Adeus Dijsselbloem, chegou Centeno. Ministro português tomou posse como presidente do Eurogrupo

por Christopher Marques - RTP
Étienne Laurent - EPA

O ceticismo inicial deu lugar à coroação. Depois da votação de dezembro, o português Mário Centeno tomou esta sexta-feira posse como presidente do Eurogrupo, o fórum informal dos ministros das Finanças dos países da moeda única que se tornou protagonista desde a crise. Na embaixada de Portugal em Paris, Centeno recebeu o testemunho de Dijsselbloem, o político holandês que chocou com a sua visão da Europa do Sul.

A história é feita de ironia. O homem que começou por ser um dos patinhos feios do Eurogrupo chegou esta sexta-feira à sua presidência. Para elevar um pouco mais a fasquia, o ministro português recebeu o testemunho de Jeroen Dijsselbloem, ministro holandês conhecido pelas declarações polémicas.

Sobe-se ainda um pouco mais a parada: tudo aconteceu esta sexta-feira na embaixada de Portugal em Paris. Ou seja, à luz do Direito Internacional, em território português, um dos países da Europa do Sul, esse bloco que o agora ex-presidente do Eurogrupo acusou de “gastar todo o dinheiro em copos e mulheres” e depois pedir ajuda.

Portugal tinha exigido a sua demissão. Não aconteceu, Dijsselbloem manteve-se até ao fim. Mas é agora substituído precisamente por um ministro português. Ao fim da manhã, o ministro português recebeu de Jeroen Dijssebloem o sino usado para dar início às reuniões do fórum de ministros das Finanças da Zona Euro.

O agora ex-presidente do Eurogrupo disse estar “mesmo contente” pelo forte apoio que Centeno tem no Eurogrupo. “Vai impulsionar reformas, impulsionar a modernização da zona euro”, afirmou.

Por sua vez, Mário Centeno deixou um agradecimento a Dijssebloem pelo “trabalho duro e pelos compromissos” que foram atingidos “nos últimos cinco anos”.

“Muito foi feito. Saímos da crise, mas o trabalho ainda não acabou, certamente nunca está, mas a janela de oportunidade que temos agora em termos políticos e económicos deve ser usada para completar a reforma das instituições da zona euro", disse Mário Centeno.

"Janela de oportunidade"
Mais tarde, Mário Centeno voltou a comparecer para responder às perguntas dos jornalistas portugueses. O ministro prometeu “todo o empenho no processo de construção de uma Europa mais robusta a crises”.

Questionado sobre o acordo de princípio na Alemanha, Centeno reconheceu tratar-se de uma “boa notícia”, tendo defendido que é fundamental que os países permaneçam comprometidos com a construção europeia.

“Estamos numa janela de oportunidade que tem duas dimensões. Uma dessas dimensões é política e tem a ver com o início de ciclos políticos muito relevantes em vários países na Europa. A outra dimensão é económica pelas boas condições que temos hoje”, afirmou o governante.
Informal mas poderoso
Pela primeira vez desde a criação do cargo, em 2005, o Eurogrupo elege um ministro das Finanças do sul da Europa - de um país saído há poucos anos de um resgate financeiro - para coordenar o fórum de 19 ministros das Finanças da Zona Euro.

O Eurogrupo é um fórum informal, não tendo uma existência à luz das leis europeias. Começa por ser uma mera reunião dos ministros das Finanças da Zona Euro, ou seja, uma versão reduzida do Conselho dos Assuntos Económicos e Financeiros da União Europeia (ECOFIN) para tratar dos assuntos que apenas a quem usa o Euro dizem respeito.

A crise deu-lhe outro relevo: tornou-o protagonista em momentos como o resgate português ou quando a saída da Grécia da moeda única foi bem mais do que um mero argumento negocial.
Centeno no Eurogrupo
A possibilidade de Mário Centeno liderar este fórum começou por ser uma mera notícia avançada pelo jornal Expresso em abril de 2018, a que foi atribuída pouca credibilidade.

O facto é que parecia impensável que um elemento central de um executivo que tanto ceticismo criou em Bruxelas acedesse a um lugar de relevo na política económica e financeira do bloco europeu.

Ao longo dos meses, a possibilidade foi-se tornando mais certa. No dia 4 de dezembro, quando os ministros foram chamados a votar, não havia já grande dúvida do favoritismo de Mário Centeno. Aliás, o próprio Jeroen Dijsselbloem descaiu-se ainda antes da votação: “Sou presidente do Eurogrupo até 12 de janeiro e a 13 de janeiro Mário Centeno toma posse”.

A votação veio confirmar que a gaffe de Dijsselbloem era mesmo certeira. O socialista português levou a melhor sobre a letã Dana Reizniece-Ozola, o eslovaco Peter Kazimir e, por fim, o luxemburguês Pierre Gramegna.

Mário Centeno irá liderar a sua primeira reunião dos ministros das Finanças da Zona Euro a 22 de janeiro. Os desafios são mais que muitos: a reforma da moeda única, a criação do Fundo Monetário Europeu, a transparência de funcionamento do próprio Eurogrupo e o futuro da Grécia, nomeadamente o fim do resgate e a renegociação da dívida.

O ministro português é o terceiro a liderar os destinos do Eurogrupo, depois do luxemburguês Jean-Claude Juncker e do holandês Jeroen Dijsselbloem. Poderá também ser o último a liderá-lo nos moldes atuais, se a Comissão Europeia levar avante a intenção de criar um cargo de ministro das Finanças da Zona Euro, que acumularia a vice-presidência do executivo comunitário com a presidência do fórum.
Do ISEG ao Eurogrupo
Ministro das Finanças desde 26 de novembro de 2015, Mário Centeno nasceu a 9 de dezembro de 1966 em Olhão, tendo-se licenciado em Economia no ISEG, em Lisboa, onde é professor catedrático. Casou com uma colega do ISEG e teve três filhos.

O seu currículo revela que Centeno teve diversos cargos relevantes: membro do Comité de Política Económica da Comissão Europeia (2004-2013); presidente do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento das Estatísticas Macroeconómicas, no Conselho Superior de Estatística (2007-2013); professor catedrático do ISEG; membro do Editorial Board do Portuguese Economic Journal (desde 2001); membro do Executive Committee da European Association of Labor Economists (2003-2005).

Tem um longo currículo académico: é licenciado em Economia (1990) e mestre em Matemática Aplicada (1993) pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa, e mestre (1998) e doutorado (1995-2000) em Economia pela Harvard University, nos Estados Unidos. Alcançou mesmo 20 valores no exame de entrada na faculdade. Domina também o inglês, francês e italiano e tem boa compreensão do alemão.

Foi premiado internacionalmente pelas suas investigações sobre o mercado de trabalho, a primeira em 2001, quando recebeu o Young Economist Award, da European Economic Association, visando distinguir trabalhos de investigação de economistas com menos de 30 anos ou com o doutoramento concluído há menos de três anos; e a segunda em 2006 quando lhe foi outorgado o Scientif Merit Award, da União Latina.

Mário Centeno foi ainda muito ativo no domínio associativo e desportivo. O ministro das Finanças jogava râguebi na equipa do ISEG quando esta se encontrava na 1ª Divisão.
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