Vasco Gonçalves, um general "do povo" na "Revolução dos Cravos"

por Lusa

Vasco Gonçalves, cujo centenário é assinalado no domingo, despertou paixões e ódios, foi o primeiro-ministro do Governo mais à esquerda da democracia em Portugal em 1974 e 1975, num país a viver uma revolução vermelha.

O seu nome surgiu nas manifestações e comícios populares do chamado PREC (Período Revolucionário em Curso) em `slogans` como "força, força, companheiro Vasco, nós seremos a muralha de aço", inspirado na canção de Carlos Alberto Moniz e Maria do Amparo.

O "companheiro Vasco", ou o "general do povo", como lhe chamou o líder comunista boliviano, Simon Reyes, foi primeiro-ministro dos II, III, IV e V Governos Provisórios, entre 18 de julho de 1974 e 10 de setembro de 1975.

O período em que chefiou o governo - 14 meses - ficou conhecido por "gonçalvismo" e marcado, principalmente, por decisões como as nacionalizações, pelo "combate aos monopólios e aos latifúndios", pela aceleração da Reforma Agrária nos campos do Alentejo e Ribatejo, a criação do subsídio de desemprego e as nacionalizações. É também desta altura aquela que viria a causar a grande divisão entre o PCP e o PS, e outras forças políticas mais à direita -- a lei da unicidade sindical. Um tipo de divisões que também atingiu o Conselho da Revolução, que por esses meses foi o "motor da revolução" e tutelava a vida do país.

Na Primavera e Verão de 1975, Vasco Gonçalves esteve no centro do poder, político e militar, de um país em revolução, e esteve no centro de todos os ataques, dentro e fora de fronteiras -- em Portugal, dos socialistas e das forças mais à direita, "lá fora", foi alvo dos Estados Unidos e dos aliados da NATO.

Em maio de 1975, já depois da tentativa de golpe de direita de 11 de março, ficou para a história uma reunião em Bruxelas em que Vasco Gonçalves explicou o processo político em Portugal ao presidente dos Estados Unidos, Gerald Ford, e ao secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger.

Se Gerald Ford disse e repetiu que os EUA não podiam "tolerar influências comunistas na NATO", Vasco Gonçalves respondeu que "essa influência não existe".

"Os nossos inimigos têm acenado com o fantasma comunista. É claro que existe uma luta de poder entre os partidos, mas nós não permitiremos que essa luta afete os militares que fazem parte do Governo", disse a Ford e Kissinger, que nos meses seguintes se empenharam no afastamento dos gonçalvistas e comunistas do poder.

"Temos que nos livrar do Vasco", disse Frank Carlucci, embaixador dos EUA em Lisboa, numa reunião com Kissinger, em Washington, em 12 de agosto de 1975. Ele que, em fevereiro, após o primeiro encontro com o general, disse: "É um homem vivaz, espirituoso, mas não é desequilibrado" e "é inteligente, persuasivo e vigoroso".

Nas ruas, o PS e Mário Soares organizam manifestações em que se exigia a saída de Vasco Gonçalves do Governo, o V, o mais curto de todos os que liderou. 

Foi nessa altura que a revista Time fez uma capa em que Vasco Gonçalves aparece ladeado por Otelo Saraiva de Carvalho, comandante do COPCON, e Costa Gomes, Presidente da República, a tróica que dirigia o país, com o título "Ameaça vermelha em Portugal".

Em setembro de 1975, após semanas de agitação nas ruas, sedes do PCP e de partidos de esquerda destruídas, atos de violência da extrema-direita, o Conselho de Revolução sofre uma remodelação, que dá mais poder aos "moderados" do "grupo do nove", sendo afastado Vasco Gonçalves do cargo.

Em entrevistas e conferências que deu desde 1976, quando passou à reserva compulsiva, disse sempre que Portugal seria muito melhor se tivessem prevalecido as ideias socializantes que defendeu e que considerou inseparáveis da democracia.

"Não imagino o que seria a minha vida se não tivesse participado no 25 de Abril", disse a Maria Manuela Cruzeiro, no livro-entrevista "Um General na Revolução".

Oriundo da Arma de Engenharia, a oposição do general Vasco Gonçalves ao salazarismo é referenciada nos anos 50 e nos primórdios do "movimento dos capitães", que haveria de culminar, a 25 de Abril de 1974, no derrube do regime do Estado Novo, pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), tendo sido um dos poucos oficiais superiores a apoiar os jovens militares.

Não se considerou, no entanto, um homem vencido, manifestando sempre a vontade e a determinação de "continuar a lutar": "O futuro com que sonhei não é cada vez mais saudade, é, sim, cada vez mais, necessidade imperiosa. Assim o povo o compreenda."

Morreu em 11 de junho de 2005 aos 83 anos, dois dias antes de Álvaro Cunhal, líder histórico do PCP.

 

Tópicos
pub