendemos que o Estado deve ter um papel ativo na definição estratégica da atividade económica. Defendemos um Estado inovador e empreendedor, que desenvolva políticas que promovam a competitividade e o crescimento. Uma estratégia que para dar frutos necessita que o investimento em inovação se traduza em crescimento inteligente e inclusivo”.
Reforma do sistema político
Daniel Adrião propõe a criação de círculos uninominais (por exemplo, 100 no total, com um círculo nacional de compensação (130 no total) que “não prejudicará a representatividade das forças políticas com menor peso eleitoral”.

“Precisamos de mudar o sistema político “de alto a baixo”. E para se mudar o sistema político de forma a aproximá-lo das pessoas, a devolver o poder às pessoas, a fazer os cidadãos reganhar a confiança que perderam nas instituições democráticas, temos de fazer duas coisas: temos de mudar os partidos e temos de mudar o sistema de representação política”.

Para Daniel Adrião, “é ainda necessário ter em conta que a legitimidade democrática requer a presença e representação de todos os militantes, mesmo daqueles cujos representantes que não saíram vencedores na eleição, garantindo-se assim uma representação proporcional nos Secretariados, quer seja no plano concelhio, federativo ou nacional”.

As eleições primárias socialistas vão decorrer no fim de semana de 20 e 21 de maio e vão eleger os 1.450 delegados ao congresso, que está marcado para 3 a 5 de junho na FIL, em Lisboa.
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