A raposa à solta no galinheiro - o TTIP em respostas rápidas

Estamos perante uma estratégia total que tem por objetivo a constituição de um novo paradigma de poder sem rosto e sem centro, que fará com que os valores da cidadania, democracia, soberania e da própria liberdade sejam tidos como moeda de segunda num mundo dominado pelos interesses económicos.

Não podemos esquecer que o TTIP se articula com outros tratados semelhantes como o Transpacífico, que agrega uma dúzia de países da zona Ásia-Pacífico, o CEPA, que inclui o Canadá e a UE, e o TISA, que inclui os EUA, a UE e uma vintena de países terceiros.

É um acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos que visa a supressão das barreiras regulatórias, deixando para segundo nível a questão das tarifas alfandegárias, já de si muito reduzidas nas trocas entre os dois blocos. Este processo obriga a uma harmonização que leva os críticos a chamarem a atenção para o risco de erosão dos padrões em vigor na Europa, única forma de encontrarem o nível aplicado nos Estados Unidos. Do outro lado do Atlântico a prioridade vai no sentido dos interesses dos investidores e das grandes empresas. Na Europa, tem vingado a defesa da segurança alimentar, ambiente e direitos das pessoas.
União Europeia e Estados Unidos

Serviço Nacional de Saúde

Um dos objetivos do TTIP é a abertura dos serviços nacionais de saúde, educação e exploração da água às empresas americanas. Em perspetiva está a privatização do SNS. A Europa parece apenas disposta a não abrir mão de um sector: aquele que está dentro dos limites do exercício do poder governamental (o exército, a polícia, a Justiça, por exemplo).

Segurança alimentar e ambiental

A agenda da convergência para a regulação procura aproximar os padrões europeus da segurança alimentar e ambiental às normas em prática nos Estados Unidos, muito menos restritivas e onde 70 por cento da comida processada contém componentes geneticamente modificados, praticamente proibidos na Europa. A mesma matriz aplica-se aos pesticidas e ao uso de hormonas na criação de animais com vista ao abate.

Regulação bancária

Após a crise financeira mundial, os Estados Unidos colocaram em prática normas apertadas para a operação bancária. Estamos aqui perante uma exceção, com os americanos a submeterem esta área a uma vigilância mais apertada das autoridades financeiras do que o disposto no plano europeu.

Emprego

Ao contrário do que se prometeu, o NAFTA (acordo entre EUA, Canadá e México) provocou a perda de um milhão de empregos nos Estados Unidos ao longo de 12 anos, em vez de aportar centenas de milhares de postos, como se prometia. Teme-se que a história venha a repetir-se com o TTIP.

Democracia

Fala-se de um assalto à democracia como a maior ameaça do TTIP. O instrumento desse assalto seria o ISDS. Os tribunais arbitrais entram em disputa com os Estados de maneira a vergarem tanto a lei fundamental como as linhas programáticas dos seus programas de governo, um mandato conquistado através do voto democrático.

A 5 de outubro de 2015, após oito anos de negociações à porta fechada, Washington conseguiu fechar um acordo com 11 países da região Ásia e Pacífico, batizado de TTP (Tratado Trans-Pacífico). São subscritores da parceria Brunei, Chile, Nova Zelândia, Singapura, Austrália, Canadá, Japão, Malásia, México, Peru, Estados Unidos e Vietname.

Estes 12 países representam 40 por cento da economia mundial.

Diz-se que os pontos mais duros da negociação foram os direitos de propriedade intelectual sobre medicamentos biológicos, exportações de produtos lácteos australianos e da Nova Zelândia para o Canadá, bem como da exportação de peças de automóveis japonesas para a América do Norte.

O ISDS - Investor-State Dispute Settlement – pode ser traduzido por Mecanismo de Resolução de Conflitos Investidor-Estado. Remonta a pelo menos 1966.

É um sistema de arbitragem jurídica sem pátria que permite às empresas processarem diretamente os países onde operam por perdas de lucro, presentes ou futuras.

Através deste mecanismo, os Estados podem ser processados ainda que estejam a agir de acordo com a Constituição do país.

O ISDS foi trabalhado no TTIP num anexo do acordo, a "Resolução de litígios investidores vs Estado". A análise dos documentos disponíveis permite perceber que esta cláusula é tão fundamental para Washington que os negociadores americanos rejeitaram qualquer proposta alternativa apresentada pela parte europeia, nomeadamente o ICS (Investment Court System), levado à mesa de negociação ainda durante 2015.

O ICS não impunha grandes alterações ao modelo defendido pelos Estados Unidos, mas representaria uma variação de forma fundamental: mudariam os decisores – três juízes em vez de três advogados – e passaríamos a ter audições públicas em substituição das decisões à porta fechada do ISDS. Manter-se-ia a essência da questão: os Estados poderiam de qualquer forma ser processados pelas perdas de lucro das grandes empresas.

Bolívia, Uruguai, Canadá e Austrália são os casos mais imediatos de governos processados por grandes companhias.

A Phillip Morris pediu dois mil milhões de dólares ao Governo do Uruguai como "compensação" por uma lei anti-tabaco.

Depois do acidente de Fukushima, no Japão, a Alemanha decidiu fechar as suas centrais nucleares. A sueca Vattenfall não gostou e reclama a Berlim 3,7 mil milhões de euros.

Ao abrigo do NAFTA (Tratado Norte-Americano de Comércio Livre), a canadiana Lone Pine Resources Inc. reclamou ao Governo do Canadá 250 milhões de dólares pela moratória sobre o fracking (extração de gás de xisto).

O Equador pagou entretanto 900 milhões de dólares a uma petrolífera por "lucros futuros" perdidos após a proibição de um novo poço de petróleo no Amazonas.

A multinacional francesa Veolia levou para casa uma compensação do Cairo, depois de o Governo egípcio ter decretado o aumento do salário mínimo.

Pode dizer-se que o acordo não deixa nenhum assunto por explorar, ainda que se refira inicialmente o livre comércio de bens. E estamos a falar de seguros, com a gigante norte-americana MetLife cada vez mais agressiva no ataque à Europa; as regras de saúde pública europeias podem ver-se visadas na venda de Organismos Geneticamente Modificados, a utilização de hormonas de crescimento na carne ou a desinfecção com cloro de carcaças destinadas ao consumo.

Pelo caminho é arrasada a privacidade na Internet, a segurança automóvel, eventualmente o ensino gratuito, uma vasta área de serviços públicos e a tradição europeia do Serviço Nacional de Saúde.

Teme-se que num primeiro momento as grandes empresas norte-americanas invadam o mercado europeu de bens e serviços, beneficiando da sua escala continental, o que esmagaria as concorrentes locais.

São consequências do risco de abrir o mercado europeu aos norte-americanos, que apresentarão uma frente alargada de poderosas economias de escala e com amplas bases financeiras. O dumping massivo será, nesse caso, a arma de eleição.

Por exemplo, a Europa tem uma política de saúde diametralmente oposta à doutrina norte-americana, o que não deverá evitar que as grandes farmo-químicas possam vir a reforçar as patentes dos principais medicamentos de referência, fazendo disparar preços e restringindo o uso de genéricos.

A literatura que tem surgido na unção do TTIP é escassa e parte essencialmente de figuras identificadas com a direita e os políticos mais liberais. De assinalar, de 2014, um estudo encomendado pela FLAD (Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento). O designado “Estudo Macro Económico de Impacto para Portugal do TTIP” foi apresentado a 31 de julho de 2014 por Vasco Rato, presidente da fundação, antevendo um impacto positivo da parceria para Portugal, em particular nas áreas da exportação e criação de emprego.

Apesar do desinteresse votado ao assunto, estiveram presentes Rui Machete, o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Bruno Bobone, presidente da Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa, Bruno Maçães, secretário de Estado dos Assuntos Europeus, e Joseph François, do Centre for Economic Policy Research (CEPR), com sede em Londres, que numa parceria com o World Trade Institute (Berna) e o University College de Londres levou a cabo o estudo por encomenda do Governo português.

A FLAD estima que o TTIP venha a acrescentar à economia portuguesa um crescimento na ordem dos 0,66 por cento do PIB - isto no curto prazo e até 2030.

É defendida a tese de que, face à especialização da economia portuguesa, a neutralização de barreiras tarifárias pode – ao contrário da generalidade europeia - ter relevância face ao levantamento das barreiras não-tarifárias, em particular nos sectores de peso para as nossas exportações, como o calçado, o têxtil e os produtos agrícolas.

As atuais barreiras pautais no comércio de bens entre a UE e os Estados Unidos são quase inexistentes. Dos ganhos com o tratado, espera-se que 80 por cento provenham desse ambicioso cenário da convergência regulamentar e apenas 20 por cento da abolição de tarifas import-export. Ao contrário do exemplo europeu como um todo, os estudos apontam para 45 por cento de exportações portuguesas ainda condicionadas por tarifas alfandegárias relativamente onerosas. Supõe-se assim que Portugal venha a ganhar com essa abertura do mercado americano, onde poderá visar sectores em que os norte-americanos não estão ainda especializados.

Em suma, os portugueses poderão aqui beneficiar de um equilíbrio tardio das balanças.

Depois de terem sofrido com a concorrência dos parceiros da UE após a entrada na União, esta nova parceria representaria uma oportunidade no cenário de concorrência UE-EUA.

Em outubro de 2014, a deputada Francisca Almeida publicava no Expresso um artigo em que, citando o estudo do Centre for Economic Policy Research (CEPR), associava o aumento de rendimentos à previsível subida de emprego na Europa. Falava então de ganhos para a Europa na ordem dos “119 mil milhões de euros por ano ou o equivalente a um montante adicional de 545 euros, em média, por agregado familiar”. Mas a Plataforma anti-TTIP refutou as conclusões defendendo que “não basta que uma economia cresça acima dos 2,7% para que se recupere emprego”. Ainda que assim fosse, acrescentava a plataforma, o TTIP é esperado alavancar apenas um crescimento entre 0,56 e 0,76 por cento.

A Plataforma estima ainda efeitos negativos na indústria portuguesa do tomate, nomeadamente os cerca de oito mil empregos do sector, diretamente ameaçados pelas exportações norte-americanas de tomate mais barato (produzido em larga escala) quando livres de tarifas e barreiras alfandegárias.

Outra questão refere-se ao período de tempo necessário até que o TTIP traga os anunciados benefícios – dez a 20 anos – o que pressupõe uma primeira fase de impacto negativa para Portugal. No rol dos óraculos está à cabeça a quebra nas transações com outros Estados-membros e com países da África Lusófona que representam uma fatia importante das nossas relações comerciais.

Outra questão refere-se ao período de tempo necessário até que o TTIP traga os anunciados benefícios – dez a 20 anos – o que pressupõe uma primeira fase de impacto negativa para Portugal. No rol dos óraculos está à cabeça a quebra nas transações com outros Estados-membros e com países da África Lusófona que representam uma fatia importante das nossas relações comerciais.