Covid-19. Os países mais pobres vão ter acesso às vacinas?

por Cristina Sambado - RTP
Lucy Nicholson - Reuters

A notícia dos esforços da farmacêutica norte-americana Pfizer e da empresa de biotecnologia alemã BioNetch para produzirem uma vacina com uma eficácia de 90 por cento contra a Covid-19 foi aplaudida mundialmente. No entanto, a maior parte das vacinas já foi reivindicada pelos países mais ricos. E os mais pobres, também vão ter acesso?


A Pfizer afirma que pode fabricar até 50 milhões de doses até ao final de 2020 e mais de 1,3 mil milhões em 2021.

Alguns governos já começaram a afirmar às suas populações que receberão a vacina até ao Natal. Mas como vai funcionar a distribuição deste número tão reduzido de doses a nível global?

Pelo menos 500 milhões de vacinas já foram reservadas por países considerados ricos, incluídos os Estados Unidos da América, Reino Unido, Canadá, Austrália e União Europeia, com o potencial para aumentar as encomendas para mil milhões por meio de compra antecipada. Esses acordos funcionam porque os países pagam para reservar doses a um preço acordado na tentativa de garantir o acesso prioritário.

Os dois cientistas recordam que durante a pandemia da gripe suína em 2009, o uso desses acordos foi generalizado, de tal forma que a maioria dos fabricantes da vacina afirmaram que não era possível fornecer dez por cento do stock das vacinas às agências das Nações Unidas devido a compromissos pré-existentes com os países mais ricos. Os países mais pobres fazem pressão pela equidade no acesso a vacinas e tratamentos há vários anos, sabendo que os acordos baseados nos mercados globais de saúde favorecem os países mais desenvolvidos e com os cofres dos estados mais recheados. Isso foi visto no acesso a retrovirais contra a HIV na década de 1990.

A possibilidade de os países mais ricos terem acesso à vacina mais cedo é um facto garantido. Por esse motivo, a parceria público-privada de saúde GAVI, a fundação CEPI e a Organização Mundial de Saúde estabeleceram a Covax no início de 2020.

A Covax foi criada para uma distribuição equitativa da vacina contra a Covid-19 por meio de acordos de compra conjunta, permitindo a todos os países, independentemente dos meios, comprem vacinas.

A Covax tem como objetivo obter vacinas suficientes para que os países possam imunizar pelo menos 20 por cento da população.

Os países mais ricos que contribuem para a Covax fazem-no como uma espécie de apólice de seguro se os outros acordos comerciais que têm em vigor não se concretizarem. Já os países mais pobres veem a Covax como um salva-vidas para ter acesso à vacina.

No entanto, a vacina da Pfizer não faz parte da Covax, apesar de existir uma manifestação de interesse para um eventual fornecimento.


Apesar de a GAVI ter acordos para o fornecimento de nove vacinas, incluindo a promissora da AstraZenaca com a Universidade de Oxford, o aparente sucesso da vacina da Pfizer levanta dúvidas profundas sobre a possibilidade de as vacinas bem-sucedidas puderem chegar aos países mais pobres.

Mesmo que a Covax negociasse agora com a Pfizer, não está claro quando a vacina estaria disponível nos países mais pobres.

Para Clare Wenham e Mark Eccleston-Turner, as principais questões permanecem: como é que as doses adquiridas por meio de acordos de compra antecipada vão ser distribuídas? Quem vai receber os primeiros lotes e como é que os outros vão ser distribuídos?

À medida que os países ricos ficam na linha da frente para a aquisição de vacinas, é necessário questionar a Covax sobre a garantia de poder fornecer aos profissionais de saúde nos países mais pobres.

Os cientistas recordam que a vacina da Pfizer não é a única na fase final de testes, existem atualmente dez vacinas na fase 3 de ensaios. 24 horas depois do anúncio da Pfizer, o Governo russo declarou que a vacina Sputnik V também deu provas de que é 90 por cento eficaz.

Alguns comentadores políticos consideram uma corrida global contra a vacina semelhante à corrida espacial, mas Clare Wenham e Mark Eccleston-Turner frisam que é necessário ir mais longe que as analogias desatualizadas da Guerra Fria.

Essa análise ignora, em primeiro lugar, o papel vital representado pelos países de rendimentos médios no desenvolvimento de vacinas.

Além disso, algumas das principais empresas de biotecnologia com capacidade de produção estão no Brasil e na Índia.

Em segundo lugar, há uma diferença entre as vacinas patrocinadas pelo Estado (Rússia e China) e as multinacionais como a Pfizer e a AstraZeneca.

Em terceiro lugar, a verdadeira corrida não é sobre que produz as vacinas, mas sobre que tem acesso depois de fabricadas.

Clare Wenham e Mark Eccleston-Turner recordam que, infelizmente e apesar de atual pandemia ter deixado claro para todos os facto da nossa independência global, as populações mais desfavorecidas continuam a perder.
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