Gotas de água e buracos negros reagem da mesma forma à energia

por Nuno Patrício - RTP
Carlos Herdeiro e Eugen Radu do Departamento de Física da Universidade de Aveiro Universidade de Aveiro/DR

Há mais semelhanças do que pensamos entre as coisas simples e as estruturas complicadas que compõem o universo. Por exemplo, há quem compare uma simples gota de água com os buracos negros.

A comparação não é totalmente descabida, nem absurda e é explicada através da ciência. Mas recuemos no tempo, até ao ano de 1879. O físico britânico Lord Rayleigh, prémio Nobel da Física pela descoberta do gás nobre Árgon, demonstrou nessa altura que uma gota de água isolada de forças externas (incluindo o campo gravítico) tem uma forma esférica.

Rayleigh provou ainda que esta forma, se ligeiramente perturbada, oscila ligeiramente e retoma novamente a forma esférica.

É precisamente este efeito comportamental que os buracos negros, esféricos por natureza, executam quando perturbados. Uma conclusão do investigador Carlos Herdeiro, da Universidade de Aveiro (UA).

“Se tivermos uma gota de água na Estação Espacial, onde a gravidade é muito reduzida, [a água] vai ter uma forma esférica. E para além de ter essa forma esférica, se a perturbamos e agitarmos um bocadinho, ela oscila e vai tentar voltar a forma esférica. E o paradigma dos buracos negros é algo semelhante”, explica Carlos Herdeiro à RTP Notícias.

Carlos Herdeiro, investigador do Departamento de Física e do Centro para a Investigação e Desenvolvimento da Matemática e Aplicações (CIDMA) da UA, afirma que, se não houvesse energia ou cargas magnéticas carregadas energeticamente, muito do nosso universo apenas usaria a lei da gravidade, obrigando os objetos (mais volumosos) à forma esférica.

Tal “como acontece aos planetas e estrelas”, refere o investigador. E a esta realidade não escapam nem os buracos negros.

"Quanto maior é a gravidade, o corpo tende a ficar mais esférico. Porque qualquer diferença de gravidade tende a ser a ser esmagada pelo próprio campo gravitacional. E o buraco negro é um corpo com a maior gravidade que pode imaginar. E por isso mesmo é o corpo mais esférico que possa imaginar", remata Carlos Herdeiro.


Buraco Negro. Uma região onde o espaço-tempo se comporta de forma estranha
São cada vez mais numerosas as evidências que permitem extrapolar do que nos rodeia diariamente para os elementos presentes no espaço. Um fator normal, visto que as leis da física se mantêm no universo, razão pela qual a comparação entre uma gota de água e um “buraco negro” não é assim tão 'fora da caixa'.

É exatamente essa comparação que é feita no artigo assinado por Carlos Herdeiro e Eugen Radu, também da UA, em colaboração com dois outros investigadores da Universidade de Valência (Espanha).

Publicado na revista Physical Review Letters, o estudo mostra que, afinal, buracos negros carregados podem comportar-se de uma forma muito semelhante a uma gota de água com carga elétrica.

Neste trabalho, os investigadores mostram que, tal como a gota de água, os buracos negros carregados apenas têm que ser esféricos até um certo limiar de carga. “A partir desse limiar, outras formas não esféricas tornam-se possíveis, e até preferenciais, exatamente como no caso das gotas carregadas”, aponta Carlos Herdeiro.

O ingrediente fundamental que permitiu aos investigadores da UA encontrarem este novo comportamento de buracos negros carregados, foi considerar a interação entre o campo eletromagnético e outras partículas.

Além de mostrar que estes buracos negros não esféricos existem, o artigo demonstra que, para o caso mais simples, esta transferência de energia e carga elétrica do buraco negro para a nuvem de partículas em seu redor pode ocorrer dinâmica e espontaneamente.
Ciência usa o que está próximo para buscar explicação do todo
A comparação entre a gota de água e um buraco negro pode parecer descabido, mas a ciência olha para o “todo” de forma analítica, através da comparação, experimentação e conclusão, explica Carlos Herdeiro.

"A ciência... o que nos tem mostrado é que isso [paralelismos] é possível em muitos contextos. Ou seja, nós conseguimos fazer sentido do mundo muito exótico, de estrelas que nós não temos aqui ao nosso lado, nem no nosso laboratório, de buracos negros e de átomos, tentando fazer paralelismos com coisas que nos são familiares", diz Herdeiro.

"Acima de tudo, a lei da física tem uma certa universalidade", acrescenta.

O estudo dos investigadores da Universidade de Aveiro "Spontaneous scalarisation of charged black holes”, publicado este mês na Physical Review Letters, pode ser consultado aqui.
Tópicos
pub