Livro vencedor do Prémio Leya tem personagens densas e "figura inesquecível"

por Lusa

A criação de personagens com "densa singularidade existencial", uma das quais ficará "como figura inesquecível da nossa ficção mais recente", foi uma das razões apontadas pelo júri do Prémio Leya para distinguir por unanimidade "Os loucos da rua Mazur".

O escritor João Pinto Coelho venceu hoje o Prémio LeYa 2017 com o romance "Os loucos da rua Mazur", tendo o presidente do júri, Manuel Alegre, destacado tratar-se de um romance "bem estruturado, bem escrito, que capta a atenção quer pelo tema, quer pela construção em tempos paralelos", "um no passado, imediatamente anterior à 2.ª Guerra Mundial e no início desta, e o outro no mundo atual".

"Não cede ao facilitismo do romance histórico, embora a História seja parte da ação e nos apresente uma visão inédita da tragédia resultante das invasões russa e nazi da Polónia", acrescentou.

Em particular, o júri apreciou "as qualidades de efabulação e verosimilhança em episódios de violência brutal com motivações ideológico-políticas e étnico-religiosas, emergindo do fundo de uma convivência comunitária multisecular".

A história tem a "singularidade" de falar da violência e da vida de uma pequena comunidade situada na Polónia antes, durante e depois da guerra.

Essa comunidade sofre perseguições pelo exército nazi, mas "a maior crueldade é cometida por uma parte da comunidade sobre outra comunidade", explicou o presidente do júri.

"Essa é uma das originalidades, desconhecida neste tipo de romance, é uma comunidade que extermina a outra, não é Auschwitz nem Birkenau, é dentro da própria comunidade, e isso é uma singularidade", acrescentou ainda.

Para a escolha deste romance inédito de João Pinto Coelho, o júri valorizou, de igual modo, a "criação de personagens com densa singularidade existencial (no triangulo perturbador de amizade e conflito amoroso dos protagonistas), tal como de figuras secundárias com valor simbólico".

"De salientar a força humana de um protagonista, o velho livreiro cego, que irá ficar como figura inesquecível da nossa ficção mais recente", sublinhou Manuel Alegre, destacando ainda a "força de uma personagem feminina".

O júri do prémio recomendou ainda a edição de "O Testamento de José de Nazaré", de Ivan José de Azevedo Fontes, um livro que traz à cena uma "personagem obscura na tradição cristã, pela sua própria voz".

"Apresenta um José trabalhador, insubmisso e solidário, dividido entre o seu inconformismo e o seu amor por Maria e pela família, entre a paz e a revolta", uma obra com uma "simplicidade de linguagem" que "traduz uma refinada estratégia no processo de construção narrativa".

À edição deste ano concorreram 400 originais, provenientes de 18 países -- dos quais 192 de Portugal e 187 do Brasil, mas também de Angola, Alemanha, Áustria, Bélgica, Cabo Verde, Canadá, Guiné, Espanha, França, Índia, Inglaterra, Itália, Macau, Moçambique, Suíça e Estados Unidos - dos quais foram selecionados cinco finalistas.

João Pinto Coelho já tinha sido finalista do Prémio Leya, em 2014, tendo sido publicado, no ano seguinte, o romance "Perguntem a Sarah Gross".

Nascido em Londres, em 1967, João Pinto Coelho licenciou-se em arquitetura, em 1992, e viveu a maior parte da sua vida em Lisboa, embora tenha passado diversas temporadas nos Estados Unidos, onde chegou a trabalhar num teatro profissional, perto de Nova Iorque.

Em 2009 e 2011, participou em ações do Conselho da Europa, em Auschwitz, na Polónia, tendo juntado alunos portugueses e polacos no projeto "Auschwitz in 1st. Per-son/A Letter to Meir Berkovich", que o levou uma vez mais à Polónia, às ruas de Oswiécim, e aos campos de concentração e extermínio.

O Prémio LeYa é o maior para uma obra inédita escrita em língua portuguesa, no valor monetário de cem mil euros, e inclui a edição da obra pelo grupo editorial Leya.

Além de Manuel Alegre, o júri deste ano foi constituído pelos escritores Nuno Júdice e Pepetela, pelo crítico José Castello, pelo professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra José Carlos Seabra Pereira, pelo reitor do Instituto Superior Politécnico e Universitário de Maputo Lourenço do Rosário e pela professora da Universidade de São Paulo Rita Chaves.

Tópicos
pub