Ucrânia leva conflito na Crimeia à final da Eurovisão

por Andreia Martins - RTP
"1944" é a música que a Ucrânia leva à final da Eurovisão Valentyn Ogirenko - Reuters

Raramente o Festival Eurovisão da Canção se restringe à música ou às performances apresentadas pelos países participantes. Este ano, a juntar às cores e exuberância, já habitual das prestações, haverá pelo menos uma atuação com muitos recados políticos.

A organização do Festival Eurovisão da Canção tenta evitar a todo o custo as mensagens de cariz político. Mas este ano, quando a concorrente ucraniana subir a palco, haverá pelo menos um cantor desconfortável nos bastidores: o homólogo russo. 

A Rússia faz-se representar pela música “You Are the Only One”, de Sergey Lazarev, uma das favoritas à vitória, na final que se realiza este sábado, em Estocolmo. Mas se a entrada russa cai no registo romântico e brando, habitual à música popular ligeira, a Ucrânia levou para a Suécia um tema bem mais pesado. 

“1944”, a entrada ucraniana, não terá certamente 12 pontos vindos de Moscovo. Cantado por Jamala (nome artístico de Susana Jamaladynova) é um tema em forma de balada que homenageia os tártaros da Crimeia, vítimas de deportação durante o domínio soviético de Estaline. Mas é a própria interprete quem admite: a letra também se poderia aplicar à anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014.

“Os europeus têm oportunidade de mostrar que não são indiferentes ao sofrimento”, disse a intérprete da canção ucraniana ao britânico The Guardian
“Também é sobre 2014”
Em alguns trechos da música, Jamala canta: “Quando os estranhos se aproximam, eles vêm a nossa casa, matam-nos a todos e dizem: não somos culpados, não somos culpados”. 



Questionada sobre se a música que vai cantar também reflete a realidade atual da Crimeia, Jamala responde que sim: “Claro, a música também é sobre 2014. Estes dois últimos anos da minha vida foram muito tristes”.

A cantora ucraniana nasceu na Crimeia e tem descendência tártara. Não voltou à região desde que foi anexada pela Rússia, mas os pais e a família mais próxima continuam a viver na zona agora controlada por Moscovo. 

Os conflitos e incómodos diplomáticos entre países que participam no evento são recorrentes, sendo que a Eurovisão tenta a todo o custo a politização das músicas, proibindo letras, bandeiras ou simples gestos que possam acusar segundas intenções. 

Em 2009, a Geórgia desistiu de concorrer quando foi intimada pela organização a alterar a música “We Don’t Wanna Put You In”, por alegada referência ao Presidente russo, Vladimir Putin. No ano passado, a Arménia foi obrigada a alterar o título da Canção que levou a concurso. A organização entendeu que “Don’t Deny” poderia ser uma alusão à resistência por parte de muitos países no reconhecimento do genocídio arménio de 1915, no ano em que se cumpria o seu centenário.
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