Leaks da Greenpeace abrem 13 capítulos ao mundo

Os documentos agora tornados públicos perfazem um total de 248 páginas que correspondem a 13 capítulos do acordo já na sua versão quase final (consolidados), com um destes capítulos a fazer o ponto de situação das negociações.

Depois de trabalhar os textos com a colaboração do consórcio de investigação alemão formado pelas rádios alemãs NDR, WDR e pelo jornal Süddeutscher Zeitung, a Greenpeace conclui que em termos ambientais e do ponto de vista da proteção dos consumidores há quatro aspectos que confirmam as preocupações partilhadas por várias organizações:

1 – O acordo deixa cair o quadro de proteções ambientais que vinham sendo trabalhadas há décadas. Por exemplo, nenhum dos capítulos libertados faz referência à regra das “exceções gerais” (em inglês: General Exceptions rule). Trata-se de uma regra com quase 70 anos consagrada no acordo do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade, Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) da Organização Mundial do Comércio (OMC). Um preceito que permite que os países regulem o comércio de forma que o fluxo de trocas não coloque em risco “a vida humana, animal e vegetal ou a saúde”, protegendo nesse sentido “recursos naturais não-inesgotáveis”.As areias betuminosas são uma fonte de petróleo não-convencional, com emissões de gases com efeito de estufa 23 por cento superiores às emissões do petróleo convencional. O próprio processo de extração implica grandes impactes ambientais.

A Greenpeace holandesa entende a ausência desta regra nos textos do acordo como uma convergência das vontades dos dois negociantes para criar um regime que coloca o lucro acima dos valores da saúde e vida humana, animal e vegetal.

2 – A proteção do clima encontra-se igualmente ausente nos 13 textos, o que sugere que assinado o TTIP se tornará mais difícil cumprir o acordo da Cimeira do Clima de Paris: manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5 graus Celcius.

Mais grave, assinala a Greenpeace, surge no capítulo “Regulatory Cooperation or Market Access for Industrial Goods” (Cooperação Regulamentar ou o Acesso ao Mercado para Bens Industriais) uma limitação a medidas visando a proteção ambiental. Por exemplo, deixa de fora a regulação das importações [para a Europa] de combustíveis intensivos de CO2, como aqueles extraídos de areias betuminosas.

Chaiwat Subprasom - Reuters

3 – Ausente do rascunho está também o princípio da precaução. Trata-se aqui da ideia, consagrada no Tratado da União Europeia, de que havendo dúvidas da ciência em relação aos efeitos de determinado produto este não seja comercializado (o princípio no data, no market – “não há dados, não se vende”).

No entanto, o cenário que se anuncia parece impor o princípio inverso: é a ciência que deve provar que determinado produto é nefasto para a saúde ou para o ambiente. Acresce a ideia que faz lei nos Estados Unidos de que os riscos não são para ser evitados, mas para ser minimizados. Essa espécie de cálculo do “risco” está presente em vários capítulos do acordo e será esse o princípio que permitirá a entrada no Velho Continente de substâncias com hormonas que alteram o equilíbrio hormonal.

Este é um dos casos em que os responsáveis da Comissão Europeia fizeram publicidade de um posicionamento que não tem correspondência no texto do acordo. Cecília Malmström, comissária europeia para o Comércio, assegurava no início do ano que a União não abria mão do princípio no data, no market.

Numa nota sem qualquer ambição de ironia, a Greenpeace sublinha uma situação quase anedótica. Refere-se ao capítulo Ciência e Risco: “Sob este cenário, os reguladores que devem proteger os seres humanos, animais e ambiente estariam incumbidos de fornecer eles próprios as evidências científicas para sustentar as suas posições. Mas, para recolher essas provas, teriam de expor as pessoas, plantas e animais – em larga escala – a esses produtos potencialmente perigosos”.

4 – Os leaks confirmam ainda as suspeitas de que as grandes marcas americanas têm estendida uma passadeira para se perfilarem como colegisladores em Estrasburgo. A ideia que fica é de que não faltará de futuro oportunidade para participarem na tomada de decisão, em particular nas fases iniciais, quando é mais do que provável virem a tomar as rédeas do processo.

Mais uma vez se tornam claras duas das faces do TTIP: a sociedade civil é afastada do teor do documento enquanto as grandes multinacionais que não se sujeitaram ao escrutínio democrático ganham peso em decisões vitais para milhões de pessoas – os documentos agora libertados utilizam de forma clara a expressão “necessidade de consultar com a indústria”; a UE fala de uma coisa publicamente e subscreve propostas inteiramente diferentes à porta fechada.
Cavalo de Troia
Toru Hanai - Reuters

Há várias formas de olhar para o acordo que está em preparação.
Atlanta
A 5 de outubro emergiu de uma maratona negocial em Atlanta, EUA, a notícia de um acordo entre os 12 países envolvidos no Tratado de Comércio do Pacífico: Estados Unidos, Japão, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Chile, México, Malásia, México, Peru, Brunei, Singapura e Vietname. Trocando a geografia por números, sentaram-se à mesa 40 por cento da economia mundial; a China ficou de fora.

Do ponto de vista da Comissão Europeia, o TTIP poderia definir-se como o melhor que a União tem pela frente, com maior crescimento económico, um maná de postos de trabalho e a abertura do mercado americano aos negócios europeus.

Mas há quem discorde: estudos independentes que surgiram antes ainda dos TTIP Leaks alertam para o facto de os efeitos eventualmente benéficos do acordo apenas virem a sentir-se dentro de uma ou duas décadas e que, entretanto, a fase de transição - com necessária adaptação a nova regulamentação – afectará a Europa com uma forte estagnação económica.

Estamos a falar de queda nos PIB europeus, quebras nas exportações, aumento do desemprego nos 28 (estimativas sugerem que meio milhão de empregos poderão desaparecer até 2025), diminuição dos salários, redução da participação dos salários na renda, face à transferência de renda do trabalho para o grande capital, e consequente perda de receita via impostos.