O livro que conta a história da música de São Tomé e Príncipe

por Diana Palma Duarte - RTP

A tese de doutoramento da investigadora Magdalena Bialoborska Chambel deu origem a um livro com a chancela do Centro de História da Universidade de Lisboa

"Dêxa Puíta Sócó (m) Pé - Música em São Tomé e Príncipe: do colonialismo à independência", título da obra, debruça-se sobre o mosaico sociocultural do país entre 1859 e 1990.

A puíta foi levada para São Tomé e príncipe pelos trabalhadores ditos angolanos e tornou-se na época colonial numa das danças mais populares nas roças.

Segundo a obra, há memórias de trabalhadores de outras origens se juntarem aos angolanos e seus descendentes para dançar puíta. Mas tornou-se popular nos anos após a independência passando a ser um género musical nacional.

Já o bulauê é considerado um género musical santomense apesar da sua popularidade ser mais acentuada entre as pessoas de menores posses económicas.

Há muito mais géneros musicais de grupos artísticos acústicos a descobrir na tese de Magdalena Chambel até porque a mesma começa a abordagem no período histórico de finais do século XIX.

A investigação levou Magdalena, de 2013 a 2019, a ouvir muitas músicas, entrevistar músicos e cantores, entre outros cidadãos santomenses, ao longo de várias viagens ao arquipélago e com a concessão de uma bolsa de doutoramento da Fundação da Ciência e Tecnologia.

Para a autora, uma das maiores riquezas descobertas neste trabalho foi o arquivo musical da Rádio Nacional de São Tomé e Príncipe:

"Somente em 2019 tomei conhecimento dele. O diretor do arquivo levou-me a ver uma coisa que eu pensei que não existia. Todos me diziam que tinha sido destruído, que já não se conseguia aceder, mas quando eu entrei na divisão da rádio onde guardaram tudo, vi os registos da música criada e interpretada nas ilhas desde os anos 60 até aos anos 90 do séc. XX. As bobines, ou seja, as fitas magnéticas com os registos de várias manifestações musicais".

Na época colonial, aproximadamente a partir de 1960 e após a independência, até 1980, grupos musicais, no máximo com 10 elementos, iam gravar os seus temas às instalações da rádio e por outro lado, os seus funcionários deslocavam-se a várias terras com equipamento específico e obter gravações de áudio. O resultado era transmitido em antena e hoje são esses registos mantidos em bobines, que persistiram ao tempo, e que Magdalena redescobriu.

"O técnico que começou tudo chamava-se Firmino Bernardo e com muita regularidade e persistência criou uma equipa que por sua vez criou este arquivo. Estamos a falar de um arquivo que conta com cerca de 2000 fitas porque havia sempre um original e uma cópia".

Magdalena Chambel é antropóloga de formação e natural da Polónia, país onde estudou Antropologia na Universidade de Varsóvia.

A vontade de conhecer o mundo levou-a a emigrar e Portugal passou, por mero acaso, a ser o seu novo país por causa de um "interrail" , uma viagem de comboio realizada por vários países. Gostou tanto de Lisboa que nunca mais daqui saiu.

África voltou a encontrar-se com Magdalena quando começou a trabalhar no Ateneu Comercial de Lisboa, um dos mais antigos edifícios lisboetas, monumento de interesse público, que nos começos do novo milénio abraçava a escola "Mil e uma danças".

Durante dez anos contatou com dançarinos, professores e alunos de várias modalidades que dançavam Kizomba, Funaná, Coladera, Salsa, danças do ventre e danças tribais, até sair em 2012.

E com a música sempre no caminho, a seguir produziu espectáculos, festas e organizou "workshops" de dança no novo espaço B.leza.

"Adoro estar com músicos. Não toco mas essa proximidade é muito interessante para mim. Também estudei flauta. E em 2010 comecei a sentir falta de alguma coisa. Por isso entrei no mestrado em Estudos Africanos no ISCTE".

Dedicou-se plenamente à investigação desde então: concorreu a uma bolsa de investigação no âmbito de um projeto sobre organizações na economia informal nos PALOP (Países Africanos de Língua Portuguesa) e ganhou.

Em 2013 foi como bolseira para São Tomé e Príncipe numa viagem de investigação e aí começa o seu grande empreendimento, mais tarde concretizado na tese de doutoramento agora editada em livro.

Ultimamente começou a trabalhar sobre a ilha Maurícia, uma ilha crioula à semelhança de São Tomé e Príncipe, localizada no Oceano Índico, após convite para um novo projeto europeu de investigação dirigido por uma universidade francesa sobre memórias da escravatura.

"No fundo estamos a escrever sobre as pessoas. São elas que criam, que fazem, que fazem acontecer. E eu gosto muiro de ir à procura de pessoas, de entrevistá-las".




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