Loulé. Banhos Islâmicos do séc. XII únicos em Portugal

por Carla Quirino - RTP
Carla Quirino - RTP

É o único edifício de Banhos Islâmicos com a planta praticamente completa conhecido em Portugal. Há 900 anos estaria perto de uma das portas da cidade de Loulé e era frequentado tanto pela população local como por quem chegasse de fora.

Al-'Ulya', assim se chamava a antiga cidade de Loulé que foi fundada por população islâmica chegada à Peninsula Ibérica a partir do séc. VIII. Nas vésperas da conquista cristã, era descrita como sendo uma pequena cidade - almedina - fortificada e próspera, pertencendo ao Reino de Niebla, sob o comando do Taifa Ibne Mafom.

Na cultura islâmica, todas as cidades teriam um espaço comunitário de higiene, os Hamman, mas em Portugal, este é o primeiro a ser conhecido.

Hamman

O edifício - agora musealizado - estaria perto de uma das portas da cidade para que tanto os habitantes como os recém-chegados pudessem fazer o ritual da lavagem do corpo - ablução - e outros banhos mais prolongados. Esta prática estava ligada a virtudes terapêuticas e purificação do corpo e do espírito.

Era frequentado por homens e mulheres, mas "eles nunca se misturavam. Haveria provavelmente um horário para os homens e outro para as mulheres, porque sendo um edifício público, todos usavam os banhos", sublinha Alexandra Pires, arqueóloga e chefe de Unidade Operacional de Arqueologia e Museologia da Câmara Municipal de Loulé (CML).

Estas instalações serviram a população na fase final de domínio muçulmano e continuou em funcionamento por algum tempo durante a época cristã, depois da conquista de D. Afonso III, em 1249.

São os únicos Banhos Islâmicos encontrados em Portugal e apresentam paredes de alvenaria revestidas a estuque, ainda bem conservadas.

Para explicar à RTP como se articulavam as três salas dos banhos, os tanques, a fornalha, latrinas e os vestíbulos "desta jóia" arqueológica, Alexandra Pires tem agora de descer dois metros e meio abaixo do nível do chão da atual cidade de Loulé.

Dois edifícios sobrepostos
O investimento de 1,8 milhões de euros tornou o mais completo equipamento do género em Portugal num recente espaço musealizado onde não só se preservou o património islâmico como se conta a história do que veio a seguir.

De acordo com Dália Paulo, diretora municipal da CML, no momento em que se tinha perdido a memória da herança muçulmana, no final do séc. XV, a família Barreto construiu uma Casa Senhorial uns metros acima do edifício dos banhos. Neste momento está em curso a classificação do espaço a Monumento Nacional.
A descoberta
Nas crónicas de Ibne Saíde e Abd Aluhaid, era referido o valor estratégico de Al-'Ulya' nos finais do período islâmico mas não havia menção ao traçado urbano e arquitectónico, por isso desconhecia-se a localização dos banhos na planta da antiga Loulé.

No ano de 2006, a Câmara Municipal de Loulé arrancou com um programa de oficinas de verão para alunos em tempo de férias escolares. Uma das atividades decorria no interior da então conhecida Casa das Bicas, propriedade adquirida pela autarquia.

A RTP fez reportagem durante os primeiros momentos de escavação. O foco dos arqueólogos estava na descoberta da base da muralha mas havia  alguma espectativa sobre o que mais se encontraria no subsolo louletano.
Reportagem RTP em 2006. Primeira intervenção arqueológica no local.

A Casa das Bicas, construída encostada à parede da uma torre da muralha no centro histórico junto à Rua das Bicas Velhas e o Largo D. Pedro I, viria a revelar uma surpresa.

Os trabalhos arqueológicos deram frutos e no ano de 2008 chegou o anúncio: finalmente tinha sido encontrado o edifício dos Banhos Islâmicos da antiga Al-'Ulya'.
Reportagem RTP em 2008. Confirmação do edifício dos banhos públicos do séc. XII.

Antonieta Canteiro, Técnica de Museografia da CML, fez parte desde 2006 do grupo de trabalho que acompanhava as oficinas escolares arqueológicas e recorda o entusiasmo dos miúdos e a emoção da descoberta.
Com o impulso das obras de renovação do centro histórico dos últimos anos, o projeto para musealizar os Hamman e a Casa dos Barreto ganhou novo folego e foi celebrado um protocolo com o Campo Arqueológico de Mértola para apoio técnico no processo das escavações.

Dezasseis anos após o início dos trabalhos arqueológicos, Antonieta Canteiro diz-se orgulhosa de ter feito parte desta história: "É uma emoção. É um orgulho imenso contar às pessoas, na primeira pessoa, o trabalho que aqui fizemos".  E remata: "Este espaço transporta-nos no tempo para o ambiente da época".
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