Hesperonyx martinhotomasorum. A pata esquerda que deu à Lourinhã uma nova espécie de dinossauro do Jurássico

por Carla Quirino - RTP
Filippo Maria Rotatori (esq.) principal autor do estudo, Micael Martinho e Carla Tomás, preparadores dos fósseis, do Museu da Lourinhã Filippo Maria Rotatori - Museu da Lourinhã

Foi agora divulgada a descoberta de um novo dinossauro herbívoro bípede que palmilhou a formação geológica da Lourinhã, há 150 milhões de anos. Os paleontólogos identificaram os fósseis como uma a nova espécie dentro do grupo dos iguanodontes. A pata quase completa, semi-articulada, foi encontrada num afloramento rochoso do Jurássico Superior, perto da praia de Porto Dinheiro.

Chamaram-lhe Hesperonyx martinhotomasorum e tem um tamanho de corpo estimado entre três a quatro metros.

A designação martinhotomasorum foi atribuída ao mais recente dinossauro exposto no Museu da Lourinhã, como homenagem a Micael Martinho e Carla Tomás, pelo contributo na conservação de fósseis no laboratório do mesmo museu, combinando os seus apelidos.
De 2021 a 150 milhões de anos
Durante as escavações junto à Praia de Porto Dinheiro, o verão de 2021 presenteou um grupo de paleontólogos da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, com uma pata esquerda - pé e tíbia - semi-articulada, quase completa, de um dinossauro. Com a colaboração do Museu da Lourinhã, os fósseis foram preparados e investigados.
 
Sendo esta formação geológica atribuída ao Jurássico Superior, este indivíduo foi balizado nos 150 milhões de anos.

Filippo Maria Rotatori, autor principal do estudo, doutorando da Nova, afirma que ao observar os fósseis verificou "algo familiar mas - ao mesmo tempo - havia várias caracteristicas que pareciam incomuns".

"Era uma espécie de dinossauro herbívoro bípede, mas tal animal nunca tinha sido registado em Portugal" argumentou Rotatori. O investigador italiano decidiu viajar por vários países em busca de outros fósseis do mesmo grupo dos Ornitischia para decifrar eventuais semelhanças e diferenças.

Rotatori concluiu por fim: "É uma espécie nova. Mais um dinossauro no ecossistema altamente diversificado do jurássico português".

Ilustração de Victor Carvalho
A pata esquerda de uma espécie nova
Os investigadores apresentam então o novo dinossauro como um "iguanodontiano de pequeno porte, bastante raro no Jurássico da Europa".

Os iguanodontianos com a mesma linhagem do "Jurássico Superior, em particular, não são bem compreendidos em termos de suas afinidades sistemáticas e relevância evolutiva", explica o estudo.

O registo fóssil na Europa é escasso, com poucas espécies atualmente reconhecidas em comparação com as encontradas no território norte-americano.

Em termos de taxonomia estão atualmente identificados no Jurássico Superior de Inglaterra, "o styracosternan de ramificação basal Cumnoria prestwichii e o dryosaurid Callovosaurus leedsi".

Por sua vez, em Portugal, conhecem-se outras duas espécies que pertencem a um ramo ancestral comum do grupo. "O styracosternan Draconyx loureiroi e o dryosaurídeo Eousdryosaurus nanohallucis que são, até agora, os únicos iguanodontianos de ramificação basal descritos", diz o estudo.

A descoberta da pata esquerda semi-articulada do iguanodonte na praia de Porto Dinheiro pemitiu aos paleontólogos acrescentarem uma nova espécie do grupo dos iguanodontes.
"martinhotomasorum"  
Filippo Maria Rotatori comparou os fósseis dos espécimes conhecidos e fez uma leitura: este iguanodontiano destingue-se das taxonomias coevas porque apresenta "uma combinação exclusiva de características que incluem a configuração de muitas estruturas anatómicas da tíbia, metatarsos e falanges  que não concorda com o que se conhece em Portugal ou noutros locais", sublinha à RTP. 

"A tíbia tem um conjunto complexo de cristas, reentrâncias e processos ósseos muito peculiares por ser uma parte que está ligada ao movimento do animal e ao seu tamanho. O movimento e o tamanho também influenciam a morfologia e a resistência dos ossos do pé", descreve.  
 
Estas diferenças encontradas na investigação são indicadoras de que, por exemplo, a forma de caminhar do Hesperonyx martinhotomasorum seria diferente das espécies de ramo ancestral comum. O "Hesperonyx é um iguanodonte e a combinação de caracteristicas que estudámos está dentro do grupo dos iguanodontes".

"Cada combinação de caracteristicas é única para cada espécie individual que nós, paleontólogos, identificamos. Cada uma dessas combinações é analisada no contexto do grupo que estamos a estudar" vinca o paleontólogo.

"Considerámos a combinação de todos esses elementos para distinguir o Hesperonyx de outras espécies. Se tivéssemos considerado apenas um dado sem relação com os demais, por exemplo, as cristas da tíbia sem o formato das garras, não teríamos conseguido compreender a singularidade do espécime", argumenta Rotatori.

Além do "diálogo e a troca de informações entre colegas, que é fundamental para entender se a combinação identificada é sólida e correta",  foi também preciso percorrer um longo caminho no processo científico, onde a preparação dos fósseis é fundamental para se chegar à forma de cada osso.

Lucrezia Ferrari, co-autora do estudo e na altura mestranda da Universidade de Bona, teve a tarefa minuciosa de extrair os fósseis do Hesperonyx do sedimento e afirma que foi "muito desafiador".

"Alguns ossos estavam particularmente enfraquecidos por minerais derivados do processo de fossilização, por isso, além da preparação mecânica com vibrogravadores, também foi utilizada a limpeza manual dos achados", isto porque foi necessário "tomar um especial cuidado nas peças mais danificadas, devido à sua fragilidade que corria o risco de se esfarelar cada vez que era manuseado".


Lucrezia Ferrari durante a preparação dos fósseis - Filippo Rotatori / Museu da Lourinhã

Durante o processo de preparação do achado, Lucrezia sublinha que anatomia do animal deixou os investigadores apreensivos, pois "simplesmente não correspondia a nada que já tinhamos alguma vez visto".

E por fim a recompensa chegou: "diverti-me muito com novas técnicas preparatórias que levaram à descoberta de um novo dinossauro" exalta Ferrari, que agora trabalha no Museu de Stuttgart.
Nova janela do jurássico da Lourinhã
A importância da descoberta do Hesperonyx revela-se pelo menos sob três pontos de vista, destaca Rotator: "Conta-nos sobre a evolução dos dinossauros iguanodontes na Europa, que aparentemente eram muito diversos".

"Além disso, ajuda-nos a abrir uma janela para o mundo jurássico da Lourinhã há 150 milhões de anos: podemos compreender que este ecossistema era próspero e poderia suportar diferentes grupos de herbívoros". 

"É importante porque nos mostra mais uma vez o potencial do património geológico e paleontológico português e desta área em particular. Um património que tem relevância científica e cultural e do qual devemos cuidar. Um património que é da comunidade da Lourinhã, Portugal mas que na verdade devemos partilhar com todos. Isso é o que fazemos quando investigamos", conclui.
Os homenageados
Carla Tomás, doutoranda na Universidade de Saragoça, é chefe de laboratório do Museu da Lourinhã e responsável pela coleção de Paleontologia. Micael Martinho é técnico preparador de fósseis e tem tido um papel importante "nas descobertas de novos achados" da região, explica a investigadora.

"Coordenei a preparação deste espécime" que esteve nas mãos da Lucrezia, acrescenta.

Filippo decidiu "batizar o novo dinossauro com o nome de Martinho e Tomás para homenagiar o esforço que os dois fazem" em nome da paleontologia em Portugal. Carla diz ter ficado muito feliz: "Senti que era um reconhecimento pelo meu trabalho".

O resultado do estudo, realizado por paleontólogos das universidades Nova de Lisboa, Saragoça (Espanha) e Bona (Alemanha), em colaboração com o Museu da Lourinhã e a Sociedade de História Natural de Torres Vedras, está publicado na edição digital do Journal of Vertebrate Paleontology.

Esta investigação é financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, IP com Fundos Nacionais do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
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