Em nome das multinacionais

O coletivo “Stop TTIP” reuniu mais de três milhões de assinaturas para exigir a cessação imediata de negociações à Comissão Europeia. Era necessário apenas um milhão.

Uma das várias ações de protesto de que vem sendo alvo o TTIP na Europa decorreu em outubro de 2015, organizada pelo coletivo “Stop TTIP”.

“Num ano, reunimos o triplo das assinaturas necessárias para que seja admissível uma iniciativa de cidadania, segundo os tratados da União, o que demonstra a dimensão da crescente oposição europeia ao TTIP”, afirmou Susan George, membro do comité cidadão da ICE (Iniciativa de Cidadania Europeia).

Todavia, o gabinete de Bruxelas apressou-se a colocar a queixa no cesto dos papéis.

Apesar de haver desde 2012 essa possibilidade de qualquer cidadão europeu “participar” na elaboração das políticas da União e “obrigar” a Comissão Europeia a apresentar propostas legislativas - desde que recolhidas pelo menos um milhão de assinaturas de sete dos 28 Estados-membros -, a Comissão fez saber que o tema não estava dentro do seu “campo de competência, por não ser uma apreciação política”.
Maçães, a assinatura portuguesa
A ala mais social dos políticos europeus teme que assuntos relacionados com os direitos básicos dos cidadãos possam vir a ser cilindrados por negociações leoninas das grandes multinacionais a troco da implantação dos seus negócios em determinado território.



Estas preocupações não impediram que em outubro de 2014 o então secretário de Estado dos Assuntos Europeus Bruno Maçães assinasse com outros 13 governantes europeus uma carta dirigida ao presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, em que se defendia a possibilidade de cenários de arbitragem jurídica fora dos tribunais europeus para lidar com as parcerias transatlânticas. O velho ISDS (Investor-State Dispute Settlement, arbitragem Estado-investidor).

Bruno Maçães declararia numa reação registada pelo jornal Público que “para Portugal a questão crucial é eliminar a nossa desvantagem competitiva na área do investimento. Só três Estados-membros da UE não têm qualquer acordo de proteção de investimento com os Estados Unidos. Portugal é um deles. É, por isso, uma questão de mercado interno e de criação de condições iguais para todos”.

Na mente dos subscritores estava já a Parceria Transatlântica para o Comércio e Investimento (TTIP) e a ideia de que é este o caminho mais curto para eliminar barreiras nas relações entre a Europa e os Estados Unidos.

Mas o pedido dos 14 era também justificado com o argumento de que esta cláusula, precisamente o ISDS, será já por si obrigatória face ao que está prescrito pelo Conselho Europeu.

A linha que divide os defensores do ISDS dos que atacam este tipo de arbitragem demarcava no decorrer das negociações secretas as diferentes cores políticas. Do lado que o defende estão os liberais e os conservadores. Do outro, verdes, esquerda e social-democratas, que temem que assuntos relacionados com os direitos básicos dos cidadãos europeus país possam vir a ser cilindrados pela intransigência das grandes multinacionais.

O Financial Times chegou nessa altura a ouvir o secretário de Estado português. Declarou Bruno Maçães que a possibilidade de uma arbitragem fora dos tribunais europeus “não pode ser alterada por considerações políticas num Estado-membro, especialmente se esse Estado tem já diversos acordos ISDS em curso”. Uma referência de Maçães à Alemanha, precursora dos ISDS, mas nos tempos que correm muito cínica face à negociação do TTIP.

O governante português estaria a pensar em particular nos negócios que envolvem futuras relações do Estado português com empresas norte-americanas, com o país a partir da última linha e sem argumentos competitivos.

Numa reação registada pelo Público, Bruno Maçães utilizava a expressão “eliminar a nossa desvantagem competitiva na área do investimento”, com o que pretendia alertar para o facto de Portugal estar a partir com atraso na captação de novas parcerias.