China. Mutação genética em embriões pode levar a morte precoce

por Joana Raposo Santos - RTP
O cientista He Jiankui modificou o gene CCR5 em dois embriões em 2018 Reuters

No ano passado, o cientista chinês He Jiankui modificou intencionalmente o gene CCR5 em embriões humanos, com o objetivo de lhes provocar uma mutação que acreditava ser benéfica para o sistema imunitário. Um estudo agora divulgado revela, porém, que esta mutação genética pode aumentar em 21 por cento o risco de morte precoce.

A proteína produzida pelo gene CCR5 representa um papel fundamental no sistema imunitário. No entanto, essa mesma proteína serve também de porta pela qual o Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) passa para infetar as células.

Cada um de nós possui duas cópias do gene CCR5, sendo que em algumas pessoas esse gene apresenta uma mutação que interrompe a produção da proteína, fechando assim a porta de entrada ao VIH e tornando os portadores da mutação imunes.

Foi esse o fenómeno que He Jiankui quis replicar quando modificou o gene CCR5 em dois embriões em 2018, o que resultou no nascimento de duas gémeas, conhecidas por Lulu e Nana, que possuem a mutação genética que o cientista acreditava ser positiva para a saúde das bebés.

Em janeiro, as autoridades chinesas consideraram que a experiência de Jiankui quebrou leis estatais e que o cientista apenas procurava “fama e lucro”. O caso tornou-se mediático e provocou indignação a nível internacional, mas o autor da experiência continua a dizer-se “orgulhoso” da mesma e a defender as suas vantagens.

Agora, um estudo publicado no jornal Nature Medicine revela o lado negativo da mutação e expõe as razões pelas quais esta não deve ser provocada intencionalmente.
Morte antes dos 76 é mais provável
Para perceber se a mutação do gene CCR5 seria positiva no geral, os autores do estudo, publicado na segunda-feira, analisaram dados relacionados com a genética e as causas de mortalidade de mais de 400 mil pessoas presentes numa base de dados britânica.

Os cientistas concluíram que as pessoas com mutação nas duas cópias do CCR5 possuem mais de 20 por cento de probabilidade de morrer antes dos 76 anos de idade do que pessoas sem essa mutação ou com mutação em apenas uma das cópias do gene.

“Não possuímos dados suficientes para dizer com toda a certeza qual é o mecanismo que potencia a mortalidade”, confessou o professor universitário e coautor Rasmus Nielsen, mas estudos anteriores mostraram que a mutação aumenta a probabilidade de contrair vírus como o da gripe ou o do Nilo Ocidental, transmitido por um tipo de mosquitos.

Nielsen defende ainda que, ao utilizar tecnologias de modificação de genes, se deve “ter muito cuidado em relação aos possíveis efeitos de uma mutação”, pois esta “não significa apenas um efeito”, mas sim vários, podendo alguns deles ser prejudiciais.
Modificação é “irresponsável”
O coautor esclarece, no entanto, que é importante continuar a estudar eventuais curas para o VIH e que as mutações podem ser o caminho a seguir nos casos de pessoas que já estejam infetadas com o vírus.

Já Hans-Peter Kiem, professor da Univerdade de Washignton, sublinha que o recente estudo realça que a modificação de qualquer gene que possa ser passado para a descendência “é irresponsável e não deveria ser realizada, dadas as potenciais e desconhecidas consequências”, cita a CNN.

De acordo com Kiem, pessoas que possuam a mutação em apenas uma das cópias do gene são as que mais beneficiam de efeitos imunitários, com proteção contra VIH mas com riscos de mortalidade normais e não acima da média.
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