Transferência de conhecimento pode ter acelerado vacina para Covid-19

por Nuno Patrício - RTP
Fotos: Reuters

São cada vez mais as empresas farmacêuticas que anunciam como válida a tão esperada vacina para a SARS CoV-2. Um fármaco muito desejado e necessário, num período em que no hemisfério norte estamos prestes a entrar na época outono-inverno, e com ela a habitual agravante sazonal da gripe.

Com uma necessidade cada vez mais premente, arranjar uma solução eficaz para o novo coronavírus tornou-se prioritário.

Até então foram raras as doenças que obrigaram as indústrias farmacêuticas a empregarem tão elevado esforço e pesquisa numa só direção. Mas a expansão e a disseminação pandémica da estirpe SARS CoV-2 foi maior e economicamente mais destrutiva do que o mundo e os governos estavam à espera.
Uma vacina em contra relógio
O primeiro passo foi criar condições para identificar vacinas e terapêuticas seguras e eficazes para combater a pandemia da Covid-19. Mas estamos já numa nova fase: fabricar esses produtos em grande escala.

No sentido de acelerar este processo, as farmacêuticas e laboratórios estão até a estabelecer e a arriscar dar ordens de produção mesmo antes de os produtos receberem a aprovação regulamentar por parte das entidades certificadoras.
Com o avanço da pandemia desta vez os governos foram obrigados a disponibilizar dinherio, perante o evidente “risco” de um colapso económico.
Para um medicamento ser considerado “válido” são necessárias muitas experiências laboratoriais: primeiro em animais, depois em grupos-teste humanos e só depois de muitos meses ou anos de verificação e contra-análises é que surge a certificação e validação.

Tempo que necessita de muitos meios tecnológicos, muito conhecimento científico e pesquisa, e acima de tudo de muito dinheiro.
No caso deste surto pandémico [Covid-19] a rápida disseminação, com o elevado número de mortes associados, obrigou ao confinamento e a um encerramento da economia mundial com elevados prejuízos. Custos avultados que se vão refletir durante os próximos anos.

Mas foi este sufoco económico que obrigou os governantes e instituições políticas a tomar decisões rápidas e por vezes contrariados. Mas, com a situação pandémica a alastrar, foram obrigados a tomar decisões.

Na Europa, por exemplo, só após a catástrofe humanitária italiana, mais tarde registada pontualmente em alguns outros países, é que Bruxelas deu luz verde a um “colossal“ pacote económico, de ajuda aos países membros.
E se essa ajuda foi e é importante para segurar a economia e emprego, estas verbas não bastam. Pois já se viu que não é com confinamento, máscaras e distanciamento social que este vírus, altamente adaptável, vai desaparecer.As terapêuticas biológicas, a fabricação rápida, particularmente de produtos originalmente desenvolvidos pelas empresas, exige não apenas capacidade física, mas também acesso a conhecimento não contido em patentes ou em outras divulgações públicas.

É aqui que entra a ciência, muitas vezes ouvida e não seguida, mas que é obrigada a intervir, de forma urgente, e sempre em caso de “desespero” mundial.

E desta vez os governos foram obrigados a disponibilizar verbas importantes, perante o evidente “risco” de um colapso económico.
Pediu-se rapidez na investigação e fabricação de um fármaco eficaz, mas houve sempre quem apontasse culpas a terceiros, aproveitando-se dessas estratégias para “fugir” e poupar uns trocos, como foi o caso da saída dos Estados Unidos da Organização Mundial de Saúde, privando-os de uma soma muito significativa que poderia ajudar na investigação, desenvolvimento de soluções para a Covid-19, bem como no auxilio a países com menores recursos de apoio à saúde.

Apesar dos avanços e recuos, manobras políticas e fases ultrapassadas pelos investigadores, surgem as primeiras notícias de que estão já a ser colocadas no mercado vacinas contra a Covid-19.

Partilha de conhecimento essencial no desenvolvimento de uma vacina
Arranjar soluções terapêuticas para uma doença sempre foi uma tarefa difícil e complexa.

Desde o inicio da humanidade curandeiros, feiticeiros, alquimistas, todos eles antecessores dos atuais investigadores, médicos e farmacêuticos, tentam solucionar problemas que surgem ao longo da vivência humana.
As experiências que surgem na imprensa sugerem que a fabricação de vacinas ainda carece de padronização, mesmo dentro das plataformas de fabricação.
E se o esforço era comum para todos, o segredo e a sabedoria dessas práticas e conhecimentos fazia deles uma espécie de “seres únicos” e valiosos.

Algo que não mudou ao longo da evolução humana.

As terapêuticas biológicas, a fabricação rápida, particularmente de produtos originalmente desenvolvidos pelas empresas, exige não apenas capacidade física, mas também acesso a conhecimento não contido em patentes ou em outras divulgações públicas.

Mas esta pandemia pode ter obrigado a uma mudança e a uma estratégia concorrencial.
Um grupo de seis empresas biofarmacêuticas, candidatas à pesquisa de anticorpos monoclonais (mAb), procurou recentemente autorização, de acordo com a lei norte americana antitrust, no sentido de partilhar e obter troca de "informações técnicas" sobre os processos e plataformas de fabricação entre diferentes empresas, algo que Departamento de Justiça americano (DOJ) concedeu.

Este foco, na troca rápida de informações, recentemente incentivado pelo DOJ não será apenas necessário para a crise atual, mas também poderá criar a base para menos atritos, restrições e sigilo sobre informações de fabricação no futuro.

Pode-se perguntar, e com toda a legitimidade, o porquê de a normal e regular disseminação do conhecimento de fabricação, para produtos biológicos complexos, apenas agora começar a surgir.
Apesar de ainda existir um domínio de longa data do patenteamento em inovação biofarmacêutica, e a exigência legal de que as patentes divulguem como fazer os produtos que apresentam, nem todos os métodos, componentes e quantidades exatas são divulgadas.

O segredo ‘ancestral’ continua a ser a alma do negócio (que diga a Coca Cola Company).

A confiança no sigilo de fabricação não é específica da indústria farmacêutica. Mas este sigilo industrial tem sido geralmente mais limitado no tempo do que com produtos biológicos complexos.

No último caso, a regulação rígida sobre produtos biológicos e métodos de fabricação complexos e às vezes ‘idiossincráticos’ obrigou à desaceleração, a competição e a inovação.

Com toda a certeza, as linhas de produtos são diferentes e as crises, como a atual [Covid-19] podem ser catalisadores valiosos.
E reportando-nos ao caso dos mAbs e da crise do Covid-19, as grandes empresas biofarmacêuticas agora estão dispostas a compartilhar, e talvez, em última instância, padronizar com base em informações, o que poderiam ter visto anteriormente como uma “entrega do ouro ao inimigo” perdendo alguma vantagem competitiva.

As experiências que surgem na imprensa sugerem que a fabricação de vacinas ainda carece de padronização, mesmo dentro das plataformas de fabricação - elemento essencial para criar uma vacina segura e eficiente. Apesar de as vacinas que estão a ser administradas, como por exemplo na Rússia ou na China, desenvolvidas em tempo recorde, terem eliminando fases teste de segurança.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) relata que, a 31 de julho de 2020, havia 26 candidatos em avaliação clínica e 139 candidatos em avaliação pré-clínica.

Os preparativos para o aumento da escala de fabricação de vacinas estão a ocorrer, mesmo antes da certeza da eficácia de uma única vacina, quanto mais vacinas múltiplas, que se apresentam diariamente como solução.

É por esta razão que a partilha de dados adicionada ao conhecimento e investigação já realizada pelas empresas será importante para a elaboração de um produto eficiente e seguro.

A transferência de conhecimento pode promover práticas recomendadas padronizadas em toda a indústria.

As tecnologias mais recentes também podem beneficiar de uma maior experiência ou conhecimento específico de caso.

Por exemplo, mesmo as vacinas de mRNA - destinadas a induzir a produção de anticorpos que se ligam a possíveis patógenos - que deveriam ser mais simples de fazer do que as vacinas tradicionais, parecem ter envolvido transferência de tecnologia - isto é, transferência de conhecimento e material - para outras empresas.
A pandemia SARS CoV-2 parece ter aberto a porta a uma nova realidade na busca e partilha de informação. E se aceitarmos que esta realidade é a única solução para novas epidemias, talvez não seja tarde para soluções vindouras ou mesmo a resolução de outros problemas há muito entre nós, como o cancro, ébolas, gripes das aves, HIV, entre outras.

E é em momentos de crise como estes que nos vem à memória uma frase batida: "juntos seremos ‘sempre’ mais fortes.”

Será que é desta que a ciência vai superar a economia?
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