OE chumbado. Governação, duodécimos e eleições. O manual para descodificar os próximos tempos

por Alexandre Brito - RTP
RTP

Com o chumbo do Orçamento do Estado na Assembleia da República, e a confirmação do primeiro-ministro António Costa de que não se demite, as peças do dominó até agora alinhadas começam a cair de forma sequencial com consequências políticas, de governação e económicas. São várias as questões que deve ter nesta altura. Que passos são necessários para a dissolução da Assembleia da República? E quando isso acontecer, quanto tempo depois teremos eleições? E até lá, como é que o Executivo governa. A não aprovação do OE tem efeitos já este ano? O que são duodécimos? Muitas perguntas para as quais tentamos respondemos neste manual que nos vai seguir pelo menos até janeiro.

Vamos então por partes. E começamos pelo facto que despoletou tudo isto.

O Parlamento rejeitou a proposta de Orçamento do Estado apresentada pelo Governo. PCP e BE alinharam no voto contra com os partidos da direita e com isto deitaram abaixo a "geringonça" que tinha dado suporte no Parlamento ao Executivo de António Costa nos últimos anos

Com o chumbo do Orçamento, o primeiro-ministro poderia demitir-se, alegando falta de condições para governar. Precipitava a convocação de eleições. Já tinha dito que não o faria, reafirmou ontem na AR. "Eu não me demito". Governação

Como não se demite, o primeiro-ministro continua em pleno de funções, sabendo no entanto que não tem orçamento aprovado para o ano de 2022. 

De acordo com o artigo 186.º da Constituição, os governos ficam limitados "à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos" em duas circunstâncias: "antes da apreciação do seu programa pela Assembleia da República, ou após a sua demissão" -- opção que o primeiro-ministro, António Costa, afastou.

Sabe também António Costa, porque o Presidente da República por várias vezes o afirmou, que sem orçamento Marcelo Rebelo de Sousa iria dissolver a Assembleia da República para que o país voltasse às urnas. É um processo que já está em curso e que vamos a ele mais abaixo neste texto.

As eleições nunca serão este ano. Até lá, ou pelo menos até ao final deste ano de 2021, o primeiro-ministro continua a governar com um Orçamento em vigor, ou seja, o orçamento de 2021 que foi aprovado na AR em 2020.

A questão levanta-se quando começar 2022. Orçamento de duodécimos. O que é e o que resulta daqui?

O regime de duodécimos, que vai entrar em vigor em 2022, limita a execução mensal ao dividir por 12 o orçamentado para este ano, até haver um novo orçamento.

"Durante o período transitório em que se mantiver a prorrogação de vigência da lei do Orçamento do Estado respeitante ao ano anterior, a execução mensal dos programas em curso não pode exceder o duodécimo da despesa total da missão de base orgânica", lê-se na lei de Enquadramento Orçamental atualmente em vigor.

Estão no entanto exluidas as "despesas referentes a prestações sociais devidas a beneficiários do sistema de Segurança Social e das despesas com aplicações financeiras".

O regime de duodécimos enquadra-se no regime transitório de execução orçamental, que se verifica quando há a "a rejeição da proposta de lei do Orçamento do Estado", como sucedeu hoje, mas também se "a tomada de posse do novo Governo" tiver ocorrido "entre 01 de julho e 30 de setembro".

Este regime também é aplicado quando se verifica "a caducidade da proposta de lei do Orçamento do Estado em virtude da demissão do Governo proponente" ou ainda a "não votação parlamentar da proposta de lei do Orçamento do Estado".

Com a prorrogação do OE2021, o Governo pode "emitir dívida pública fundada, nos termos previstos na respetiva legislação" e ainda "conceder empréstimos e realizar outras operações ativas de crédito, até ao limite de um duodécimo do montante máximo autorizado pela lei do Orçamento do Estado em cada mês em que a mesma vigore transitoriamente".

O Governo pode também "conceder garantias pessoais, nos termos previstos na respetiva legislação".

A lei estabelece ainda que "as operações de receita e de despesa executadas ao abrigo do regime transitório são imputadas às contas respeitantes ao novo ano económico iniciado em 1 de janeiro".
Dissolução da Assembleia da República e eleições antecipadas

O Presidente da República já tinha dito que, perante um chumbo do Orçamento, iria iniciar "logo, logo, logo a seguir o processo" de dissolução do Parlamento e de convocação de eleições legislativas antecipadas.

O Parlamento chumbou o Orçamento.... e agora. 

Vamos por partes. Primeiro a dissolução. 

Para dissolver a Assembleia da República o Presidente da República tem de ouvir os partidos nela representados e o Conselho de Estado.

Nos termos do artigo 133.º da Constituição, compete ao Presidente da República "dissolver a Assembleia da República, observado o disposto no artigo 172.º, ouvidos os partidos nela representados e o Conselho de Estado".

O artigo de 172.º determina que "a Assembleia da República não pode ser dissolvida nos seis meses posteriores à sua eleição, no último semestre do mandato do Presidente da República ou durante a vigência do estado de sítio ou do estado de emergência" -- condições que não se verificam nesta altura.

De imediato, ontem à noite, Marcelo Rebelo de Sousa recebeu no Palácio de Belém o primeiro-ministro e o Presidente da Assembleia da República. Praticamente em simultâneo, foi divulgado que o PR "vai receber no próximo sábado, 30 de outubro, nos termos constitucionais, os partidos políticos com representação parlamentar, bem como vai convocar uma reunião especial do Conselho de Estado para o dia 03 de novembro, também nos termos constitucionais". 

Ultrapassados estes passos, que estarão concluídos na próxima quarta-feira, o PR pode dissolver a AR. E nessa altura começa a contagem para novas eleições. E o que diz a Constituição a este respeito?

Quando há duas semanas Marcelo Rebelo de Sousa alertava para o que veio a acontecer, estimou que as eleições antecipadas se realizariam em janeiro.

Em matéria de prazos, a Constituição determina, no número 6 do artigo 113.º, que "no ato de dissolução de órgãos colegiais baseados no sufrágio direto tem de ser marcada a data das novas eleições, que se realizarão nos 60 dias seguintes e pela lei eleitoral vigente ao tempo da dissolução, sob pena de inexistência jurídica daquele ato".

Nos termos da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, o Presidente da República tem de marcar a data de eleições legislativas "com a antecedência mínima de 60 dias ou, em caso de dissolução, com a antecedência mínima de 55 dias".

Com esta antecedência mínima estabelecida na lei eleitoral conjugada com o prazo máximo imposto pela Constituição, as eleições legislativas antecipadas terão de acontecer entre o 55.º e o 60.º dia posteriores à dissolução do parlamento - ato que é oficializado por decreto.

A história indica que entre a comunicação ao país da decisão de dissolver o parlamento e a assinatura do decreto que oficializa a dissolução houve, intervalos variados, consoante as conjunturas, em função da data para a qual o Presidente da República em funções pretendia marcar as eleições legislativas antecipadas.

Marcelo Rebelo de Sousa sabe melhor do que ninguém isso e vai usar essa nuance para acertar o dia das eleições.

O artigo 179.º da Constituição estabelece também que, a partir do momento em que é decretada a dissolução do parlamento, "funciona a Comissão Permanente da Assembleia da República", que é composta pelo seu presidente, pelos vice-presidentes e por deputados indicados por todos os partidos, de acordo com a respetiva representatividade parlamentar.

Quanto à apresentação de candidaturas às legislativas, segundo a Lei Eleitoral para a Assembleia da República, "faz-se até ao 41.º dia anterior à data prevista para as eleições perante o juiz presidente da comarca com sede na capital do distrito ou região autónoma que constitua o círculo eleitoral".

C/ Lusa

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