Covid-19. Estivadores acusam patrões de porem em causa operação do porto de Lisboa

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Lusa

O sindicato dos estivadores acusa as empresas que dominam a operação no porto de Lisboa de estarem a sabotar a operacionalidade do descarregamento dos contentores que abastecem a grande parte do país e regiões autónomas, colocando em risco esse abastecimento num período crítico de estado de emergência. O SEAL recebeu esta sexta-feira o decreto que suspende o direito à greve, garantindo que de imediato decidiu acatar a directiva que é parte do estado de emergência. Lamenta, agora, que sejam os patrões a apossar-se do direito à greve ao impedir que metade dos estivadores da capital de fazerem o seu trabalho, no que apelida de “lockout criminoso”.

No cerne desta questão está a insolvência da AETPL, empresa de distribuição de mão-de-obra que conta com quase metade dos estivadores da capital, que o sindicato diz estar a ser destruída pelos patrões para poderem posteriormente manobrar as escalas de trabalhadores e o próprio “valor do trabalho”.

Em declarações à RTP, o SEAL (Sindicato dos Estivadores e Atividade Logística) acusou as empresas que dominam a operação do porto de Lisboa de terem sequestrado o direito à greve que pertence aos trabalhadores para passarem elas a exercê-lo através de um “lockout” aos estivadores da AETPL (Associação-Empresa de Trabalho Portuário de Lisboa), que está em processo de insolvência.

A AETPL, empresa de venda e distribuição de mão-de-obra, tem nos seus quadros centena e meia de estivadores, quase metade do contingente que opera no porto da capital. Em processo de insolvência há cerca de um mês, é detida por sete empresas que pertencem aos três grandes grupos económicos que dominam a operação do porto de Lisboa. O sindicato acredita que estas preparam a constituição de uma nova empresa de mão-de-obra com metade dos trabalhadores que fazem (ou faziam) parte dos quadros da AETPL, deixando de fora outra metade.
Requisição civil dos estivadores

Perante a requisição civil do Governo no início da semana, ainda antes da declaração do estado de emergência, as organizações de estivadores do porto de Lisboa garantem ter desde logo manifestado total disponibilidade para trabalhar. Acusam, por outro lado, as empresas-chefes da AETPL de serem elas a impor uma espécie de greve ao impedirem que os 134 trabalhadores da AETPL sejam escalados para as operações diárias.

De acordo com os representantes dos estivadores da capital, esta situação de recusa das escalas de trabalhadores surgiu com o processo de insolvência e mantém-se mesmo nestes dias em que vigora o estado de emergência, o que leva o SEAL a acusar os patrões do porto de “comportamento criminoso”.

“Independentemente da correcção, ou incorrecção, jurídica de tal entendimento, a verdade é que o SEAL considera que neste período conturbado, em que está em causa o Superior Interesse Nacional, não deve entrar em contradição com a posição assumida pelo Governo da República Portuguesa (…) Nesse sentido, e seguindo a orientação do Governo, o SEAL aconselha todos os seus sócios a, daqui em diante, e até que o Estado de Emergência seja levantado, cumprirem as escalas de serviço efectuadas pelas empresas”.

O sindicato teme, por outro lado, que as escalas sejam asseguradas por trabalhadores que não estejam profissionalmente habilitados a desempenhar essas tarefas específicas: “Na prestação de trabalho devem ser asseguradas todas as condições de segurança, cujo cumprimento, em caso de dúvida, deve ser comprovado junto das entidades competentes devendo, se for caso disso, ser também dado conhecimento público de eventuais situações de incumprimento, sempre que este possa implicar risco para a saúde do trabalhador e, por inerência, para a própria comunidade em si mesma”.
Pedro Nuno Santos não quer estivadores paralisados

Questionado o ministro das Infraestruturas e da Habitação sobre a situação e das possíveis consequências que o diferendo no porto de Lisboa poderá vir a trazer no contexto da luta contra a pandemia de covid-19, o gabinete de Pedro Nuno Santos remeteu-nos a nota à comunicação social de terça-feira em que manifesta preocupação com a greve dos estivadores e na qual procede à requisição civil para garantir a operação no porto de Lisboa.

Sublinhando tratar-se de assegurar “os interesses de todos os portugueses, sobretudo numa altura tão excecional como esta (…) os serviços mínimos decretados pelo Governo para a greve dos estivadores no Porto de Lisboa basearam-se, desde logo, na salvaguarda da situação especial das regiões autónomas, que não dispõem de meios alternativos de transporte (…)”, acrescenta que foi ainda tido em conta “o contexto atual de incerteza sobre a evolução do surto COVID-19 e a necessidade redobrada de assegurar um adequado nível do abastecimento de bens indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis em alguns setores”.

“O caráter excecional da requisição civil fica ainda a dever-se ao atual quadro de contingência decorrente do surto COVID-19, no âmbito do qual se constatou já uma afluência extraordinária de pessoas aos supermercados e farmácias, que motivou uma rutura de stocks“, pode ler-se na nota do Gabinete do ministro das Infraestruturas e da Habitação.

“Assim, decreta o Ministro das Infraestruturas e da Habitação, a requisição civil, com efeito imediato, dos trabalhadores portuários aderentes à greve nas empresas em que se encontra comprovado o incumprimento dos serviços mínimos”, determina o gabinete de Pedro Nuno Santos, numa diretiva que, de acordo com as garantias já dadas pelo SEAL, será acatada por todos os estivadores do porto de Lisboa, assim seja a vontade dos operadores e da AETPL.

O sindicato alertou, contudo, que “sem aqueles 134 estivadores [da AETPL] o porto de Lisboa não vai conseguir satisfazer a operação” e o abastecimento do país poderá “não estar garantido”.
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