Mães-orangotango relatam perigos aos filhos

por Nuno Patrício - RTP
Mãe oragotango demonsntra aos filhos os perigos passados. Reuters

No quotidiano humano é perfeitamente normal surgirem conversas de acontecimentos passados, presentes e até de alguns já programados no futuro. Sem sentido de presunção, este era um dom que se pensava exclusivo do homo sapiens. Mas, como a curiosidade cientifica procura sempre saber mais sobre o comportamento social animal, surgem factos e comportamentos que colocam outras espécies mais perto das nossas capacidades do que inicialmente aparentam ter.

Exemplo disso é a descoberta que chega das florestas de Sumatra, Indonésia, em que os cientistas confirmam que os orangotangos também são capazes de contar às suas crias situações e acontecimentos sobre o passado. E as crias, recetivas, entendem.

A experiência consistiu em colocar as fêmeas orangotango, quando estas estavam isoladas com os filhos, numa situação de stress. Para isso um cientista disfarçou-se de tigre e aproximou-se do grupo orangontango.
Perante a presença do tigre "ficamos surpresos com o silêncio dela", diz Josep Call, um dos autores da descoberta, "mas mais ainda do que se passou a seguir. Onde registamos uma conversação entre mãe e filhos sobre os acontecimentos".
Perante tal cenário - a presença de um "tigre" -, no momento em que a mãe orangotango estava com os filhotes, desencadeou-se uma reação com que os investigadores não contavam.

Se estes esperavam um alerta generalizado, com gritos por parte da símia, a surpresa surgiu quando esta mãe apenas procurou colocar seus filhos em segurança. A mesma permaneceu em silêncio, defecou e urinou, atributos naturais de defesa que provocariam um normal afastamento do predador, devido aos maus odores.


"Ficamos surpresos com o silêncio dela", diz Josep Call, um dos autores da descoberta, "mas mais ainda com o que se passou a seguir, quando notámos uma conversa entre mãe e filhos sobre os acontecimentos".

O falso tigre permaneceu pouco mais de dois minutos e meio no local, afastou-se e desapareceu do horizonte da fêmea.
O que aconteceu a seguir foi de facto surpreendente. Segundo os cientistas, a mãe oragotango, junto dos seus filhos no cimo de uma árvore, vocalizou vários sons, que os filhos escutavam atentamente.
Entre os 24 casos em que várias fêmeas foram sujeitas a este tipo de experiência e choques, há uma clara correlação entre a idade das crias e as atitudes das mães para explicar o que aconteceu.
"Sabemos que este tipo de vocalizações é utilizado em tais situações e conflitos. Isto demonstra claramente que eles percebem estes casos como uma ameaça e transmitem-na", explica um dos cientistas da Universidade de St. Andrews, que publica este estudo na Science Advances.

Josep Call e Adriano R. Lameira apesar da descoberta mostram-se cautelosos com seus próprios resultados, mas há muitos elementos marcantes no trabalho apresentado que corroboram a hipótese.

Por exemplo, entre os 24 casos em que várias fêmeas foram sujeitas a este tipo de experiência e choques, há uma clara correlação entre a idade das crias e as atitudes das mães para explicar o que aconteceu. Quanto mais velha é a cria, maior é a verbalização por parte da progenitora perante estes casos. Digamos que, a exemplo dos nossos filhos adolescentes, quanto maiores e mais adultos se sentem mais se expõem ao perigo, razão pela qual as mães-oragotango passam mais tempo a falar com estes, comparativamente aos mais novos, que praticamente seguem a mãe perante uma situação de risco.


Em média, as fêmeas demoram sete minutos para fazer essas vocalizações, atingindo 20 minutos com filhos mais velhos e mais "endiabrados".

Esta capacidade de falar de algo que não está presente é chamada de referência deslocada e foi alcançada em grandes símios, como os chimpanzés criados em cativeiro. "No laboratório isso é alcançado, mas nunca foi observado em comunicação natural ou em animais selvagens".

Já existiam algumas evidências, embora desvalorizadas. Quando estes grandes primatas realizavam viagens para fora do seu território, registava-se a presença de uma espécie de comunicação entre eles, mas nunca tida em conta pela comunidade cientifica como uma efetiva comunicação oral informativa entre membros da espécie.

De acordo com Jacob Call, o orangotango passa muito tempo com os jovens, até aos nove anos de idade, e ao contrário do que acontece com outros grandes primatas, as crias crescem sozinhas com suas mães. "Os outros macacos aprendem com mais membros do grupo, vendo e interagindo com eles, o que proporciona mais oportunidades de aprendizagem, que no caso dos orangotangos são reduzidos", explica. "Se a mãe não reage a tal situação, as oportunidades de aprendizagem ficam ainda mais reduzidas. Razão pela qual faz todo o sentido que elas (fêmeas) tivessem desenvolvido uma capacidade que implica aprendizagem e consequente forma de ensinar aos seus sucessores.”
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