Ligação de Bernardo Santareno a navio Gil Eannes celebrada em peça de teatro amador

por Lusa

Quarenta atores amadores compõem o elenco da peça de "Gil Santareno Eannes" que se estreia, no dia 31, a bordo do navio Gil Eannes, em Viana do Castelo, para "celebrar" a ligação do médico e dramaturgo português àquela embarcação.

"O ponto de partida deste espetáculo comunitário foi a ligação de Bernardo Santareno ao navio-hospital. É um património único, uma pérola que não existe em mais lado nenhum do país. Bernardo Santareno foi médico em três navios de apoio à frota bacalhoeira portuguesa e só existe o Gil Eannes, fantasticamente recuperado", afirmou hoje à agência Lusa o diretor artístico do Teatro do Noroeste - CDV, Ricardo Simões.

Bernardo Santareno foi um dos médicos das longas campanhas, realizadas no final dos anos de 1950, integrado na equipa do navio hospital Gil Eannes -- mas viajando também em arrastões como Senhora do Mar e David Melgueiro --, onde testemunhou as precárias condições de higiene, de salubridade e as jornadas de trabalho, muitas vezes ininterruptas, de dezenas de horas, a que os pescadores, parcamente pagos, eram sujeitos.

Ricardo Simões, que reparte a encenação com Ana Perfeito, adiantou que, com a estreia do espetáculo comunitário, no dia 31, pelas 21:30, "vão ser reabertas ao público algumas áreas do navio que até aqui ainda não estavam disponíveis, nomeadamente, os espaços onde Bernardo Santareno trabalhou e habitou, na campanha que iniciou em 1958".

A peça é interpretada por mais de 40 atores amadores, com idades entre os 12 e os 88 anos, que estiveram integrados nas três oficinas do Teatro do Noroeste-CDV- ATIVAsénior, ATIVAjúnior e Enquanto Navegávamos (formada por antigos trabalhadores dos extintos Estaleiros Navais de Viana do Castelo-ENVC).

"O trabalho que propusemos às oficinas foi o de resgatar essas memórias. A partir de pesquisas que os elementos de cada uma fizeram foram criadas cenas ficcionadas, inspiradas na passagem de Santareno pelo Gil Eannes, numa espécie de viagem pelo navio", explicou Ricardo Simões.

O espetáculo "irá desenvolver-se pelos diferentes espaços do navio", sendo os espetadores "desafiados a acompanhar a representação".

"Esse será o maior desafio deste espetáculo. Levar 80 pessoas a circular, simultaneamente, dentro do navio, ao mesmo tempo que acontece o espetáculo", referiu, explicando que cada representação está limitada a 80 pessoas.

A peça assinala ainda o vigésimo segundo aniversário do regresso do navio a Viana do Castelo. Foi resgatado da sucata em 1998 e transformado em museu, tendo desde então sido visitado por mais de um milhão de pessoas.

"Um museu carrega memórias. Um museu que outrora funcionou como navio-hospital tem uma carga ainda maior. É uma memória viva da assistência à pesca do bacalhau. Bernardo Santareno, o maior dramaturgo português do século XX, era também o médico Martinho do Rosário que deu assistência, cuidados e força a centenas de pescadores do Gil Eannes", reforçou.

Os espetáculos, integrados nas comemorações nacionais do centenário de Bernardo Santareno, estão marcados para os dias 31 de janeiro e 01 de fevereiro, às 21:30, e, para o dia 02 de fevereiro, às 19:00.

A entrada é gratuita, mediante levantamento de bilhete, disponibilizado nos dias do espetáculo.

O antigo navio hospital foi construído em 1955, nos extintos ENVC, para apoiar a frota bacalhoeira portuguesa nos mares da Terra Nova e Gronelândia.

Também foi navio capitania, navio correio, navio rebocador, garantindo abastecimento de mantimentos, redes, isco e combustível aos navios da pesca do bacalhau.

As comemorações do centenário de Bernardo Santareno começaram no dia 18, em Lisboa, com um encontro na Fundação Calouste Gulbenkian dedicado à sua obra e ao seu percurso.

Nascido em Santarém, em 19 de novembro de 1920, António Martinho do Rosário formou-se em Medicina e especializou-se em psiquiatria, mas foi com o pseudónimo literário Bernardo Santareno que se tornou conhecido fora dos consultórios onde trabalhou. Morreu no dia 29 de agosto de 1980, aos 59 anos.

"A Promessa", adaptada ao cinema por António de Macedo (longa-metragem selecionada para o Festival de Cannes), "O Lugre", "O Crime da Aldeia Velha", "António Marinheiro ou o Édipo de Alfama", "O Pecado de João Agonia", "O Judeu", "A Traição do Padre Martinho" e "Português, Escritor, 45 Anos de Idade" são algumas das peças de Bernardo Santareno, que se destacaram nos palcos.

O autor também escreveu poesia ("A Morte na Raiz", "Romances do Mar", "Os Olhos da Víbora") e relatos de viagens, nomeadamente em "Nos Mares do Fim do Mundo", onde testemunha a saga dos pescadores da antiga frota bacalhoeira portuguesa, contrariando a visão pacífica, oficial, divulgada pela ditadura, das condições de trabalho e da pesca.

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