China e Brasil abandonam dólar nas transações bilaterais e adotam yuan e real

por Graça Andrade Ramos - RTP
O presidente da Apex, Jorge Viana, no Fórum Empresrial Brasil-China em Pequim, a 29 de março de 2023 Reuters

Pequim e Brasília vão passar a realizar as suas trocas comerciais sem o intermédio da moeda norte-americana, usando as próprias divisas, anunciou Brasília. É uma vitória chinesa contra a hegemonia do dólar nas transações internacionais.

"A expectativa é que esta decisão irá permitir reduzir custos", afirmou a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, a Apex Brasil. A medida deverá ainda "promover ainda mais o comércio bilateral e facilitar o investimento", acrescentou o comunicado da Apex.

A China é já o maior parceiro comercial do Brasil, com trocas avaliadas em 150.5 mil milhões de dólares no ano transato. Os investimentos diretos da China no Brasil orçaram os 70 mil milhões de dólares. O acordo deverá abrir ainda os mercados chineses aos produtos brasileiros sobretudo no setor agroalimentar.

Para a China, a vantagem de comerciar na própria moeda com a maior economia da América do Sul é reduzir a dependência do dólar, ao mesmo tempo que aumenta a circulação do yuan (RMB), uma das suas orientações de política externa e financeira.

A estratégia mercantilista chinesa é aliás questionada globalmente, já que se baseia numa desvalorização artificial da sua moeda face ao dólar, para obter vantagens nas suas exportações.
"Clearing house"
O acordo anunciado esta quarta-feira prevê a instalação no Brasil de uma "clearing house", uma instituição com liquidez suficiente em moeda chinesa de forma que um empresário receba em yuan (RMB) e faça de imediato a troca pela própria moeda. No caso do Brasil, o real.

Conforme o acordo firmado entre Pequim e Brasília em janeiro, o banco designado pelo banco central chinês para funcionar como "clearing house" no Brasil será o ICBC - Industrial and Commercial Bank of China and Bank of Communications BBM.

O acordo foi anunciado esta quarta-feira na conclusão do Fórum empresarial Brasil-China que teve lugar em Pequim e onde era inicialmente esperado o Presidente brasileiro no âmbito de uma visita de Estado. Lula da Silva adiou a visita à China indefinidamente depois de lhe ter sido diagnosticada uma pneumonia.

O Fórum juntou 523 participantes, entre autoridades brasileiras e chinesas, além de empresários.
Previbilidade e mercados
Em representação de Brasília esteve a secretária Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito, que saudou a "maior previsibilidade das taxas de câmbio" permitida pelo acordo, que evita duas conversões e consequentes perdas.

Rosito sublinhou que os impostos sobre transações de câmbio são muito questionados por parceiros chineses no Brasil. O comércio em moeda local poderia assim contribuir para o incremento das trocas. Também as taxas de câmbio para a divisa chinesa, controladas pelo banco central chinês, variam menos e concedem mais previsibilidade às empresas.

O estabelecimento da "clearing house" é somente "um primeiro passo" até pelas próprias limitações que estas instituições têm, acrescentou a secretária, enquanto mais uma opção para os negócios e sendo que a ideia não é tornar o sistema obrigatório.

No mesmo Fórum, a vice-ministra de Comércio da China, Guo Tingting, saudou o estabelecimento da "clearing house" para o uso do yuan (RBM), referindo que China e Brasil são parceiros estratégicos e têm um relacionamento "modelo".

Um empresário brasileiro afirmou à Exame brasileira que o acordo poderá vir a ser interessante se o não envolvimento do dólar permitir o acesso a linhas de financiamento para exportação em bancos chineses, com taxas de juro mais baixas.
Expansão do yuan (RMB)
O Brasil continua a poder comercializar diretamente através de outras moedas, como o euro, o franco suíço e a libra esterlina. Mais de 90 por cento do comércio externo brasileiro é atualmente transacionado em dólares.Uma dupla designação da moeda chinesa cria por vezes alguma confusão nas trocas comerciais, sendo conhecida como o yuan chinês ou CNY internacional, ou renminbi, RMB, traduzível como "moeda do povo". Renminbi é o nome oficial da divisa, e o yuan, conforme o carater que designa objetos redondos como moedas, a unidade contabilística principal. Um yuan correspondia esta quinta-feira a 0.13 euros.

Também a Arábia Saudita e a Rússia adotaram o uso do yuan (RMB) no comércio com a China.

A divisa chinesa representa atualmente cerca de dois por cento dos pagamentos a nível global e está em crescimento, sobretudo na Ásia, área de influência de Pequim.

Um relatório do Banco do Povo da China, o banco central chinês, indica que no fim de 2021 existiam 27 bancos de "clearing" do yuan (RMB) fora da China continental, em 25 países e regiões, incluindo Canadá, Alemanha, Reino Unido, França, Luxemburgo, Suíça, Catar, Taiwan, Coreia do Sul, Singapura e Austrália.

Na América do Sul, o Chile e a Argentina possuem acordos similares. Os próprios EUA possuem uma "clearing house" para a troca direta de moeda, indicada pela China.
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