Arquiteto brasileiro Marcelo Ferraz quer recuperar conceito de "cidade para todos"

por Lusa

O arquiteto brasileiro Marcelo Ferraz defendeu hoje, num debate internacional `online`, que o conceito de "cidade democrática, para todos," deve ser recuperado, a par da sua história, preservando a sua ligação entre cidadania e património.

O arquiteto falava na `conferência-debate` "Cidadania e Património", realizada no âmbito do 27.º Congresso Mundial de Arquitetos, que decorre pela primeira vez no Brasil, a partir do Rio de Janeiro, promovido pela União Internacional de Arquitetos (UIA), e que decorre até julho sob o tema "Todos os mundos. Um só mundo. Arquitetura 21".

No debate `online`, participou também a arquiteta espanhola Fuensanta Nieto, e ambos apresentaram diversos projetos concluídos ou em curso, nos quais trabalham diretamente com a recuperação de edifícios históricos, adaptados sobretudo a museus e teatros.

"A cidade vem sendo questionada pela pandemia. Face a esta realidade de estarmos confinados, parece que a cidade falhou, mas temos de acreditar que esta situação vai ser superada, e temos de retomar o conceito da cidade para todos, a cidade democrática, com história", apelou.

Falando diretamente "para os jovens arquitetos e estudantes, que serão os responsáveis pela construção das cidades de hoje e de amanhã", Marcelo Ferraz defendeu, sobre o património histórico, uma visão de respeito pela memória, mas também utilitária e adaptada ao tempo presente.

"A questão do património histórico deve ser vista pela necessidade e do uso, e não apenas de restaurar e conservar. O seu valor está ligado ao uso e à necessidade, seja de ordem material ou espiritual, onde se inclui a memória, a estética", sublinhou, considerando que a visão contrária "não faz sentido".

Antigo colaborador da arquiteta de origem italiana Lina Bo Bardi, durante 15 anos, e de Óscar Niemeyer, em 2002, Marcelo Ferraz foi um dos fundadores do escritório Brasil Arquitetura, e foi também diretor do programa Monumenta, do Ministério da Cultura do Brasil, para recuperação de cidades históricas.

Em 2019, esteve na Casa da Arquitetura, em Matosinhos, no âmbito da exposição "Infinito Vão", sobre 90 anos da arquitetura brasileira, para falar do gabinete que ajudou a fundar, das suas quatro décadas de atividade, e de projetos como o Museu do Pão, Museu da Imigração Japonesa, Museu Cais do Sertão e a Praça das Artes, que concretizou em zonas do Brasil, muito distintas entre si.

"Um projeto de intervenção pode alterar usos e criar outros, mas deve explicitar com clareza os seus propósitos", afirmou o arquiteto brasileiro, fazendo ainda referência à "responsabilidade civil e social" dos arquitetos, porque, disse, as ações destes profissionais "afetam a vida de todas as pessoas".

Ao longo de hora e meia de debate, por várias vezes o arquiteto reafirmou a crença nas cidades, vendo-as como "talvez o maior artefacto humano, em conjunto com a língua".

"Nossas ações [dos arquitetos] devem ser construtivas porque é um trabalho invasivo da vida das pessoas. Devemos enfatizar o respeito do passado, a simbologia e os mitos, mas não um respeito cego, porque toda a arquitetura deve procurar um bom funcionamento da vida contemporânea", argumentou o autor de projetos como a recuperação do Teatro Polytheama, em Jundiaí, de adaptação do edifício histórico que acolhe a extensão do Museu Rodin, em São Salvador da Baía, ou do Museu do Pampa, em Jaguarão, todos no Brasil.

Marcelo Ferraz é também um dos fundadores da Marcenaria Barauna, em São Paulo, onde projeta e produz móveis de madeira desde 1987, inspirados na produção local, e é autor de livros como "Arquitetura Rural na Serra da Mantiqueira" e "Arquitetura Conversável".

A arquiteta espanhola Fuensanta Nieto, na mesma linha de Ferraz, falou no esforço que tem feito, no seu trabalho, para conciliar os elementos históricos e a contemporaneidade: "O edifício histórico não é algo fechado, está em aberto, e é preciso percebê-lo, a forma como foi pensado, a forma como a história o transformou, e então decidir como recuperá-lo".

"É preciso perceber as raízes para preservar a memória, criar algo que tem a ver com o tempo presente, e a pensar no futuro", defendeu.

Nieto recordou a importância da arquitetura expressa em edifícios emblemáticos que são muitas vezes apropriados como símbolos de cidades ou países, como é o caso do Coliseu de Roma, a Ópera de Sidney, na Austrália, ou a Torre Eiffel, em Paris.

Relativamente à crise pandémica e ao seu impacto no setor, Fuensanta Nieto opinou que "o arquiteto tem de ser um otimista, porque faz algo que transforma a vida das pessoas", e, operando no património histórico, defendeu que "deve ser visto na importância do contexto passado, com os seus lados positivos e os seus erros".

Fuensanta Nieto é uma das mais destacadas arquitetas espanholas da atualidade, fundadora, com Enrique Sobejano, do gabinete Nieto Sobejano Arquitectos, e autora de projetos para museus icónicos como o San Telmo, em San Sebastian, o Centro de Arte Contemporânea, em Córdoba, o museu Madinat al-Zahra, para a medina, também em Córdoba, classificada como património mundial, e o Palácio de Congressos de Zaragoza -- todos em Espanha --, assim como o anexo do Joanneum Museum, em Graz, na Áustria, e o Centro Arvo Pärt, na Estónia, dedicado ao compositor, que esteve entre os finalistas para o prémio Mies van der Rohe, em 2019.

Com Enrique Sobejano, Fuensanta Nieto recebeu a Medalha Alvar Aalto, da Finlândia, em 2015, que também distinguiu os arquitetos portugueses Álvaro Siza e Paulo Davi, em anos anteriores.

O 27.º Congresso Mundial de Arquitetos esteve inicialmente previsto para decorrer em 2020, mas foi adiado para 18 a 22 de julho 2021, devido à pandemia covid-19, decorrendo atualmente apenas em formato `online`, em "Semanas Abertas" de debates, entre março e junho, antes da etapa presencial a realizar em julho, no Rio de Janeiro.

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