No quotidiano humano é perfeitamente normal surgirem conversas de acontecimentos passados, presentes e até de alguns já programados no futuro. Sem sentido de presunção, este era um dom que se pensava exclusivo do homo sapiens. Mas, como a curiosidade cientifica procura sempre saber mais sobre o comportamento social animal, surgem factos e comportamentos que colocam outras espécies mais perto das nossas capacidades do que inicialmente aparentam ter.
Exemplo disso é a descoberta que chega das florestas de Sumatra, Indonésia, em que os cientistas confirmam que os orangotangos também são capazes de contar às suas crias situações e acontecimentos sobre o passado. E as crias, recetivas, entendem.
A experiência consistiu em colocar as fêmeas orangotango, quando estas estavam isoladas com os filhos, numa situação de stress. Para isso um cientista disfarçou-se de tigre e aproximou-se do grupo orangontango.
Perante a presença do tigre "ficamos surpresos com o silêncio dela", diz Josep Call, um dos autores da descoberta, "mas mais ainda do que se passou a seguir. Onde registamos uma conversação entre mãe e filhos sobre os acontecimentos".
Perante tal cenário - a presença de um "tigre" -, no momento em que a mãe orangotango estava com os filhotes, desencadeou-se uma reação com que os investigadores não contavam.
Se estes esperavam um alerta generalizado, com gritos por parte da símia, a surpresa surgiu quando esta mãe apenas procurou colocar seus filhos em segurança. A mesma permaneceu em silêncio, defecou e urinou, atributos naturais de defesa que provocariam um normal afastamento do predador, devido aos maus odores.
"Ficamos surpresos com o silêncio dela", diz Josep Call, um dos autores da descoberta, "mas mais ainda com o que se passou a seguir, quando notámos uma conversa entre mãe e filhos sobre os acontecimentos".
O que aconteceu a seguir foi de facto surpreendente. Segundo os cientistas, a mãe oragotango, junto dos seus filhos no cimo de uma árvore, vocalizou vários sons, que os filhos escutavam atentamente.
Entre os 24 casos em que várias fêmeas foram sujeitas a este tipo de experiência e choques, há uma clara correlação entre a idade das crias e as atitudes das mães para explicar o que aconteceu.
"Sabemos que este tipo de vocalizações é utilizado em tais situações e conflitos. Isto demonstra claramente que eles percebem estes casos como uma ameaça e transmitem-na", explica um dos cientistas da Universidade de St. Andrews, que publica este estudo na Science Advances.
Josep Call e Adriano R. Lameira apesar da descoberta mostram-se cautelosos com seus próprios resultados, mas há muitos elementos marcantes no trabalho apresentado que corroboram a hipótese.
Por exemplo, entre os 24 casos em que várias fêmeas foram sujeitas a este tipo de experiência e choques, há uma clara correlação entre a idade das crias e as atitudes das mães para explicar o que aconteceu. Quanto mais velha é a cria, maior é a verbalização por parte da progenitora perante estes casos. Digamos que, a exemplo dos nossos filhos adolescentes, quanto maiores e mais adultos se sentem mais se expõem ao perigo, razão pela qual as mães-oragotango passam mais tempo a falar com estes, comparativamente aos mais novos, que praticamente seguem a mãe perante uma situação de risco.
Em média, as fêmeas demoram sete minutos para fazer essas vocalizações, atingindo 20 minutos com filhos mais velhos e mais "endiabrados".
Esta capacidade de falar de algo que não está presente é chamada de referência deslocada e foi alcançada em grandes símios, como os chimpanzés criados em cativeiro. "No laboratório isso é alcançado, mas nunca foi observado em comunicação natural ou em animais selvagens".
Já existiam algumas evidências, embora desvalorizadas. Quando estes grandes primatas realizavam viagens para fora do seu território, registava-se a presença de uma espécie de comunicação entre eles, mas nunca tida em conta pela comunidade cientifica como uma efetiva comunicação oral informativa entre membros da espécie.