Honras de Panteão Nacional para Sophia de Mello Breyner Andresen

por Teresa Nicolau/ Carlos Oliveira/ Pedro Pessoa

A escritora Sophia de Mello Breyner Andresen vai para o Panteão Nacional. A trasladação está marcada para esta quarta-feira, com um percurso que sai do Cemitério de Carnide, passando pelo Largo do Rato e pelo Parlamento.

A autora de "A menina do mar" marcou a literatura infantil e tocou a sensibilidade de um público adulto com textos que apenas pensara para serem lidos a crianças, ou lidos por elas. Um extenso rol de títulos destinados às crianças foi confirmando ao longo da vida o seu excepcional talento nessa especialidade.

Sophia era, por outro lado uma autora multifacetada e versátil, como se revela, por exemplo no poema "Para atravessar contigo o deserto do mundo", aqui apresentado em declamação de Cristina Branco.

Uma constante manteve-se entretanto, ao longo de toda a sua obra. A neta, Rita Sousa Tavares, recorda a atracção de Sophia pelo mar, que plasmou em inúmeros poemas: "Se lhe dessem a escolher entre um prémio literário e um último mergulho no mar, preferia o mergulho no mar".

A poeta - como se designava a si própria, de preferência a "poetisa" - assumia que a sua escrita estava concebida para transformar o mundo. Mas, como o mundo da ditadura salazarista não dava mostras de cair perante as trombetas da poesia, a escritora lançou mão dos meios mais clássicos da acção política. Empenhou-se então na solidariedade com os presos políticos e nos momentos cimeiros da oposição antifascista.

No 25 de Abril de 1974, foi poeta, com a quadra clássica sobre o "dia inicial inteiro e limpo"; e foi também cidadã, com a bagagem de quem nascera para a luta nos tempos de adversidade. As imagens de arquivo da RTP sobre a libertação dos presos políticos em Caxias não podiam deixar de registar a presença de Sophia, tão presente no movimento de solidariedade dos anos anteriores.

Envolveu-se depois na luta mais directamente política e em 1975 foi eleita para a Assembleia Constituinte pelo PS. Manuel Alegre cita-a como tendo dito que "o socialismo deve ser uma aristocracia para todos" - alusão às suas origens sociais e à costela monárquica que não enjeitava.Uma obra inspiradora de outras obras
Mas constituiria grave injustiça para a obra de Sophia procurar nela, e em relação com estes fragmentos de biografia política, os traços da instrumentalidade que sugere aquela sua declaração sobre o dever transformador da poesia. Para além de empenhamentos políticos concretos, Sophia continuou a ser criadora de uma obra com valor próprio e também com sentido inspirador para outras obras.

Isso mesmo assinalam numa peça sobre Sophia os jornalistas Luís Caetano e Pedro Teixeira Neves, ao apresentarem vários nomes grados da cultura portuguesa que duma forma ou doutra reconheceram a dívida contraída na amizade ou num estimulante intercâmbio de ideias e de experiências com a escritora.

Entre eles referem João César Monteiro, Bernardo Sassetti, Lopes Graça, Filipe La Feria, Janita Salomé, Francisco Fanhais, António Vitorino de Almeida, e também de artistas plásticos, como Graça Morais, Arpad Szenes ou Francisco Simões, e de escritores que a introduziram nas suas ficções como Agustina, Torga, Ruben A., João Cabral de Melo Neto. Os fascínio de tantos e tão variados autores pela personalidade de Sophia não seria estranho à "sabedoria mais funda do que o simples saber", que nela viu Eduardo Lourenço.
 
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