Cineasta Miguel Gomes convidado da FLIP que homenageia "Sertões" e Euclides da Cunha

por Lusa

Paraty, Brasil, 15 mai 2019 (Lusa) - O realizador português Miguel Gomes, que está a filmar uma adaptação do romance "Os Sertões" do escritor brasileiro Euclides da Cunha, é um dos convidados da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), cuja programação se centra precisamente naquele autor.

O programa da 17.ª Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) 2019, que decorre de 10 a 14 de julho naquela cidade brasileira do Estado do Rio de Janeiro, a meio caminho de São Paulo, e cujo orçamento se estima em 5,7 milhões de reais (perto de 1,3 milhões de euros), foi hoje apresentado pela organização.

A edição deste ano da FLIP homenageia o escritor brasileiro Euclides da Cunha (1866-1909), sociólogo e autor de "Os Sertões", que foi correspondente de O Estado de São Paulo (1896-1897), razão por que toda a programação foi desenhada em função da relação entre este escritor, outras linguagens e o território brasileiro, explicou a curadora do festival, Fernanda Diamant.

Segundo a responsável, a homenagem a Euclides surge por ser um autor de não ficção, mas que, ao mesmo tempo, é "alta literatura, um clássico da literatura estudado nas Letras", por ser alguém que, nos seus ensaios, trata do Brasil, que viajou e conheceu o Brasil até à Amazónia.

"Ele faz n``Os Sertões`, principalmente, uma retrospetiva da História do Brasil para chegar ao momento da revolta dos Canudos. Achei que, neste momento que estamos vivendo, seria perfeito falar de tudo isso", afirmou, acrescentando que foi a partir desta ideia que decidiu dar às mesas do festival nomes de cidades, rios e pontos geográficos do sertão da Baía, como que constituindo um mapa, um "esboço geográfico do sertão de Canudos".

A professora universitária Walnice Nogueira Galvão, especialista na obra de Euclides da Cunha e de Guimarães Rosa, abre a primeira mesa - "Canudos" --, no dia 10 de julho, quarta-feira, para homenagear o autor de "Os Sertões" e, simultaneamente, falar do seu trabalho dedicado ao ensino e ao ensino na universidade pública, um assunto que especialmente hoje em dia é "muito forte", como sublinhou a curadora.

Fernanda Diamant destacou que este ano a FLIP se organiza num formato com mesas mais curtas, com um convidado apenas, em que a ideia é "mexer no tempo e na forma como são pensadas: vão acontecer de várias maneiras, pode ser performance, uma conferência, uma entrevista".

A quinta-feira, 11 de julho, começa com Aparecida Vilaça, antropóloga que trabalhou no Museu Nacional do Brasil - destruído num incêndio, em setembro de 2018 -, investigadora na área das culturas indígenas há 30 anos, que irá falar da sua trajetória como pesquisadora e sobre o Museu Nacional.

Segue-se uma mesa sobre arquitetura, uma mesa musicada e cantada, com Adriana Calcanhoto, Guilherme Wisnik e Nuno Grande, arquiteto professor da Universidade de Coimbra, que escreve sobre arquitetura portuguesa.

Fernanda Diamant recordou que os três trabalharam juntos na exposição "Infinito Vão -- 90 Anos de Arquitetura Brasileira", que está na Casa da Arquitetura, em Matosinhos, e que foi pontuada com canções representativas dos momentos históricos.

"A Adriana [Calcanhoto] e o Nuno [Grande] fizeram uma apresentação -- o Nuno fez projeções de imagens, a Adriana cantou [na Casa da Arquitectura] -, e a minha ideia não é que repitam, mas reinventem isso com a ideia de misturar música, literatura, imagem e arquitetura na FLIP".

Ainda neste dia haverá outras apresentações em diversas mesas, entre as quais uma em que se falará sobre a relação entre Carlos Drummond de Andrade, a poesia e a mineração, sem esquecer o recente acidente com a barragem de mineração em Mariana, Minas Gerais, que será abordado mais à frente numa mesa dedicada ao meio ambiente e às alterações climáticas.

A autora americana Kristen Roupenian, autora do conto "Cat Person", que se tornou viral na revista The New Yorker, e a canadiana Sheila Heti discutem a maternidade e os comportamentos ambíguos das pessoas; a fotógrafa Maureen Bisilliat, de 88 anos, falará sobre a sua carreira, que junta fotografia com obras de autores brasileiros, entre as quais "Os Sertões", e o angolano Kalaf Epalanga e o franco-ruandês Gaël Faye, ambos saídos de situações graves nos países de origem, ambos músicos e romancistas estreantes, debatem o deslocamento e o ser negro na Europa.

Marcelo D`Salete, autor da premiada banda desenhada "Cumbe", sobre a luta contra a escravatura, e uma ativista que trabalha com quilombos, debruçam-se sobre os movimentos sociais, na sexta-feira, 12 de julho, enquanto noutra mesa, no mesmo dia, uma autora israelita e outra nigeriana falam sobre as sociedades, sobre ser mulher onde existem regras estritas de relação e sobre países que vivem em tensão política.

O historiador José Murilo de Carvalho vai falar da sua carreira como historiador, focando-se na Revolta dos Canudos (1896-1897), que levou à destruição de uma comunidade, e na história do exército, enquanto Grada Kilomba, escritora e performer, que também está a lançar o seu livro "Memórias da Plantação. Episódios de Racismo Quotidiano", no Brasil, abordará o feminismo negro.

No sábado, a organização destaca a participação de Ismail Xavier, teórico de cinema e estudioso de Glauber Rocha, numa mesa com Miguel Gomes, que está a filmar uma adaptação de "Os Sertões", com o título "Selvajaria". O cineasta vai falar sobre esse projeto.

A contista Cármen Maria Machado e a ativista LGBT Jarid Arrais falam da subversão dos géneros literários, havendo ainda lugar a mesas dedicadas à ciência, à ficção científica, com a escritora argentina Mariana Enriquez, e às alterações climáticas, com a participação dos jornalistas Cristina Serra e David Wallace-Wells.

No domingo, 14 de julho, o encerramento da FLIP, com a tradicional mesa "Livro de cabeceira" contará com o navegador Amir Klink como convidado, que falará sobre as suas viagens, numa ligação ao conhecimento do mundo e à exploração, também presentes em Euclides.

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