Porto de Lisboa. Patrões reiteram insolvência, estivadores entram com processo-crime

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Rafael Marchante, Reuters

O Tribunal do Comércio marcou uma assembleia de credores da AETPL na sequência do pedido de insolvência da administração, reconhecendo os estivadores como principais credores, o que é visto pelo SEAL (Sindicato dos Estivadores e da Actividade Logística) como uma prova de vida daquela empresa de trabalho portuário. Vaz Marecos, representante dos patrões, diz que a decisão do tribunal não muda nada, "a AETPL encerrou e vai continuar encerrada".

Para os estivadores, esta é uma decisão que muda por completo a situação da AETPL (Associação de Empresas de Trabalho Portuário - Lisboa): considerada extinta pelos patrões que controlam a operação no Porto de Lisboa, com a marcação da assembleia de credores e o reconhecimento dos trabalhadores como principais credores da empresa, o Tribunal do Comércio abre uma porta à principal reivindicação desses 149 estivadores – a recuperação da empresa.

A assembleia de credores, marcada para 26 de junho, deverá pronunciar-se sobre a constituição de uma comissão de credores e sobre a substituição do atual administrador de insolvência, António Taveira, por Domingos Miranda, de acordo com a pretensão manifestada pelos estivadores, que detêm 89% dos créditos da AETPL.
Administrador “faltou à verdade”

Desde logo, o SEAL considera que a marcação da assembleia de credores para dia 26 de Junho é uma prova de que a empresa não estava afinal encerrada: “Ao contrário do que foi afirmado pelo representante máximo dos patrões, a AETPL nunca foi definitivamente encerrada, pelo que todos os contratos de trabalho, que alegadamente tinham cessado, têm todas as condições para serem retomados”.

“Desta forma, fica claramente demonstrado que o anúncio da morte da AETPL foi manifestamente exagerado, propalado por quem tinha intenções claras de desvalorizar o processo judicial, desmoralizar os trabalhadores e iludir o poder político, na ânsia de conseguir a concordância deste para uma estratégia falida. Ao contrário do que o Dr. Diogo Marecos andou a propagandear à comunicação social e na Assembleia da República, seja como presidente da AETPL, seja como presidente da AOPL, seja como Administrador da Yilport, a AETPL não está liquidada, os estivadores não estão despedidos e a marcação da Assembleia de Credores anunciada pelo Tribunal deixa clara a sua prova de vida”, refere o sindicato num comunicado.

“Lamentamos que esse representante máximo tenha faltado à verdade e que, com essa mentira, tenha conduzido 149 trabalhadores e suas famílias para uma situação desgastante, que praticamente tenha paralisado o porto de Lisboa, aumentando o risco crítico de acidentes e colocando dramaticamente em causa a produtividade, por falta de experiência de quem foi injectado à pressa na cadeia logística portuária, numa época particularmente sensível para toda a população”, acusa o sindicato.
“A AETPL encerrou e vai continuar encerrada”

O conflito laboral no Porto de Lisboa – em particular a recusa do SEAL em aceitar uma proposta de redução salarial de 15% e o fim das progressões de carreira automáticas – conduziu a várias greves dos estivadores da AETPL, o que levou as empresas de estiva do porto de Lisboa (simultaneamente únicos acionistas, administradores e clientes da AETPL) a entrar com um pedido de insolvência no passado mês de março.

O representante dos operadores portuários, Diogo Vaz Marecos, afirmava-se então, em declarações à Lusa, convicto de que o encerramento da AETPL era irreversível, tendo também os contratos de trabalho dos estivadores caducado definitivamente. Posição que manteve à RTP, agora que a decisão do tribunal foi tornada pública: “A AETPL encerrou e vai continuar encerrada. A AETPL não tem trabalhadores, não tem instalações e não tem alvará”.

Questionado sobre o eventual cenário em que a assembleia de credores resultasse na recuperação da empresa e disponibilidade desses estivadores para a operação do Porto de Lisboa, Vaz Marecos adiantou que “as empresas de estiva procederam ao recrutamento, deram formação e não têm necessidade de mais mão-de-obra”.

Confrontado com esta posição do representante dos patrões, que na prática inviabilizaria a contratação de trabalhadores da AETPL ainda que o tribunal aceitasse um plano de recuperação, o sindicato responde com o Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) que, sublinha o SEAL, com “a reabertura da AETPL, mantém na totalidade os seus efeitos”.

Refere o artigo 16º do CCT invocado pelo sindicato que “nas situações em que as empresas de estiva e as que explorem as áreas portuárias de uso privativo careçam de pessoal para a satisfação de necessidades inerentes ao desempenho da sua atividade e para as quais não disponham de pessoal suficiente nos seus quadros, deverá ser feita requisição dos trabalhadores necessários à ETP do respetivo porto”.
“Quer uns, quer outros, são capazes de estar certos”

Sobre esta possibilidade de a AETPL manter a actividade após o final do processo de insolvência, a Administração do Porto de Lisboa (APL) sublinha que é agora necessário aguardar que a situação “siga os seus trâmites normais”.

“O tribunal está a proceder bem, foi rápido”, considerou Lídia Sequeira, presidente da APL, admitindo que possa vir a haver “um plano de recuperação da empresa”.

“Quer uns, quer outros, são capazes de estar certos. Por parte das empresas accionistas não haverá intenção de retomar o processo de recuperação da empresa (…), por parte dos trabalhadores poderá haver essa intenção”, acrescentou Lídia Sequeira em declarações à RTP, manifestando porém a convicção de que, avançando esse cenário de continuidade da AETPL, “o tribunal considerou aquela empresa insolvente e com aquela composição a empresa jamais voltará a existir”.

“Esta empresa [AETPL] jamais votará a existir, mas poderá existir com outra composição accionista ou de sócios cooperativos”, sublinhou.

Questionada sobre se esta era uma posição conciliatória da APL entre os trabalhadores e os patrões, a presidente da Administração do Porto rejeitou essa leitura: “Não é [uma posição conciliatória]. É uma posição realista (…) não é o que quer A ou B, será o tribunal a decidir”.

Garantido é para já que o SEAL entrará com um processo-crime contra os autores do processo de insolvência: “Na sequência da marcação da Assembleia de Credores, o prazo para requerer a qualificação de insolvência como culposa termina 15 dias após a realização da mesma, estando essa parte já a ser preparada pelo Departamento Jurídico do SEAL, o qual avançará com um processo-crime (…) contra todos aqueles que entendemos serem os responsáveis por esta situação revoltante”.


c/ Lusa
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