Elon Musk. Promessas de liberdade de expressão embrulhadas no cheque de 44 mil milhões pelo Twitter

por RTP
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Elon Musk assume-se por estes dias como o paladino do discurso livre e da liberdade de expressão. Uma justificação que lançou em adenda aos 44 mil milhões de dólares que disponibilizou para se tornar dono do Twitter, a rede "onde estão todos os poderosos". Todos, menos Donald Trump, banido no advento do ataque ao Capitólio, a 6 de Janeiro de 2021, e após anos de mensagens cheias de falsidades e apelos ao ódio. Muitos são os que lêem nas entrelinhas das declarações de Musk - dono da Tesla e do SpaceX - uma promessa de regresso do ex-presidente dos Estados Unidos ao Twitter como um filho pródigo.

As questões que se colocam neste momento são: “O que leva Elon Musk a dar 44 mil milhões pelo Twitter? A liberdade de expressão proposta significará mais discurso de ódio na rede?”. Se a resposta à primeira poderá estar na cartilha de empresário de um empreendedor que domina a corrida espacial privada e o negócio dos automóveis eléctricos, a segunda remete já para a própria fundação da democracia. E não pelos melhores motivos, a ajuizar pela reacção da extrema-direita e dos supremacistas brancos.

“É apenas uma questão de tempo até Elon pôr as coisas a andar e recuperarmos as nossas contas”, escreveu um influencer da QAnon na plataforma Telegram, para onde foram remetidos muitos dos elementos desta organização que veicula teorias conspiracionistas.

O Twitter, nos primeiros tempos uma rede onde o discurso tinha rédea livre, face à crescente bipolarização radical de ideologias no espaço público, aplicou nos últimos anos uma política de controlo dos conteúdos que baniu de forma irremediável algumas das vozes mais activas e simultaneamente mais extremistas na rede. O caso de Donald Trump é o exemplo mais paradigmático da nova linha contra a transgressão, já que se trata de um ex-presidente dos Estados Unidos.

Mas Trump não foi caso único. Já em 2016 a plataforma havia suspendido utilizadores como Richard Spencer, então porta-voz do movimento supremacista branco Alt-Right, e dois anos depois, em 2018, foram expulsas do Twitter dezenas de figuras de extrema-direita, incluindo Gavin McInnes, que fundou o grupo extremista Proud Boys, e o teórico da conspiração Alex Jones. Uma autêntica purga aconteceu na sequência da insurreição de 6 de janeiro de 2021, com a saída de dezenas de apoiantes da campanha “Stop the Steal”, que alega que as presidenciais de 2020 nos Estados Unidos foram roubadas.

No início deste ano, a conta pessoal da congressista republicana Marjorie Taylor Greene foi proibida por partilhar repetidamente desinformação sobre a pandemia de covid-19. Entretanto, Greene já tweetou na sua conta oficial do Twitter: "Tragam de volta o presidente Trump. Tragam de volta a minha conta pessoal. Tragam de volta o Dr. Robert Malone. Tragam de volta o Alex Jones. Tragam Milo Yiannopoulos de volta. Tragam de volta a nação cancelada. Tragam de volta a liberdade de expressão. Tragam de volta a América!”.

Trump de volta ao Twitter?

A questão que muitos colocam é se o novo senhor do Twitter está disposto a receber todos estes proscritos assim que assumir o controlo. O próprio Elon Musk, fundador das empresas Tesla e SpaceX, deixou várias pistas para o que será o novo receituário da rede, ao mostrar-se disposto a acolher os seus críticos mais ferozes na agora sua casa, que diz ser "a praça pública digital onde se debatem questões vitais para o futuro da humanidade”.

No entanto, e apesar dos desejos dos seus mais fervorosos seguidores, o ex-presidente americano não parece disposto a vestir o fato do filho pródigo e diz que já não quer reaver a sua conta no Twitter, que o baniu após a invasão do Capitólio em Washington e onde tinha 90 milhões de seguidores.

De acordo com declarações ao canal Fox News, outra das suas plataformas de eleição, Donald Trump estará mais interessado em dinamizar a sua própria rede, a Truth Social, por estes tempos pouco mais do que morta, apesar das expectativas do ex-presidente. Trump promete juntar-se à rede nos próximos sete dias.

“Espero que Elon compre o Twitter, ele fará melhorias e ele é um homem bom, mas vou ficar na Truth”, declarou Trump.

Outra ideia tem Lara Trump, nora do ex-presidente e colaboradora da Fox News. “Vamos ver o que significa isto para o meu sogro, mas o facto de haver organizações terroristas autorizadas a permanecer no Twitter e o ex-presidente dos Estados Unidos não estar lá é absolutamente ultrajante”.

“Aposto que há milhões de norte-americanos que gostariam de vê-lo de volta”, sublinhou Lara Trump.

Em latitudes mais a Sul, a expectativa não é diferente. O brasileiro Bruno Aiub, podcaster e ex-apresentador do Flow Podcast que dá pelo apelido de Monark, saudou efusivamente a compra do Twitter por Elon Musk: “Legal saber que agora temos o Twitter no time da liberdade de expressão, graças à compra por Elon Musk liberdade vai vencer a guerra cultural”.

Monark foi banido do YouTube ao defender a criação de um partido nazi no Brasil e é actualmente alvo de uma investigação pela Procuradoria-Geral da República e pelo Ministério Público de São Paulo por suspeita de apologia do nazismo.

Mas não é o único brasileiro com bons sentimemtos para o que será esta nova vida no Twitter, já que aliados e simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro vêem esta aquisição de Musk como uma acção no sentido da “defesa da liberdade”.

Como sublinha a imprensa do país, um dos filhos de Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, escreveu já que os parlamentares brasileiros de esquerda “não vão dormir com a possibilidade de o Twitter ficar livre”.

O próprio presidente, investigado pelo Supremo Tribunal Federal por divulgação de notícias falsas sobre a covid-19 e o sistema eleitoral, partilhou a publicação em que Musk pede aos críticos para o seguirem no Twitter. Em sentido contrário, Bolsonaro recomenda porém um artigo que explica como desactivar a conta e que dirige aos que não “querem ficar no Twitter de Elon Musk”.

Twitter, por onde vais

“Até agora, o Twitter tem-se inclinado para uma definição diferente de liberdade de expressão, esta ideia de que ao reduzir o assédio e o ódio evidente se cria uma abertura para o maior número possível de vozes se expressarem”, considera Emerson Brooking, do Atlantic Council's Digital Forensic Research Lab.

“A concepção de Musk de liberdade de expressão é as pessoas poderem expressar coisas que são discurso de ódio ou mesmo direcionadas ao assédio contra outros utilizadores”, adverte.

É uma análise que encontra ecos nas ideias expressadas por Daryle Lamont Jenkins, um activista que tem monitorizado os extremistas nas últimas décadas. Jenkins manifesta-se céptico em relação ao paradigma de Musk na liberdade de expressão.

Na opinião deste activista, o Twitter vai ficar um ambiente mais hostil para pessoas de cor, judeus e para a comunidade LGBTQ se extremistas célebres e personalidades que se dedicam ao discurso de ódio online forem autorizadas a regressar.
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