Morte de Soares ocupa lugar destacado na imprensa internacional

por RTP
Reuters

Um denominador comum de grande parte da imprensa falada e escrita que refere a morte do antigo presidente português é o de atribuir-lhe a designação de "pai da democracia". Em alguns casos lembra-se, em todo o caso, que se tratou de uma figura controversa.

Na imprensa internacional destaca-se a chamada de capa em El Pais, que refere a despedida do "construtor do Portugal moderno e europeu". Em artigo no site, Soares é designado como "lutador contra a ditadura de Salazar e contra a deriva comunista da revolução".

O jornal El Mundo fala em Soares como "pai da democracia portuguesa" e "um duro combatente". O jornal La Vanguardia fala dele como "arquitecto da democracia portuguesa".

O diário francês Le Monde destaca uma fotografia de Soares com Mitterrand, durante uma visita do presidente português a França. Mais uma vez Soares é lembrado como arquitecto, mas neste caso de uma "transição suave", e como "artífice empenhado da construção europeia". O conservador Le Figaro destaca os três dias de luto nacional.

O site da revista alemã Der Spiegel refere-se brevemente ao percurso político de Soares e afirma que, durante a sua presidência, este "recebeu dos seus compatriotas o cognome irónico-afectuoso de 'o rei'".

O mesmo artigo recorda também a importância que teve a ligação de Soares à Alemanha, como plataforma de contacto com figuras gradas da social-democracia internacional, entre as quais cita Willy Brandt e o austríaco Bruno Kreisky. Recorda também a fundação do PS, em 1973, em Bad Münstereifel, e o episódio da presença de Soares em Bona, em 25 de Abril de 1974, onde terá seguido pela rádio e pela televisão as primeiras notícias do levantamento militar em Lisboa, ao lado de Brandt e do futuro Nobel da literatura Günther Grass.

O site do semanário Die Zeit destaca declarações do líder social-democrata Sigmar Gabriel, afirmando que a morte de Soares foi também uma perda dolorosa para a social-democracia alemã.

O conservador Süddeutsche Zeitung resume o papel de Soares no pós 25  de Abril dizendo que este "regressou de comboio a Lisboa, onde milhares de pessoas o receberam com alegria. Em 1975 participou de forma decisiva na neutralização de uma tentativa de golpe comunista".

O diário da Suíça alemânica Neue Zürcher Zeitung refere-se a Soares como "o lendário socialista português", mas não elabora sobre a biografia deste para além da informação fornecida por agências noticiosas.

O diário britânico The Guardian também se limita a reproduzir alguma informação de agências noticiosas, destacando em todo o caso que Soares foi "em tempos popularmente conhecido como rei Soares pelo seu estilo régio".

A BBC repete em título a designação de "pai da democracia portuguesa" e reproduz superficialmente a informação biográfica corrente, caindo mesmo no erro histórico de se referir a Soares como um "crítico tenz da Junta que governou Portugal nos dois anos seguintes [ao 25 de Abril]".

Mais atenta, a observação de Elias E. Lopez no norte-americano New York Times classifica Soares como "um incansável animal político, sempre a distribuir entusiasticamente apertos de mão, a sorrir e a entabular conversa com pessoas desconhecidas, mesmo quando não estava em campanha. Em Portugal era conhecido como 'sempre em pé' (...), como o boneco que volta a levantar-se sempre que é derrubado".

Nessa nota biográfica, provavelmente a mais detalhada e precisa que publicou a imprensa internacional, Lopez lembra a alcunha de "bochechas", atribuindo-a à direita e sublinha também: "O sr. Soares era um ardente bibliófilo, coleccionando livros que depois admitia não ter tempo para ler. Era também um amante da gastronomia portuguesa, especialmente do bacalhau e das sardinhas".

Além disso, salienta López, Soares gostava da "boa vida, tendo uma caso na serra, uma casa de praia e um apartamento em Lisboa quando tomou posse [como presidente] em 1986. Nesse momento, recusou mudar-se para o extravagante palácio presidencial de Lisboa".

A isto acrescenta que Soares "era conhecido pela rapidez do seu pensamento, pela sua capacidade polémica e pela sua retórica política inspiradora, embora apoiantes, incluindo antigos professores seus, e detractores se pusessem de acordo em dizer que os detalhes práticos não eram o seu forte. Ele preferia focar-se nas grandes ideias e nos grandes planos".


Goffredo Adinolfi lembra no italiano Il Manifesto que Soares combateu a ditadura fascista e admite que "não era uma figura incontestada, e é justo que assim seja". A isto acrescenta que "até ao fim, a opinião de Soares contou muitíssimo, [foi] uma espécie de consciência a escutar em todos os momentos de dificuldade e de impasse".

Segundo Adinolfi, "já parece estranho pensar Portugal sem ele". Com a morte de Soares, diz também, "é um mundo que desaparece, o das paixões políticas totalizantes. Uma referência a tomar, uma das últimas, certamente a última de uma era extraordinária: a do antifascismo e da Revolução dos Cravos".
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