BCE contra apoios transversais. Marcelo preocupado com discurso de Lagarde

por RTP
António Cotrim - Lusa

A presidente do Banco Central Europeu avisou que a situação económica vai piorar antes de melhorar. Christine Lagarde criticou governos, como o português, por terem adotado medidas transversais. Marcelo Rebelo de Sousa ficou "pessimista" e teme efeitos do "discurso muito dramático" do BCE sobre a evolução económica da Zona Euro.

Perante uma plateia de empresários portugueses em São Francisco, na noite de segunda-feira (madrugada em Lisboa), Marcelo Rebelo de Sousa assumiu, porém, também ele "uma análise pessimista" da conjuntura económica portuguesa nos próximos tempos, "por causa do mundo".

"O final do ano anterior foi muito bom e o primeiro trimestre foi muito bom. O segundo trimestre estabilizou, mas os números do ano que vem poderão ser bem mais complicados", advertiu, numa mensagem que tem repetido nas últimas semanas.
Na intervenção, Marcelo Rebelo de Sousa qualificou as recentes declarações da presidente do BCE, Christine Lagarde, como "um travar às quatro rodas" e "uma transição brusca para um discurso muito dramático, e depressivo, porventura", depois de uma fase marcada pela "vontade de criar confiança".

"Esperemos que isso não seja excessivo", afirmou, acrescentando: "Talvez tenha sido de repente uma mudança de 80 para oito, bruscamente, sem transição e sem mitigação, como se diz agora. Vamos ver como é que os mercados financeiros reagem, vamos ver como é que as economias reagem".

Marcelo Rebelo de Sousa compreende a preocupação do BCE, "perante as medidas de alguns Estados, que injetaram nas ajudas sociais, económicas às famílias, às empresas, às diversas instituições, injetaram o que puderam ou que estão a poder e nalguns casos porventura mais do que admitiam poder".

"Mas nós sabemos como há muito de psicológico nas declarações feitas", salientou, relatando já ter recebido "ecos" que "são um pouco preocupantes".

Em termos gerais, o presidente da República considerou que "o mundo não está fácil, não está geopoliticamente fácil, não está economicamente fácil".

Quanto à situação de Portugal, apontou "vários desafios em simultâneo, comuns alguns deles com outros países", sendo "o desafio mais imediato dos efeitos económicos, financeiros e sociais da guerra" e "o mais sensível a inflação".

Ochefe de Estado manifestou a esperança de que não venha aí "a estagflação", um quadro de inflação elevada com estagnação ou recessão económica.

Embora assumindo "uma análise pessimista", Marcelo Rebelo de Sousa referiu, pela positiva, que Portugal tem tido "um ano de turismo excecional" e que "os números em termos de exportações têm sido em volume excecionais".

"E temos tido intenções de investimento muito apreciáveis, que se espera que sejam concretizadas, quer por deslocação de investimentos do Leste europeu, por razões geopolíticas compreensíveis, quer por procura de uma economia com segurança física e económica, estabilidade política e também de alguma maneira vista como sendo central em termos globais", acrescentou.

No discurso, o presidente contou que, pelas conversas que teve no funeral da monarca do Reino Unido Isabel II, "os líderes de grandes economias europeias, com uma exceção, estavam muito pessimistas" e quase todos "apostavam ou temiam que o próximo ano fosse um ano mau do ponto de vista de crescimento".O que disse Lagarde?
No domingo, dirigindo-se à Comissão de Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu, Christine Lagarde declarou que as perspetivas para a Zona Euro "são cada vez mais sombrias", com o BCE a antever que a atividade económica "abrande substancialmente nos próximos trimestres".

A presidente do BCE afirmou que as medidas orçamentais de cada Estado têm de ser temporárias e focadas nas famílias mais vulneráveis.

“Medidas direcionadas, temporárias e individualizadas são seguramente úteis e necessárias em especial para proteger os mais vulneráveis, aqueles que sofrem realmente o peso dos preços elevados”, afirmou Christine Lagarde.

Para a presidente do Banco Central Europeu, “só com medidas focadas em quem mais precisa se limita a pressão inflacionista” e deixou críticas a países, como Portugal, que anunciam apoios transversais à população.

Medidas amplas e generalizadas, sem distinção entre os beneficiários em urgente necessidade de apoio e aqueles que não têm essa necessidade… Essas medidas não estão seguramente a ajudar a política monetária e podem gerar um nível ascendente nos preços”, alertou Lagarde.
Para a presidente do BCE, “é essencial que o apoio orçamental para proteger asa famílias vulneráveis do impacto de preços mais elevados seja temporário e direcionado”, argumentando que tal “limita o risco de alimentar as pressões inflacionistas, facilitando assim também a tarefa da política monetária para assegurar a estabilidade dos preços, e contribuindo para preservar a sustentabilidade da dívida”.

A presidente do BCE acrescentou que “infelizmente a maior parte dos países preferiram adotar medidas transversais para ajudar os cidadãos a minimizar o impacto da inflação”.

Na comissão de Assuntos Monetários do Parlamento Europeu, em Bruxelas, a presidente do BCE frisou que “a guerra de agressão injustificada da Rússia contra a Ucrânia continua a lançar uma sombra sobre a Europa” e assumiu que “as perspetivas são cada vez mais sombrias”, advertindo que “é expectável que a situação piore antes de melhorar”.

Apontando que “a economia da Zona Euro cresceu 0,8 por cento no segundo trimestre de 2022, principalmente devido à forte despesa dos consumidores em serviços, à medida que a economia foi reabrindo”, Christine Lagarde observou também que “as economias com grandes setores turísticos beneficiaram especialmente, uma vez que as pessoas viajaram mais durante o verão”, e “o mercado de trabalho ainda robusto também continuou a apoiar a atividade económica”.

Contudo, advertiu, o BCE espera “que a atividade abrande substancialmente nos próximos trimestres”, e apontou “quatro razões principais” para esta projeção, a primeira das quais “a inflação elevada”, que em agosto atingiu os 9,1 por cento no espaço da moeda única, e que está a “enfraquecer as despesas e a produção em toda a economia”, fenómeno agravado “pelas perturbações no fornecimento de gás”.

A presidente do BCE apontou, em segundo lugar, o facto de “a forte procura de serviços que veio com a reabertura da economia estar a perder vapor”, em terceiro “o enfraquecimento da procura global, também no contexto de uma política monetária mais restritiva em muitas grandes economias”, e, por fim, o facto de a incerteza permanecer elevada, “o que se reflete na queda da confiança das famílias e das empresas”.

Lagarde sublinhou que “os preços mais elevados da energia e dos alimentos estão a pesar especialmente nas famílias mais vulneráveis e espera-se que a situação piore antes de melhorar”.


“Estes desenvolvimentos levaram a uma revisão em baixa das últimas projeções para o crescimento económico para o resto do ano em curso e ao longo de 2023. Os funcionários do BCE esperam agora que a economia cresça 3,1 por cento em 2022, 0,9 por cento em 2023 e 1,9 por cento em 2024”, assinalou.

Na mesma linha, prosseguiu, as projeções da inflação por parte do BCE foram revistas em “alta significativa”
, esperando-se agora que a inflação anual seja de 8,1 por cento em 2022, 5,5 por cento em 2023 e 2,3 por cento em 2024, com o risco de estes valores serem ainda mais elevados.

“Os riscos para as perspetivas de inflação estão principalmente do lado ascendente, refletindo principalmente a possibilidade de novas perturbações importantes no fornecimento de energia. Embora estes fatores de risco sejam os mesmos para o crescimento, o seu efeito seria o oposto: aumentariam a inflação, mas reduziriam o crescimento”, alertou.

c/ Lusa
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