Bruxelas espera défice português acima dos limites europeus em 2015

por RTP
O Executivo comunitário faz assentar a sua estimativa para a derrapagem das contas públicas portuguesas na necessidade de “maior cautela” face às previsões de receitas do Estado Hugo Correia, Reuters

Partindo da sugestão de “maior cautela” nas expectativas para a coluna das receitas, a Comissão Europeia avançou esta terça-feira com a previsão de um défice das contas públicas portuguesas de 3,3 por cento no próximo ano, superando a estimativa de 2,7 por cento inscrita pelo Governo no Orçamento do Estado. A ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, desvaloriza. Mas a mão corretora de Bruxelas estende-se à economia: a previsão é de um crescimento de 1,3 por cento, duas décimas abaixo do cenário da coligação.

Portugal está uma vez mais na rota para um Procedimento por Défice Excessivo. É o que ressalta das previsões de outono libertadas pela Comissão Europeia.

O cenário traçado por Bruxelas não cauciona os dados que o Governo de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas inscreveu na proposta de Orçamento do Estado para 2015. Pelo contrário. Em causa estão os tetos de consolidação impostos pelo Tratado Orçamental.

Em matéria de défice das contas públicas, há cinco décimas a separar as previsões do Governo e do Executivo comunitário: o primeiro baseia a proposta de Orçamento do Estado na expectativa de uma derrapagem de 2,7 por cento; o segundo prevê um peso de 3,3 por cento sobre o PIB.Ao intervir no arranque das jornadas de esclarecimento do PSD sobre o Orçamento do Estado, na última noite, o primeiro-ministro dizia ser “ponto de honra” resgatar o país aos procedimentos por défices excessivos. Em 2015.

Bruxelas faz mesmo questão de enfatizar que a sua estimativa está “significativamente acima” do que foi “planeado pelo Governo português”. O problema, explica a Comissão, reside na necessidade de “uma maior cautela” no que diz respeito às receitas a encaixar no próximo exercício orçamental.

Embora não excluam “uma melhoria” no saldo orçamental, os técnicos europeus chamam a atenção de Lisboa para um esperado agravamento da maioria das rubricas de despesa, “o que contraria parcialmente o impacto do aumento da receita e das medidas de consolidação”.

Em maio, mês da publicação das previsões de primavera, a Comissão Europeia apontava para Portugal um défice de 2,5 por cento em 2015 - fasquia afinada com o Fundo Monetário Internacional e posteriormente incluída no Documento de Estratégia Orçamental.

O Governo vê também as suas previsões contrariadas no capítulo da dívida pública. Neste caso, a Comissão Europeia prevê um rácio sobre o PIB de 125,1 por cento em 2015, contra os 123,7 da proposta de Orçamento. Bruxelas considera até que a percentagem governamental não poderá ser alcançada antes de 2016.
Comissão “realista”, ministra inflexível
Confrontada com estes dados, a ministra das Finanças quis sustentar que as previsões do Orçamento do Estado “são adequadas e vão-se materializar”. Maria Luís Albuquerque falava aos jornalistas durante uma deslocação à Parpública.
Na perspetiva da ministra, os números da Comissão Europeia “servem de orientação e não mais do que isso”, pelo que “o Governo mantém as previsões do Orçamento do Estado para 2015”.

Por sua vez, a partir de Bruxelas, o novo comissário para os Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, tratou de situar a diferença entre as estimativas de Lisboa e da Comissão no realismo de umas e no otimismo de outras.
Reportagem de António Esteves Martins e Pedro Escoto, em Bruxelas

“Na verdade, a maior diferença deve-se a uma abordagem menos otimista e, quanto a nós, mais realista do impacto sobre o défice da retoma económica e também talvez uma visão menos otimista sobre as medidas tomadas contra a fraude fiscal”, explicou o comissário em conferência de imprensa.

Questionado sobre uma eventual perda de confiança em Portugal, no contexto do pós-troika, o antigo ministro francês das Finanças resumiu: “Hoje é o tempo das previsões, não de recomendações”.
Economia e coesão social “em perigo”

O PS, pela voz do deputado João Galamba, saiu em defesa de uma renegociação das “metas do défice com a Comissão Europeia”, por forma a “garantir que a atividade económica e a coesão social não sejam postas em perigo”. Já os partidos da coligação afirmaram que o maior partido da oposição não tem credibilidade para falar de metas.
O cenário é igualmente menos otimista quanto ao comportamento da economia portuguesa.
Nas previsões de outono, a Comissão Europeia adverte para possíveis reflexos negativos do processo de resolução do Banco Espírito Santo e de eventuais declarações de inconstitucionalidade: “Os riscos orçamentais estão relacionados com as perspetivas da economia, a execução orçamental e a possibilidade de outras decisões do Tribunal Constitucional que possam fazer cair medidas”.


Se o Governo está a contar para o próximo ano com uma expansão do PIB em 1,5 por cento, a Comissão Europeia carrega no travão e acena com uma previsão de 1,3. Corrige assim em baixa a sua própria estimativa de maio.

“A recuperação da economia portuguesa sofre com o abrandamento da procura externa. Em resultado, o crescimento vai dever-se cada vez mais ao consumo privado. O regresso a um crescimento com base na procura interna pode pôr em risco a redução dos desequilíbrios externos”, adverte-se no documento comunitário.

A economia portuguesa, prosseguem os relatores de Bruxelas em tom de aviso, continua “fortemente dependente do ambiente económico europeu”. Por outro lado, o sector privado permanece “altamente endividado”.

A Comissão prevê ainda que o Produto Interno Bruto português cresça escassos 0,9 por cento em 2014, menos uma décima face à previsão de Lisboa, e 1,7 por cento em 2016.
Revisão em baixa no desemprego
Já quanto à taxa de desemprego a previsão da Comissão Europeia para o próximo ano é de 13,6 por cento, duas décimas acima daquilo que é esperado pelo Governo português na letra do Orçamento do Estado.

Em maio a Comissão previa uma taxa de 14,8 por cento para 2015 em Portugal. Verifica-se uma revisão em baixa.

“Os ganhos recentes no emprego parecem estar ligados ao sucesso de políticas ativas do mercado de trabalho”, justifica Bruxelas.

“Assim, estima-se que o emprego total aumente 1,6 por cento em 2014 e 0,8 por cento em 2015 e 2016. Tendo em conta a projeção de uma descida média anual da força de trabalho de 0,4 por cento, a taxa de desemprego deverá descer de 14,5 por cento em 2015 para 12,8 por cento em 2016”, escreve a Comissão.
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