Comissão Europeia espera défice português acima do limite em 2016

por Carlos Santos Neves - RTP
A confirmar-se estimativa do Executivo comunitário, Portugal permaneceria este ano debaixo do Procedimento por Défice Excessivo Rafael Marchante - Reuters

A Comissão Europeia estima que o Governo de António Costa chegue ao fim de 2016 com um défice de 3,4 por cento do Produto Interno Bruto. É um cálculo que derrama pessimismo sobre os cenários do esboço orçamental de Lisboa - estado de espírito partilhado pelo Fundo Monetário Internacional ao terminar a terceira avaliação pós-resgate financeiro.

“Tendo em conta as medidas anunciadas no esboço do plano orçamental para 2016, enviado a 22 de janeiro, prevê-se que o défice atinja os 3,4 por cento do Produto Interno Bruto em 2016”, vaticinam as previsões económicas de inverno da Comissão Europeia, conhecidas em dia de aprovação da proposta de Orçamento do Estado em Conselho de Ministros.
O Ministério de Mário Centeno espera chegar ao termo de 2016 com uma derrapagem orçamental de 2,6 por cento.
Em novembro, Bruxelas previa um défice das contas públicas de 2,9 por cento.

Há oito décimas de pessimismo a separar a estimativa do Executivo comunitário e a percentagem que o Governo socialista inscreveu nos cenários macroeconómicos para o Orçamento do Estado deste ano. O teto europeu é de três por cento.

Para que o país pudesse sair das malhas do Procedimento por Défice Excessivo, o Governo teria de garantir uma derrapagem abaixo dos três por cento do PIB de 2015 a 2017.

Só as previsões de primavera de Bruxelas permitirão estabelecer, com maior rigor, se Portugal continuará em incumprimento; isto porque nesse momento o rácio final do défice sobre o Produto deverá estar já calculado pelo Eurostat.
“Deterioração constante”

A Comissão espera, de resto, uma “deterioração constante” do saldo estrutural no triénio em causa: “Devido à natureza pró-cíclica da maioria das medidas orçamentais, estima-se que o saldo estrutural piore um ponto percentual do PIB em 2016”.

Contas feitas, o défice estrutural terá sido de 1,9 por cento no final de 2015. Em 2016, antecipa Bruxelas, deverá resvalar para 2,9 por cento. A correção em alta, face às previsões de outono, cobre os anos de 2015, 2015 e 2017: a Comissão Europeia antevia, anteriormente, défices estruturais de 1,8, 2,3 e 2,4 por cento, respetivamente.

No esboço de Orçamento do Estado remetido aos comissários, o Governo faz assentar num défice estrutural de 1,3 por cento do PIB potencial em 2015 a previsão de uma quebra de 0,2 pontos este ano, para 1,1 por cento. Ou seja, aquém da redução de 0,6 por cento ditada em julho pelo Conselho Europeu.


Foto: Eric Vidal - Reuters

O Executivo comunitário de Jean-Claude Juncker faz questão, por outro lado, de salientar que, ao esgotar-se o prazo de produção do documento de Lisboa, continuava a faltar um entendimento “quanto a medidas de consolidação” a implementar até 2017. O que justifica uma previsão de um défice de 3,5 por cento no próximo ano. E de um défice estrutural da mesma ordem de grandeza.
Dívida pública
Relativamente ao peso da dívida pública sobre o PIB, a Comissão Europeia acredita numa descida ténue entre 2014 e 2015, de 130,2 para 129,1 por cento, tendo em conta o adiamento da alienação do Novo Banco, sucessor do BES expurgado de ativos tóxicos, do processo de resolução do Banif e de outros acertos estatísticos.

Ainda assim, Bruxelas antecipa que o rácio caia no ano em curso para 128,5 por cento, dado o “aumento previsto da almofada financeira”, e para 127,7 por cento em 2017, “devido a excedentes orçamentais primários e um crescimento robusto da procura interna”.

Também aqui as contas de Bruxelas não batem certo com a bola de cristal do Ministério das Finanças, que espera uma quebra da dívida pública de 128,7 por cento do PIB no ano passado para 126 por cento em 2016.
Uma pedra no sapato europeu
Já no plano do desempenho da economia portuguesa, a Comissão procede a uma revisão em baixa da previsão de crescimento para 2016, agora situada em 1,6 por cento.
 
O acordo à esquerda em Portugal continua a ser um ingrediente de desconfiança nas folhas de cálculo de Bruxelas, que trazem anexado um alerta para o que, nos corredores da Comissão Europeia, é ainda encarado como um quadro de “incerteza política”.

“As perspetivas macroeconómicas estão inclinadas para o lado negativo, sobretudo devido aos elevados níveis de endividamento da economia portuguesa”, lê-se nas previsões de inverno, que insistem no diagnóstico de uma incerteza que “pode aumentar os juros da dívida e levar os consumidores a atrasar o consumo e os empresários a adiar investimentos”.

Recorde-se que o Governo português espera um crescimento de 2,1 por cento, à luz do esboço de Orçamento do Estado divulgado no passado dia 22 de janeiro.
Negociações à parte
Na conferência de imprensa para a apresentação das previsões de inverno, o comissário europeu para os Assuntos Económicos tratou de destacar o facto de as estimativas não refletirem “as discussões ainda em curso” entre Bruxelas e o Governo do PS sobre o Orçamento.

“Quero precisar que as previsões apresentadas aqui baseiam-se na nossa primeira análise do plano orçamental que recebemos a 22 de janeiro e devo dizer que as questões contidas no relatório não refletem as discussões ainda em curso sobre o assunto”, vincou o francês Pierre Moscovici.

Foto: Olivier Hoslet - EPA

“O objetivo desse diálogo é clarificar alguns aspetos do plano orçamental e analisar que compromissos suplementares o Governo pode fazer, com o objetivo de assegurar que o plano orçamental respeita o Pacto de Estabilidade e Crescimento”, acrescentou.

O comissário europeu reconheceria, adiante, que as últimas propostas do Governo português “vão no bom sentido”.

“Estamos a trabalhar intensamente, muito intensamente, e em boa cooperação com as autoridades portuguesas. Temos uma equipa no terreno, que está a trabalhar de forma estreita com o Ministério das Finanças, e eu próprio, assim como o vice-presidente Dombrovskis, estou em contacto permanente com o ministro Centeno, com quem falei há alguns minutos”, adiantou Moscovici.

O colégio da Comissão, rematou o responsável, vai discutir o dossier português na sexta-feira em reunião extraordinária. “É nesse momento”, afirmou Moscovici, que a posição de Bruxelas fica selada.
“Relaxamento”
Quase em simultâneo com as previsões económicas de inverno da Comissão Europeia, outro dos elementos da troika, o Fundo Monetário Internacional, fez sair esta quinta-feira um aviso a Lisboa.

Andreia Filipa Novo, Guilherme Terra - RTP

No término da terceira avaliação pós-resgate, a instituição lamenta o que diz ser “um relaxamento da política orçamental” e avança com uma previsão de défice para 2016 de 3,2 por cento do PIB.

O Ministério das Finanças já reagiu, lembrando que a posição do Fundo não espelha “os desenvolvimentos negociais” com a Comissão Europeia.

c/ Lusa
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