Abano no Credit Suisse ameaça desviar investidores da praça helvética

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
O descalabro do Credit Suisse põe em causa a ideia de uma praça fiável e eficiente. Denis Balibouse - Reuters

O colapso do Credit Suisse, mais do que a queda de uma das maiores instituições bancária da Suíça, está a ser lido no setor como um sinal de decadência da própria praça financeira do país helvético, durante anos vista como um garante de estabilidade. Os recentes eventos arriscam uma mudança de perceção que poderá lançar os investidores para os braços de outros epicentros financeiros. Singapura e Luxemburgo poderão ser opções válidas após o sismo que abalou um dos ninhos mais credenciados da atividade bancária internacional.

Durante décadas, a Suíça conseguiu apresentar credenciais que davam a sua praça como um garante para o mundo financeiro. Uma certeza de rigor e de sigilo bancário colocavam o pequeno país no centro da operações e reservas dos investidores mundiais. As últimas semanas foram entretanto abaladas com as crises de instituições bancárias do outro lado do Atlântico, com os Estados Unidos a verem-se obrigados a segurar pelo menos dois banco de dimensão a considerar.

Os problemas que afetaram em particular o Silicon Valley Bank fizeram soar as campainhas que ficaram da crise de 2008, o que obrigou o próprio presidente Joe Biden e secretária do Tesouro virem dar garantias da solidez do sistema bancário norte-americano. O terramoto não deixou no entanto de estender as suas ondas e o Credit Suisse viu-se nas notícias com riscos de desmoronamento, um processo que apenas foi travado este domingo com o presidente suíço a anunciar a compra do banco pelos também suíços da UBS num negócio de 1.800 milhões de euros.

Somados os acontecimentos das últimas semanas, as favas terão ficado para a praça helvética, um contraforte da atividade financeira mundial durante décadas que agora pode estar à mercê dos humores dos investidores sedentos de garantias de estabilidade, corrompidas que estão as credenciais suíças.

A solução encontrada resolve de momento a crise na banca suíça, mas há dois fatores que emerge agora não menos preocupantes: o próprio UBS não tem sido um modelo de rigor, tendo já sido alvo de injecções de capital na ordem dos milhares der milhões, em particular durante a crise de 2008, e volta a beneficiar de uma ajuda do Banco Central Suíço de 100 mil milhões de francos suíços no momento em que se funde com o maior rival; e esse é o segundo fator que põe o mundo da alta finança a olhar para o negócio anunciado domingo por Alain Berset: com a compra do Credit Suisse pelo UBS está criada uma instituição que vale duas vezes a economia do país, ou seja, nasce verdadeiramente um banco que será de futuro, sejam quais forem as circunstâncias, too big to fail.

A solução encontrada para o colapso do Credit Suisse não vem, portanto, anular todos os problemas com que a praça Suíça teve de lidar na passada semana. E esse risco da perda de confiança será, nos tempos mais próximos, o grande dossier que deve estar em cima da mesa dos líderes financeiros do país: como evitar uma saída de investidores daquele que é o negócio mais sólido da Suíça?

Arturo Bris, professor de finanças do International Institute for Management Development (IMD) em Lausana, afirmou à Reuters que a ressaca desta crise “vai ser muito prejudicial” para a praça suíça, podendo vir a beneficiar os seus rivais e aqui surgem Singapura e Luxemburgo.

Com valores a rondar os 2,6 triliões de dólares, segundo números da Delloite de 2021, a praça suíça é o maior centro financeiro do mundo, superando os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, mas a fuga pode agora ser inevitável. “Os banqueiros de Singapura já devem ter o champanhe no gelo”, ironizou Bris.

A remar contra este cenário, Marcel Rohner, antigo CEO do UBS, garantia hoje que “o setor financeiro suíço foi capaz de tratar da questão. Nesse sentido, vejo um futuro próspero para a praça [suíça], porque temos centenas de bancos muito bem capitalizados e bancos de gestão de fortunas e de ativos muito bem-sucedidos”.

Uma declaração que não apaga os relatórios dos últimos anos: o número de bancos na Suíça caiu para 239 em 2021 dos 356 em 2002 e o número de trabalhadores no setor passou de 108 mil para 91 mil, o que indicia um declínio que não é de agora, antes vem acentuando-se nas últimas décadas, dando o flanco aos mais críticos.

“Há muitas questões por responder: o uso da lei de emergência [venda do Credit Suisse ao UBS sem consulta dos acionistas] que se sobrepôs às opiniões dos accionistas ou às soluções para os detentores de títulos”, afirmou Stefan Legge, chefe de política fiscal e comercial do Instituto IFF de Estudos Financeiros da Universidade de St. Gallen.

“Talvez algumas pessoas estejam um pouco delirantes e realmente acreditem que estão a fazer um óptimo trabalho”, acrescentou.

Daniel Binswanger, editor da revista política online Republik, diz que o descalabro do Credit Suisse “vai destruir o mito deste Estado eficiente, fiável, quase extraterritorial. Os danos à reputação da Suíça serão enormes”.
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